
No terceiro dia de audiências da Corte Internacional de Justiça em Haia, que examina as obrigações humanitárias legais de Israel na Palestina ocupada a pedido da Assembleia Geral da ONU, após a proibição, por Israel, da atuação da Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) e dois meses de bloqueio total à entrada de comida em Gaza, um representante dos Estados Unidos, na contramão dos demais expositores, saiu em defesa do “direito” de Israel matar de fome os palestinos em Gaza e de proibir a UNRWA.
A UNRWA foi criada em 1949 por decisão da Assembleia Geral da ONU, como resposta à Nakba, a expulsão forçada de palestinos de suas terras ancestrais, sendo a principal fonte de apoio humanitário para cerca de 5,9 milhões de refugiados palestinos na Palestina ocupada e nos países vizinhos, e sua principal linha de vida em matéria de comida, água, educação, assistência médica e combustível.
Opondo-se aos argumentos da principal autoridade jurídica da ONU e de outros 12 países que já falaram, o consultor jurídico do Departamento de Estado, Joshua Simmons, asseverou que o direito internacional “não impõe nenhuma obrigação incondicional a uma potência ocupante” com relação à assistência humanitária fornecida pela ONU, organizações internacionais e terceiros Estados.
No momento em que Israel há dois meses deixa a população civil sem alimentos, água, remédios ou combustível – isso depois de mais de 52 mil civis assassinados, um genocídio transmitido em streaming ao mundo horrorizado -, Simmons ousou alegar que o Artigo 59 da Quarta Convenção de Genebra de 1949, sobre obrigações humanitárias de uma potência ocupante, “não impõe um dever absoluto de permitir alívio à população sob seu controle”.
O porta-voz do país que fornece as bombas de 1 tonelada com que Israel comete o genocídio questionou a “imparcialidade” da agência de refugiados palestinos da ONU, usando como pretexto acusações não comprovadas de Israel de que “pessoal da UNRWA” teria participado do ataque de 7 de outubro ou suas “instalações usadas”.
Para ele, “Israel não tem obrigação de permitir que a UNRWA forneça assistência humanitária especificamente”.
Um inquérito da ONU publicado em abril do ano passado rechaçou as alegações de Israel, enfatizando que não encontrou evidências de irregularidades por parte da equipe da UNRWA, que Israel não respondeu aos pedidos de nomes e informações e que “desde 2011” jamais informou sobre “quaisquer preocupações concretas relacionadas à equipe da UNRWA”.
De acordo com o mais recente relatório da agência da ONU que Israel tenta fechar, desde outubro de 2023 Israel matou pelo menos 290 funcionários humanitários e realizou pelo menos 830 ataques às instalações da agência e às pessoas que se abrigavam nelas.
Em resposta, o embaixador palestino Ammar Hijazi, assinalou que a intervenção dos EUA havia destacado “os direitos de uma potência ocupante, mas ignora as tantas camadas de deveres dessa potência ocupante que Israel está violando”.
“Todo mundo sabe que Israel está usando a ajuda humanitária como arma de guerra e está matando de fome a população em Gaza por causa disso”, ele acrescentou.
Maksim Musikhin, diretor do departamento jurídico do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, disse ao tribunal que as medidas de Israel contra a UNRWA, incluindo as leis que a proíbem, violam o direito internacional humanitário e a Carta da ONU.
A proibição da UNRWA “prejudicará significativamente o direito do povo palestino à autodeterminação”, acrescentou.
Musikhin manifestou ainda o apoio russo aos apelos para nomear a agência da ONU para os refugiados palestinos para o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços humanitários. Tal prêmio seria “oportuno e bem merecido”, disse ele.
“Apoiamos a UNRWA. Acreditamos que a UNRWA deve ser respeitada. O direito internacional deve ser respeitado por Israel, especialmente no que diz respeito à UNRWA. Se houver algum problema com a segurança, eles devem consultar a UNRWA, conversar com a ONU, não fechá-la”, ele acrescentou após a audiência em entrevista ao portal Middle East Eye.
Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da Indonésia, Sugiono, expressou apoio à UNRWA e ao “direito do povo palestino à autodeterminação”. Ele acusou Israel de violar suas obrigações sob a Carta da ONU de respeitar os privilégios e imunidades das agências da ONU. “A conduta de Israel contradiz as obrigações de Israel de respeitar a presença da ONU”.
Em sua intervenção, a França pediu o acesso irrestrito à ajuda humanitária em Gaza. “Nossa posição permanecerá firme e inabalável. A ajuda humanitária deve chegar a Gaza em grande escala”, disse o representante francês durante sua intervenção oral.
” Todos os pontos de passagem devem ser abertos e o trabalho das organizações humanitárias deve ser facilitado e seu pessoal protegido, em conformidade com o direito internacional.”
Na sessão da tarde, a Turquia denunciou como ilegal o cerco contínuo a Gaza. “As pessoas em Gaza estão novamente sob bloqueio, desta vez com entrada zero de ajuda humanitária. A punição coletiva é aplicada em nome de forçar o Hamas a devolver os reféns”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores turco, Nuh Yilmaz.
“Israel usa a fome como arma. Israel varre centenas de milhares de pessoas deslocadas de um lugar para outro minutos após as ordens de evacuação. Israel tem como alvo casas, hospitais, escolas, abrigos, acampamentos, zonas seguras e toda a infraestrutura civil restante”, disse ele ao tribunal.