
Só falta o voto do ministro Luiz Fux. De qualquer sorte, com essa maioria, o mandato da deputada está encerrado. Julgamento ocorre no plenário virtual da Primeira Turma do Supremo
A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria, nesta sexta-feira (9), pela condenação da deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), a 10 anos de prisão, por atuação como autora intelectual da invasão dos sistemas eletrônicos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ocorrida em janeiro de 2023.
Até o momento, os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e Cármen Lúcia acompanharam o entendimento do relator, Alexandre de Moraes, que propôs a perda do mandato parlamentar, medida que, agora confirmada pela maioria, dependerá de deliberação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Ao fim e ao cabo, o STF supre a deficiência da Câmara dos Deputados ao condenar e decretar o fim da carreira política da deputada. Eleita em 2018 na chamada “onda bolsonarista” e reeleita em 2022, a parlamentar extrapolou todas as prerrogativas do mandato. E o encerra completamente isolada, excluída e abandonada pelo líder que ainda defende.
O ministro Luiz Fux tem até a próxima sexta-feira (16) para registrar o voto na plataforma virtual, onde o processo está em julgamento.
Após o voto de Fux, a execução da medida, que depende de ato da Mesa Diretora da Câmara, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deve ser intimado a cumprir a decisão da Corte.
O CASO
De acordo com a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), Carla Zambelli é apontada como a mentora intelectual das invasões ao sistema do CNJ, executadas por Walter Delgatti.
Entre os atos praticados, consta a emissão de falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes e a inserção de diversos alvarás de soltura fraudulentos — um desses, inclusive, poderia beneficiar Sandro Silva Rabelo, membro do Comando Vermelho condenado a 200 anos de prisão.
Esses documentos falsificados foram inseridos tanto no Seeu (Sistema Eletrônico de Execução Unificado) quanto no BNMP (Banco Nacional de Monitoramento de Prisões).
Segundo a PGR, Delgatti acessou indevidamente o sistema SAJ nos dias 4 e 5 de janeiro de 2023, sem qualquer autorização das autoridades competentes.
Além dos alvarás de soltura, ele solicitou o afastamento de sigilo bancário do ministro Alexandre de Moraes. No dia 19 de janeiro, o hacker invadiu ainda o sistema GitLab do CNJ, e publicou mensagens depreciativas em relação ao Poder Judiciário.
DESMORALIZAR O SISTEMA DE JUSTIÇA
A Procuradoria sustenta que os atos tiveram como objetivo obter “vantagem midiática e política”, além de desmoralizar o sistema de Justiça — estratégia semelhante à utilizada nos ataques às urnas eletrônicas.
Diante da gravidade dos fatos, o órgão ministerial requer a condenação dos acusados pelos crimes mencionados, com aplicação de agravantes e fixação de valor para reparação dos danos causados.
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
Em maio de 2024, por unanimidade, a Primeira Turma do STF recebeu a denúncia apresentada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Zambelli e Delgatti.
Com a decisão, ambos passaram à condição de réus pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
Na mesma ocasião, o colegiado referendou decisões tomadas anteriormente pelo relator, como a negativa de devolução de prazo para manifestação da defesa de Zambelli, e a reafirmação da competência da Primeira Turma para julgar o caso, conforme previsto no regimento interno da Corte.
DEFESA DAS PARTES
Na sustentação escrita, a defesa de Zambelli pediu a absolvição da parlamentar, sob a alegação de que a acusação se apoia exclusivamente na palavra de Delgatti. O advogado classificou o depoimento do hacker como “repleto de inverdades” e negou que haja provas concretas da participação dela no crime.
A defesa de Delgatti, por sua vez, afirmou que o hacker agiu movido por promessa de vantagens financeiras e de emprego feitas pela deputada, e reforçou a versão de que ela teria sido a idealizadora do esquema.
ATUAÇÃO VIL
Em voto, o relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, fixou pena de 10 anos de prisão para a deputada e de 8 anos e 3 meses de reclusão para o hacker.
“É completamente absurda a atuação vil de uma deputada federal que causou relevantes e duradouros danos à credibilidade das instituições”, escreveu Moraes.
RUPTURA DA ORDEM
O ministro Cristiano Zanin acompanhou o entendimento do relator, tendo destacado a gravidade das imputações, caracterizadas pela invasão de sistemas do CNJ e pela inserção de documentos falsos com o objetivo de abalar as instituições do Estado Democrático de Direito.
Para o ministro, não se pode desprezar, ainda, que parte significativa dos fatos eclodiram às vésperas do lamentável episódio de 8 de janeiro de 2023, o que revela que os crimes se inserem em “contexto mais amplo de tentativa de ruptura da ordem constitucionalmente estabelecida”.
A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator, e considerou ainda a gravidade dos crimes atribuídos aos réus.
Segundo a ministra, os autos demonstram claramente a materialidade e autoria dos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica, com afastamento da tese de consunção da defesa. Também considerou adequada a dosimetria das penas fixada pelo relator.
PORTE DE ARMA
Zambelli é ainda alvo de outra ação penal no Supremo, relativa ao episódio em que ela sacou arma de fogo e perseguiu o jornalista Luan Araújo pela via pública, em São Paulo, às vésperas do segundo turno das eleições de 2022.
Neste caso, o julgamento foi iniciado em março no plenário virtual, com a participação de todos os 11 ministros do Supremo, mas acabou suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.
Na ocasião, os ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin adiantaram os respectivos votos, com formação de maioria antecipada pela condenação.
A partir do pedido de vista, o ministro tem 90 dias para devolver a ação. Todavia, ele ainda não devolveu o processo para continuidade de julgamento. Não há prazo definido para que a ação penal volte à pauta do plenário.
O mandato da bolsonarista, na prática, está encerrado. Em ambos os processos, há previsão de perda do cargo parlamentar e ela ainda ficará inelegível por 8 anos.