
Mesmo a enganosa “confissão” só aconteceu depois de 360 médicos e socorristas israelenses firmarem carta aberta execrando a chacina e exigindo investigação do crime hediondo
A força de ocupação israelense admitiu que matou 15 socorristas palestinos em Gaza, mas o fez com uma ridícula tentativa de encobrimento do crime dizendo que uma “investigação” concluíra que o morticínio “não feria seu código de ética”.
Mesmo essa criminosa “confissão” enlameada de sangue só ocorreu após expressão de ultraje mundial incluindo uma carta aberta firmada por médicos, enfermeiros e socorristas israelenses condenando o massacre e exigindo investigação.
O PRC, Crescente Vermelho Palestino (como é denominada a Cruz Vermelha nos países árabes) e a organização israelense de direitos humanos “Quebrando o Silêncio” rejeitaram as “conclusões” da força israelense neste domingo (20).
O presidente do PRC, Younis al-Khatib, desmontou a versão israelense sobre o morticínio e concluiu em sua declaração à TV Al-Araby: “é contraditória”.
“É incompreensível o porquê de soldados israelenses terem corrido a esconder os corpos dos socorristas da forma criminosa como o fizeram”, expôs Khatib.
Ele acrescenta que “os militares israelenses se comunicaram com os socorristas antes de assassiná-los e esta evidência – incluindo um vídeo mostrando os flashes de emergência das ambulâncias – provam a falsidade da narrativa da ocupação de que havia pouca visibilidade no local”.
“A gravidade de tudo isso exige uma investigação independente e imparcial conduzida por um órgão da ONU”, declara Khatib.
Uma declaração do PRC, que teve socorristas assassinados no local, denuncia que o informe israelense é “cheio de mentiras”.
“É inválida e inaceitável”, diz Nebal Farsach, porta-voz do PRC, “pois tenta justificar as mortes e desvia a responsabilidade para um erro pessoal do comando de campo quando a verdade é muito diferente”.
Para tornar o informe ainda mais inverossímil, a força israelense chegou a alegar que seis dos socorristas enterrados com suas ambulâncias em uma enorme vala comum eram “terroristas do Hamas”, sem fornecer qualquer evidência disso.
Na admissão das mortes, o informe descreve como “falhas profissionais” uma “comunicação parcial e imprecisa” dos oficiais do comando no campo aos seus comandantes, quando da entrada das tropas na região de Rafah.
As medidas anunciadas são apenas a dispensa do comandante do Batalhão Golani e uma advertência ao oficial da 14ª Brigada.
Um vídeo gravado por um dos socorristas antes de morrer, que o Crescente Vermelho localizou e fez chegar ao New York Times, mostra integrantes de uma das equipes de socorristas sendo assassinados por fogo israelense que persistiu durante vários minutos, informa a rede Al Jazeera.
VALA COMUM
Somente depois de cinco dias, pessoal da ONU e do Crescente Vermelho teve acesso ao local onde se depararam com a vala comum com os corpos e suas ambulâncias enterrados.
A organização israelense “Quebrando o Silêncio” também questiona com veemência a investigação: “está crivada de contradições, frases vagas e detalhes claramente selecionados”.
“Não é toda mentira que tem, como neste caso, um vídeo para que seja exposta e o informe não mostra qualquer esforço para se aproximar da verdade”, acrescenta a organização e prossegue: “Mais um dia, mais um encobrimento. Mais vidas inocentes se vão e não há nenhuma responsabilização”.
Mesmo esse esforço descarado de encobrimento do crime pareceu insatisfatório para os fascistas no governo de Netanyahu.
O ministro da “Segurança”, Itamar Ben-Gvir, disse que a decisão de demitir o comandante “foi um erro grave” e deveria ser “revertida”
Volta a defender os criminosos da forma mais vergonhosa: “Nossos soldados em combate, que sacrificam suas vidas em Gaza, merecem nosso pleno apoio”.
O professor inglês, Geoffrey Nice, especialista em Direitos Humanos, declara que “é um documento surpreendente e chama a vários questionamentos que, com certeza, o exército israelense terá dificuldade em responder”.
“Na verdade, ao invés de expor o ocorrido, questiona a própria conduta militar israelense em Gaza”, aponta Nice.
360 PROFISSIONAIS DE SAÚDE DE ISRAEL EXIGEM QUE CRIMINOSOS RESPONDAM PROCESSO
360 profissionais de saúde, metade deles médicos, firmaram uma carta pedindo uma investigação urgente sobre o assassinato de socorristas e medidas correspondentes: “Matar socorristas e missão de socorro é uma flagrante violação da lei internacional”, diz o documento.
“Estamos chocados com esta grave ocorrência. A morte de pessoal médico e de socorro em exercício do dever é flagrante violação das leis da guerra internacionais e um ato contra a moralidade humana”, diz a carta.
“Nos declaramos comprometidos com a ética médica e acreditamos na sacralidade da vida de toda pessoa como valor supremo, tanto na Guerra quanto na paz”, diz ainda a carta que prossegue dizendo ser “inconcebível que um evento tão severo siga sem ser investigado e sem um exame completo, confiável e imparcial e que leve a conclusões e responsabilização”.
“A resposta ao massacre de socorristas de Gaza mostra que Israel se degenera e brutaliza”, diz editorial do jornal israelense Haaretz.
“Vai chegar a hora em que os israelenses terão de olhar no espelho e ver as atrocidades cometidas no nosso nome”, prossegue o editorial, cujos principais trechos seguem adiante.
“Desde o início da guerra, o mecanismo de investigação recebe informações de dezenas de alegações de crimes e, até agora, nem um soldado israelense foi processado por eles”.
“Coisas terríveis aconteceram na estrada a caminho de Tel al Sultan, bairro na cidade Rafah, Gaza”.
O editorial denuncia ambulâncias com suas equipes solicitadas para socorrer feridos por ataque israelense que “nunca chegaram ao destino”.
“Durante cinco dias, não houve qualquer informação sobre o que lhes acontecera. Somente no domingo o exército permitiu que a ONU e o Crescente Vermelho chegassem ao local”.
“Eles encontraram uma gigantesca pilha de terra cobrindo partes de ambulâncias destruídas. Em outro local, cavaram e encontraram os corpos de 15 socorristas – oito do Crescente Vermelho, seis funcionários da Defesa Civil e um da OU”, prossegue o editorial.
“Fontes palestinas dizem que alguns dos corpos tinham as mãos e pés algemados e há indicações de que foram alvejados a curta distância. E como se tudo isso não bastasse, quando os integrantes da ONU e do Crescente Vermelho se dirigiam ao local, viram que centenas fugiam sob tiros. Presenciaram uma mulher atingida por tiro na cabeça e um homem que tentou ajuda-la também receber um tiro”.
“Aos 15 socorristas mortos em Tel Sultan, se juntam mais de 1.000 médicos, socorristas e pessoal da defesa civil já mortos.
“Até agora mais de 50.000 pessoas foram mortas em Gaza. Já faz mais de um mês que não entra alimento ou qualquer tipo de ajuda. A ameaça de fome e de crise humanitária paira sobre os dois milhões de habitantes de Gaza.
“Ainda que este governo queira que a guerra se estenda para sempre, ela vai acabar um dia. E neste dia, a Força Israelense, a sociedade israelense como um todo vai se ver forçada a olhar no espelho e tratar com o reconhecimento de que estas atrocidades foram cometidas em nosso nome”.