
Delegação a Istambul será encabeçada por Vladimir Medinsky, que chefiou em 2022 a obtenção de um acordo russo-ucraniano, que chegou a ser assinado mas que Kiev rasgou após ordens de Biden
A Rússia anunciou na noite de quarta-feira (14) os nomes de sua delegação à retomada das negociações diretas com a Ucrânia em Istambul, que será encabeçada pelo mesmo assistente do presidente Putin, Vladimir Medinsky, que exercia a função em 2022, quando Kiev abandonou as negociações quando já havia um esboço de acordo, após ordens de Washington de manter a guerra.
A proposta de retomada das negociações “diretas e sem pré-condições” em Istambul nesta quinta-feira (15), buscando uma paz duradoura, foi feita no sábado por Putin, que reiterou que não foi a Rússia que se retirou das negociações ou que se negou a um cessar-fogo, esvaziando a encenação desde Kiev, de um “ultimato” para um cessar-fogo de 30 dias.
“Propusemos repetidamente medidas de cessar-fogo e nunca rejeitamos o diálogo com o lado ucraniano. Não fomos nós que interrompemos as negociações em 2022, mas o lado ucraniano. A esse respeito, apesar de tudo, propomos que as autoridades de Kiev retomem as negociações que interromperam no final de 2022”, disse Putin.
“Propomos começar sem demora na próxima quinta-feira, 15 de maio, em Istambul, onde ocorreram antes e onde foram interrompidos. Permitam-me lembrar que, como resultado dessas negociações, um rascunho conjunto de documento foi preparado e rubricado pelo chefe do grupo de negociação de Kiev, mas, por insistência do Ocidente, foi simplesmente jogado no lixo”.
Como Putin enfatizou, “aqueles que realmente querem a paz” não poderiam deixar de apoiar essa proposta de retomada das negociações em Istambul.
Integram a delegação russa o vice-ministro das Relações Exteriores Mikhail Galuzin, o chefe da Direção Principal do Estado-Maior General das Forças Armadas Igor Kostyukov, o vice-ministro da Defesa Alexander Fomin. Também irão a Istambul o primeiro vice-chefe de Informação da Direção do Estado-Maior Geral Alexander Zorin, o vice-chefe da Direção Presidencial para Política de Estado Elena Podobreevskaya, o diretor do Segundo Departamento dos Países da CEI do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Alexey Polishchuk, e o vice-chefe do Departamento de Cooperação Militar Internacional do Ministério da Defesa, Viktor Shevtsov.
ELIMINAR AS CAUSAS PROFUNDAS
Em sua declaração de sábado, Putin reiterou que a Rússia está comprometida com “negociações sérias com a Ucrânia”. “O objetivo delas é eliminar as causas profundas do conflito e estabelecer uma paz duradoura e de longo prazo, numa perspectiva histórica. Não descartamos que durante essas negociações seja possível concordar com algumas novas tréguas, um novo cessar-fogo.”
Putin enfatizou que um verdadeiro cessar-fogo, que seria observado não apenas pela Rússia, mas também pelo lado ucraniano, “seria o primeiro passo, repito, em direção a uma paz sustentável e de longo prazo, e não um prólogo para a continuação do conflito armado após o rearmamento, o reforço das Forças Armadas Ucranianas e a escavação febril de trincheiras e novas fortalezas. Quem precisa de uma paz assim?”. O regime de Kiev não respeitou sequer o cessar-fogo dos 80 anos da vitória sobre a Alemanha hitlerista, uma data sagrada.
“Nossa proposta, como dizem, está na mesa”, acrescentou o presidente russo. “A decisão cabe agora às autoridades ucranianas e aos seus curadores, que, guiados, ao que parece, pelas suas ambições políticas pessoais, e não pelos interesses de seus povos, querem continuar a guerra com a Rússia através das mãos dos nacionalistas ucranianos.”
“Repito: a Rússia está pronta para negociações sem quaisquer pré-condições”, disse Putin. “Há ações militares em andamento agora, uma guerra, e estamos propondo retomar as negociações que não foram interrompidas por nós. Bom, o que há de errado nisso?! Aqueles que realmente querem a paz não podem deixar de apoiar isso”.
A proposta de Putin foi saudada pelo Brasil, China, Egito, Vietnã e pelo anfitrião, a Turquia, cujo presidente, Recep Erdogan, a considerou uma “janela de oportunidade”.
Segundo a CNN, estarão em Istambul o secretário de Estado Marco Rubio, o enviado especial Steve Witkoff e o outro enviado, general Keith Kellogg.
Após o presidente Trump ter escrito, sobre a proposta de Putin, que a Ucrânia deveria concordar “imediatamente” em se reunir com representantes russos em Istambul, Zelensky anunciou que aguardaria pessoalmente Putin em Istambul em 15 de maio.
CONVERSAS SÉRIAS
Na análise do jornal russo Komsomolskaya Pravda, a não-ida de Putin é “extremamente lógica e consistente. A Rússia não vai fazer um espetáculo a partir do encontro com os ucranianos. Nossos negociadores estão vindo para ter conversas sérias”.
“Mas para negociações reais, primeiro são necessárias reuniões no nível dos grupos de negociação. Para encontrar pontos em comum, posições comuns. Desenvolver lentamente uma versão funcional do acordo, se é que isso é possível. O próximo passo é rubricar o acordo nos parlamentos dos países.”
Considerando a composição da delegação russa a Istambul, o Komsomolskaya Pravda assinalou que esta “envia um sinal muito claro à Ucrânia e ao mundo inteiro. O mesmo vale para a escolha de um local. Istambul novamente. Vladimir Medinsky novamente. Falando sobre paz novamente. Adivinhe o que mais vai acontecer novamente? As condições da Rússia permanecem em vigor.”
A publicação lembra ainda que a lista de requisitos apresentada em 2022 incluía recusa de adesão à Otan, desmilitarização e redução das forças armadas, desnazificação e fim da perseguição à população de língua russa, e reconhecimento da reunificação das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk com a Rússia, o que, em função da realidade no terreno, passou a incluir Kherson e Zaporizhia.
A CONFISSÃO DE ARAKHAMIA
Em abril de 2022, Rússia e Ucrânia chegaram ao esboço de um acordo para término do conflito, tendo como centro a neutralidade da Ucrânia e não-ingresso na Otan e o estabelecimento de garantias, o que foi inclusive admitido publicamente pelo principal negociador ucraniano, David Arakhamia.
Mais recentemente, Arakhamia revelou o que fez com que o acordo obtido fosse rasgado: a ida a Kiev do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, com a instrução [do governo Biden] de prosseguir com a guerra, que o Ocidente ia arrasar a Rússia com as sanções e garantir armas e dinheiro.
“Após o nosso retorno de Istambul, Boris Johnson visitou Kiev e disse que nós não deveríamos assinar nada com os russos e [disse] ‘vamos só continuar lutando’”, ele relatou em entrevista.
Em suma, as centenas de milhares de soldados ucranianos que morreram na guerra não precisavam ter morrido e a guerra poderia ser evitada simplesmente pela restauração da neutralidade estabelecida na constituição ucraniana desde 1991 e pelo respeito aos direitos dos russos étnicos.