
Acusados fazem parte do chamado “núcleo 4” da trama golpista, que teria disseminado desinformações de forma estratégica. Grupo tem militares, policial federal e engenheiro
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça-feira (6), por unanimidade, tornar réus outros 7 denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por participação em trama golpista, a fim de manter no poder, de forma ilegal, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Os agora 7 réus fazem parte do “núcleo” 4 da organização criminosa, grupo responsável por “operações estratégicas de desinformação”.
Essas operações, segundo a denúncia da PGR, atenderiam às demandas do núcleo político da organização, com intuito de promover instabilidade social e criar cenário favorável para ruptura institucional, com fito de golpe de Estado.
Foram denunciados nesse núcleo:
• Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major da reserva do Exército;
• Ângelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
• Carlos César Moretzsohn Rocha, engenheiro e presidente do Instituto Voto Legal;
• Giancarlo Gomes Rodrigues, subtenente do Exército;
• Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército;
• Marcelo Araújo Bormevet, agente da Polícia Federal e ex-membro da Abin (Agência Brasileira de Inteligência); e
• Reginaldo Vieira de Abreu, coronel da reserva do Exército.
SEM DIVERGÊNCIAS
Votaram pela abertura de processo penal, os 5 ministros da Primeira Turma: Alexandre de Moraes — relator —, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin — presidente do colegiado.
Segundo a denúncia da PGR, o grupo propagou notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizou ataques virtuais às instituições e autoridades que ameaçavam os interesses da organização golpista.
Conforme o Ministério Público, todos estavam “cientes do plano maior da organização e da eficácia das ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”.
JUSTIFICATIVA DA ABERTURA DA AÇÃO PENAL
Relator, Moraes ressaltou que a denúncia da Procuradoria traz indícios que pesam contra cada um dos acusados, o que justifica a abertura da ação penal.
O ministro afirmou que as ações do núcleo da desinformação estão conectadas com o núcleo político, integrado por Bolsonaro, com o objetivo de atacar a credibilidade da Justiça e das eleições.
“As ações ganham ainda mais relevo quando observada a consonância entre os discursos públicos de Jair Messias Bolsonaro e os alvos escolhidos pela célula infiltrada na agência brasileira de inteligência”, afirmou.
Moraes disse ainda que “toda a estrutura do núcleo político cuja denúncia já foi recebida, instrumentalizando suas ordens pelo núcleo de desinformação, como narra a denúncia”.
CRIMES PRATICADOS
A Procuradoria-Geral da República apontou que os 7 denunciados cometeram os seguintes crimes:
• abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão;
• golpe de Estado: fica configurado quando alguém tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos;
• organização criminosa: crime cometido por quem promove, constitui, financia ou integra, “pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Pena de 3 a 8 anos. A organização criminosa a “associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”;
• dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de 6 meses a 3 anos; e
• deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de 1 a 3 anos.
JULGAMENTO IMPACTOS DA DESINFORMAÇÃO
No julgamento, os ministros ressaltaram os impactos da desinformação para as instituições e também para a sociedade.
Segundo a ministra Carmen Lúcia, a mentira virou meio utilizado para destruir a confiabilidade institucional. Para a ministra, mentiras viraram commodities para comprar a antidemocracia.
“A mentira, é, muitas vezes, como um instrumento específico para uma finalidade. Como eu preciso de uma arma, arma como instrumento material para um assassinato, ou como um veneno. A mentira é um veneno político plantado socialmente e exponencialmente divulgado por rede, por plataformas e novas tecnologias, que hoje são grandes problemas”, afirmou Cármen.
De acordo com a ministra, a disseminação de desinformação não pode ser considerada algo de menor importância.
“Se fosse [menos importante], os tribunais constitucionais do mundo inteiro não estariam tendo, neste tema, debates relativos à responsabilidade, legalidade e um emprego lícito e legítimo de tecnologias. Os tribunais constitucionais não estariam se debruçando sobre isso como principal tema hoje”, acrescentou a magistrada.
O ministro Flávio Dino lembrou casos de que a divulgação de fake news leva a assassinatos.
ACUSADOS E RÉUS
Foram acusados pela PGR, por tentativa de golpe de Estado, entre outros 4 crimes, 34 pessoas. Com o julgamento desta terça-feira, agora são réus 21 dos 34 acusados.
Falta julgar ainda a denúncia relativa aos 12 membros do chamado “núcleo 3”. Este grupo, segundo a PGR, realizava ações de desinformação e ataques virtuais, além de tentar pressionar o Alto Comando das Forças Armadas a aderir ao golpe.
Denunciados pela PGR:
• Ailton Gonçalves Moraes Barros: ex-candidato a deputado estadual pelo PL no Rio de Janeiro em 2022 e major reformado do Exército. Durante a campanha eleitoral de 2022, Barros se intitulava o “01 de Jair Messias Bolsonaro”. Foi preso na operação que apurava as fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente;
• Alexandre Ramagem: deputado federal pelo PL (Partido Liberal) do Rio. Delegado da PF e diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante o governo Bolsonaro. Relatório da PF indica que Ramagem teria “instrumentalizado” a agência para fins políticos no esquema que ficou conhecido como “Abin paralela”;
• Almir Garnier: almirante de esquadra que comandou a Marinha no governo de Bolsonaro. Foi um dos signatários da nota em defesa dos acampamentos em frente a quartéis do Exército depois da derrota de Bolsonaro nas eleições. Foi citado na delação premiada de Mauro Cid como tendo disposição para participar de golpe de Estado;
• Anderson Torres: foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Depois da derrota de Bolsonaro, passou a ocupar o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele foi preso depois de ser acusado de ser conivente e omisso na invasão e vandalização dos prédios da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A chamada “minuta do golpe” foi encontrada na residência dele;
• Angelo Martins Denicoli: major da reserva do Exército. Durante o governo Bolsonaro, foi nomeado diretor de monitoramento e avaliação do SUS (Sistema Único de Saúde), quando publicou informações falsas sobre o uso do medicamento hidroxicloroquina para o tratamento de covid-19. Foi alvo da operação Tempus Veritatis, que apurava tentativa de golpe por parte de Bolsonaro e de aliados;
• Augusto Heleno: general da reserva foi ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) de Bolsonaro. Foi capitão do Exército brasileiro durante a ditadura militar e defendeu publicamente o golpe de 1964. O grupo que organizava a trama golpista pretendia criar “gabinete de gestão de crise” comandado por Heleno;
• Corrêa Netto: coronel preso na operação Tempus Veritatis, da PF. É acusado de integrar grupo que incitava militares a aderirem ao plano de intervenção militar para impedir a posse de Lula. Obteve liberdade provisória depois de depor sobre plano de golpe de Estado e colaborar com a investigação;
• Carlos Rocha: engenheiro e dono do IVL (Instituto Voto Legal), usado pelo PL, de Bolsonaro, para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro. O relatório feito pelo instituto falava em falhas graves nas urnas eletrônicas. Com base no documento apresentado, o Partido Liberal defendeu que as supostas falhas justificariam a anulação de parte dos votos computados;
• Cleverson Ney: coronel da reserva e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres. Também foi alvo da operação Tempus Veritatis;
• Estevam Theophilo: general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres. Também cabia a ele comandava o Comando de Operações Especiais, conhecidos como “kids pretos”. O grupo foi alvo de nova operação da PF por plano golpista que pretendia matar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do STF. O general foi alvo da operação Tempus Veritatis. É suspeito de oferecer tropas a Bolsonaro em apoio a golpe de Estado;
• Fabrício Moreira de Bastos: bacharel em Ciências Militares pela Aman (Academia Militar das Agulhas Negras). É coronel e foi adido do Exército em Tel Aviv, capital de Israel;
• Fernando de Sousa Oliveira: delegado da Polícia Federal;
• Filipe Martins: ex-assessor internacional de Jair Bolsonaro. Foi preso preventivamente por 6 meses por ter deixado o País no avião presidencial de Bolsonaro que deixou Brasília rumo aos Estados Unidos, em 30 de dezembro de 2022. É acusado de fazer parte do plano de golpe de Estado depois das eleições presidenciais.
• Giancarlo Gomes Rodrigues: subtenente do Exército. Foi alvo da operação da PF que investigou o caso da “Abin paralela”. É suspeito de ter monitorado o advogado Roberto Bertholdo, sem autorização judicial. Bertholdo seria próximo de Rodrigo Maia e Joice Hasselmann, adversários de Bolsonaro;
• Guilherme Marques de Almeida: o tenente-coronel comandou o 1º Batalhão de Operações Psicológicas em Goiânia (GO). Foi alvo da operação Tempus Veritatis. Ficou conhecido depois de desmaiar e ter que ser socorrido depois de os agentes da PF baterem à porta dele;
• Hélio Ferreira Lima: tenente-coronel da ativa do Exército. Ele foi exonerado do cargo de comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais, em Manaus, em fevereiro de 2024, após ter sido alvo de operação da PF que apurou reuniões de teor golpista entre militares após a derrota de Bolsonaro na eleição;
• Jair Messias Bolsonaro: ex-presidente da República e militar da reserva do Exército, segundo inquérito da PF, o ex-chefe do Executivo tinha “pleno conhecimento” do plano golpista de matar o presidente Lula, o vice-presidente Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes;
• Marcelo Bormevet: alvo de mandado de prisão em julho, o agente da PF ocupou, durante a gestão de Alexandre Ramagem na Abin, o comando do CIN (Centro de Inteligência Nacional);
• Marcelo Costa Câmara: coronel do Exército. Exerceu o cargo de assessor especial da Presidência da República, no gabinete pessoal de Jair Bolsonaro;
• Márcio Nunes de Resende Júnior: coronel do Exército;
• Marília Alencar: delegada da PF. Ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres;
• Mário Fernandes: general da reserva do Exército. Foi chefe substituto da Secretaria Geral da Presidência. Foi preso preventivamente, suspeito de arquitetar a morte do presidente Lula, do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro Alexandre de Moraes. Até março do ano passado, Fernandes estava lotado como assessor do deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ);
• Mauro Cesar Barbosa Cid: tenente-coronel do Exército. Foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro;
• Nilton Diniz Rodrigues: general do Exército. Na época da tentativa de golpe, era o comandante do 1º Batalhão de Forças Especiais e do Comando de Operações Especiais, unidades militares localizadas em Goiânia (GO);
• Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho: economista e blogueiro. Neto do ex-presidente João Figueiredo, foi comentarista de emissora de rádio. Segundo a PF, ele integrava o núcleo responsável por incitar militares a aderir ao golpe de Estado;
• Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: general da reserva. Comandou o Exército e foi ministro da Defesa na gestão de Jair Bolsonaro;
• Rafael Martins de Oliveira: tenente-coronel da ativa do Exército, ele era conhecido como “Joe” e também fazia parte do grupo de “kids pretos”, após as eleições de 2022. Ele é investigado por ter pedido orientações quanto aos locais para realização das manifestações após a vitória de Lula;
• Ronald Ferreira de Araújo Junior: tenente-coronel do Exército é acusado de participar de discussões sobre minuta golpista;
• Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros: tenente-coronel do Exército. Segundo a PF, ele integrava o ‘núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral’.
• Silvinei Vasques: ex-diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal);
• Reginaldo Vieira de Abreu: coronel da reserva do Exército, ocupou o cargo de chefe de gabinete de Mario Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Para os investigadores, Reginaldo ajudou Mário Fernandes a disseminar informações falsas sobre o sistema eletrônico de votação do Brasil para “impedir a posse do governo legitimamente eleito”. Além disso, ele foi acusado de ajudar Fernandes a “manipular” relatório de fiscalização das Forças Armadas sobre as eleições de 2022;
• Rodrigo Bezerra Azevedo: participou do monitoramento ilegal da rotina de Alexandre de Moraes. “Os elementos de prova apresentados são convergentes para demonstrar a participação de Rodrigo Bezerra Azevedo na ação clandestina do dia 15/12/2022, que tinha o objetivo de prender/executar o ministro Alexandre de Moraes, integrando o núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas”, concluiu a investigação;
• Walter Souza Braga Netto: general da reserva do Exército. Foi ministro da Defesa e chefe da Casa Civil durante o governo de Jair Bolsonaro, de quem foi candidato a vice-presidente nas últimas eleições; e
• Wladimir Matos Soares: agente da PF. Integrou o setor de inteligência da Secretaria de Segurança Pública da Bahia em 2008 e atuou na PF em Salvador antes de ser transferido para Brasília.