
Aprovada durante o governo Michel Temer (MDB) sob o pretexto de modernizar as relações de trabalho, gerar empregos formais e reduzir disputas judiciais, a reforma trabalhista de 2017 acabou produzindo efeitos contrários aos anunciados. A medida promoveu um profundo retrocesso na legislação trabalhista do país, ao flexibilizar direitos e fortalecer a negociação individual em detrimento da proteção coletiva, sob o pretexto de atrair investimentos e dinamizar o mercado de trabalho.
Um estudo inédito da pesquisadora Nikita Kohli, doutoranda na Duke University (EUA), revela que os resultados práticos ficaram aquém das promessas. De acordo com a pesquisa, divulgada pela BBC News Brasil, nos anos seguintes à reforma houve uma queda de 0,9% nos salários do setor formal e uma redução de 2,5% nas contratações com carteira assinada.
O estudo, ainda em versão preliminar e divulgado no blog Development Impact, do Banco Mundial, analisou dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e da Pnad Contínua, do IBGE, abrangendo o período de 2012 a 2021. Por meio de um modelo contrafactual — método estatístico que permite estimar o que teria acontecido na ausência da reforma —, a autora conseguiu isolar os efeitos específicos da mudança legislativa no mercado de trabalho.
Entre os resultados mais surpreendentes está o fato de que, apesar da redução no custo da mão de obra formal, o número de contratações com carteira assinada não aumentou. Ou seja, a expectativa de que o afrouxamento das regras trabalhistas incentivasse as empresas a empregarem mais, não se concretizou.
Em entrevista ao Brasil de Fato nesta quinta-feira (1º), o jurista Jorge Souto Maior resumiu o retrocesso promovido pela reforma ultraliberal ao longo dos últimos oito anos. “A reforma trouxe banco de horas por contrato individual, redução do intervalo de descanso, aumento de custos para acessar a Justiça, ampliação da terceirização e o contrato intermitente”, enumerou.
“São mecanismos que vieram para possibilitar aumento da jornada de trabalho e redução do custo de trabalho, o que permite dizer que que “o aumento das possibilidades de contratação precárias e contratos efêmeros, de pouca duração”, avaliou. “E, nessa realidade, temos uma rotatividade intensa”, analisa o jurista.
Apesar de a precarização do trabalho ser um fenômeno que remonta aos anos 1990, o jurista avalia que a reforma trabalhista de 2017 teve um papel decisivo ao acelerar esse processo e dar respaldo legal à lógica da flexibilização.
Segundo ele, a mudança legislativa institucionalizou práticas que ampliaram a insegurança nas relações de trabalho. Um dos reflexos mais visíveis desse cenário é o avanço da informalidade: atualmente, 32,5 milhões de brasileiros exercem atividades como autônomos sem qualquer vínculo formal, o que representa 31,7% da população ocupada, conforme os dados mais recentes do IBGE.
“Para os trabalhadores e trabalhadoras, o que se tem como efeito da reforma trabalhista é esta ampliação da precarização”, diz, “chegando ao ponto da desvalorização do contrato formalizado, da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]”, e “muitas pessoas achando inclusive que é mais vantagem trabalhar sem carteira assinada, de uma de maneira informal”
“O que é surpreendente nesses resultados é que os trabalhadores formais ficaram mais baratos, seus salários caíram, mas o emprego formal também diminuiu”, observa Nikita Kohli, autora do estudo.
Intrigada por esse cenário contraditório, a pesquisadora indiana — que já investigou mercados de trabalho no Paquistão, Quênia, Índia e Brasil — voltou seu olhar para os trabalhadores informais nas empresas brasileiras. O resultado: após a reforma, houve um crescimento de 6,7% nas contratações informais.
No Brasil, são classificados informais os trabalhadores sem registro em carteira, os autônomos que atuam por conta própria e os empregadores que não possuem CNPJ. Já aqueles registrados como Microempreendedores Individuais (MEI), embora atuem de forma independente, não entram nessa estatística por estarem formalizados com CNPJ.
No fim de 2017, quando a reforma trabalhista foi sancionada, cerca de 40% da população ocupada no Brasil estava na informalidade — o equivalente a mais de 37 milhões de pessoas sem acesso a direitos garantidos pela CLT, como férias, 13º salário e FGTS. Em contraste, a média nos países desenvolvidos era de 18%, segundo a OIT. Kohli identificou esse avanço da informalidade em um cenário de enfraquecimento dos sindicatos, que perderam quase toda sua receita com o fim da contribuição do imposto sindical, também previsto na reforma.
“[…] com a implementação da reforma, os mercados de trabalho com sindicatos fortes antes da reforma são mais afetados [pelo avanço da informalidade nas empresas] do que aqueles com sindicatos fracos, porque estes realmente já não tinham sindicatos [atuantes] lá para começar., observa a pesquisa.
Kohli avalia que, antes da reforma, sindicatos mais atuantes contribuíam para direcionar a fiscalização do Ministério do Trabalho, indicando locais prioritários para auditorias — especialmente em áreas distantes das Superintendências e Gerências Regionais. Com a queda acentuada na arrecadação provocada pela reforma, as entidades tiveram que a reduzir seus quadros de funcionários e encerrar escritórios, o que pode ter comprometido sua capacidade de influenciar o processo de fiscalização.
A economista aponta que, embora o número total de inspeções trabalhistas tenha se mantido estável após a reforma, houve uma alteração no seu padrão geográfico, o que reforça a hipótese de perda de influência dos sindicatos no direcionamento das fiscalizações.
“A quantidade de inspeções é a mesma ao longo do tempo”, diz Kohli, mas o “surpreendente é que as inspeções aumentam em áreas mais próximas dos fiscais, e diminuem em regiões mais distantes”, destaca a pesquisadora. “E, de fato, eu encontro que a queda do emprego formal e o aumento do informal vêm dessas áreas mais expostas, dos lugares onde as inspeções diminuíram. Isso ajuda a fortalecer meu argumento., explica.
Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, diz que entidade que ele preside, o número de funcionários chegou a superar os 600 antes da reforma trabalhista. Esse número caiu à metade disso nos anos seguintes à mudança, com a perda de receita.
“A reforma de 2017, além de desfigurar a CLT, tirou de forma abrupta o oxigênio advindo da contribuição sindical do movimento sindical em geral e dos comerciários de uma forma especial”, diz Patah, que também é presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
“Isso nos diminuiu, momentaneamente, a capacidade de fazer frente às demandas dos trabalhadores”, continua Patah.” Perdemos associados, deixamos de fazer uma certa prestação de serviços”, lembra o sindicalista, corroborando o que a pesquisadora da Duke University aponta em seu estudo.