
A privatização da Sabesp foi justificada pelo governo estadual como um passo para ampliar investimentos e garantir maior eficiência nos serviços. Menos de um ano depois, porém, o que se vê é o oposto: uma cratera se abre pela segunda vez em menos de um mês na marginal Tietê, e a empresa, agora sob controle privado, transfere a responsabilidade para a população. Ao invés de reconhecer possíveis falhas técnicas e estruturais, a nova gestão prefere apontar o dedo para os próprios moradores da capital, responsabilizando-os por um problema que expõe a fragilidade da infraestrutura pública em mãos privadas.
Segundo o diretor de engenharia da companhia, Roberval Tavares, o uso inadequado da rede de esgoto por parte da população seria a origem do solapamento. “Os dois eventos aconteceram sempre quando estava chovendo. Isso é um indicativo de que havia presença muito forte de água de chuva na rede de esgoto e isso não pode acontecer”, disse. Para ele, a água da chuva, desviada incorretamente para a rede de esgoto em diversas residências, provocou pressão excessiva na estrutura. “A decisão tomada há 30 dias está correta, que foi executar uma manutenção e, agora, como o acontecido foi no mesmo local, fazer uma nova estrutura”, justificou Roberval, referindo-se à escolha anterior de realizar um reparo provisório.
A cratera recente foi causada por uma fissura em uma caixa de inspeção situada a 18 metros de profundidade, parte do interceptor de esgoto que leva os resíduos da zona norte até a estação de tratamento em Barueri. Após um reparo emergencial há cerca de 30 dias, agora a Sabesp anuncia a substituição completa da estrutura e a construção de um novo poço de visita.
Mas especialistas rechaçam a versão apresentada pela empresa. Amauri Pollachi, coordenador do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento, afirma que culpar os moradores é uma “desculpa inovadora e inventiva”. Para ele, os sistemas de drenagem e esgoto deveriam, de fato, ser separados, mas na prática, a mistura ocorre em diversas partes do sistema — inclusive por falhas estruturais que cabem à empresa evitar. Ele questiona: “E por que não teve rompimento em outras vezes?”, apontando que São Paulo já enfrentou chuvas mais intensas sem incidentes como esse.
Pollachi ainda sugere que o problema pode ter sido causado por falhas construtivas ou operacionais, agravadas por pressa na liberação das pistas e uma inspeção mal feita na ocorrência anterior. “Não houve uma avaliação correta quando houve a primeira, que levou à necessidade de um segundo reparo para solucionar o mesmo problema”, afirmou. Segundo ele, intervenções sérias não voltam a falhar em tão pouco tempo: “Manutenções de grande porte não voltam a falhar 30 dias depois. Não vi isso na minha experiência de 30 anos na Sabesp”.
Já o professor Roberto Kochen, especialista em infraestrutura, reforça que cabe à própria companhia detectar irregularidades como o despejo de água de chuva na rede de esgoto. “Há várias formas de fazer inspeção nas tubulações. Ela tem como avaliar tudo isso e tomar as precauções necessárias”, disse, indicando que a Sabesp, privatizada ou não, deveria prevenir esse tipo de problema.
Enquanto o asfalto volta a ceder e especialistas apontam falhas técnicas, a postura da Sabesp em culpar os cidadãos escancara uma gestão que agora parece mais interessada em preservar lucros do que garantir o direito básico ao saneamento com segurança e responsabilidade.