
Em entrevista à imprensa, Jair Bolsonaro (PL) requentou a ladainha de que é vítima de uma “gana persecutória” (sic) por parte do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)
Não é a primeira vez que o ex-mandatário tenta desqualificar as decisões de Moraes, atribuindo ao ministro “uma coisa mais pessoal”.
Segundo ele, o ministro-relator da ação sobre a trama golpista está pulando etapas do processo. “Ele está ali comendo etapas para ver se o julgamento acontece em agosto, setembro. Se sou tão culpado assim, por que não seguir o devido processo legal?”, questionou.
“Não consigo entender por que essa gana persecutória por parte dele. A gente não ganha nenhuma contra o Alexandre de Moraes. Um recurso, por mais óbvio que seja… a gente não ganha nada”, continuou.
Se há algo que Bolsonaro não preza e nunca prezou é o compromisso com a verdade dos fatos.
A pedido de sua defesa, recentemente, o ministro liberou o acesso do ex-presidente a todas as provas do processo e listou as testemunhas que serão ouvidas na ação penal, indicadas pelos advogados de Bolsonaro. Moraes também já havia autorizado que ele se encontrasse com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
Em outro episódio, também recente, Moraes atendeu pedido da PGR e determinou o arquivamento da investigação contra o ex-presidente que apurou fraudes em cartões de vacinação contra a covid-19. Segundo a PGR, não há comprovação dos crimes apontados em colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Nesse caso, faltaram provas materiais, embora os elementos constantes da delação fossem inequivocadamente consistentes, no que corroborou a investigação da PF que indiciou Bolsonaro e Cid, junto com outras 15 pessoas, pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações.
No entanto, a pergunta que fica é: como ser complacente com alguém que esteve, nestes últimos anos, no epicentro da trama golpista no país, desde que, por um desses acidentes da política, chegou à Presidência da República?
Em que o ministro poderia atender Bolsonaro, a não ser em questões de natureza processual que buscam eliminar toda e qualquer brecha de que o acusado pela Procuradoria, após as robustas provas colhidas pela investigação da Polícia Federal, não teve o amplo direito à defesa, respeitado, como dizem os ilustres causídicos, o devido processo legal.
Quanto aos recursos apresentados por sua defesa e não acatados por Moraes, ficou evidente de que não passam de meros instrumentos procrastinatórios, buscando evitar ou adiar ao máximo o inexorável: mais uma condenação de Bolsonaro, dessa vez por estar com suas impressões digitais em toda trama golpista
Mais do que as impressões digitais, Bolsonaro não poupou suas energias cerebrais para enredar toda tramoia golpista, do início ao fim, agindo diretamente nas diversas fases do processo ou incentivando de forma dissimulada seus fieis seguidores.
Portanto, ao contrário do que diz, o ministro não está pulando etapas do processo que já foi julgado quanto ao acatamento da denúncia da PGR por um colegiado, no caso, o da 1ª Turma da Suprema Corte, e por unanimidade.
A título de refrescar a memória do leitor, Bolsonaro, desde março deste ano, se tornou réu por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado e organização criminosa armada.
Diante desse fato, uma ação penal foi instaurada, durante a qual inúmeras testemunhas serão ouvidas e novas provas, além das já apresentadas, poderão ser acrescentadas ao processo, ao final do qual o STF concluirá pela inocência ou não do acusado.
O desespero de Bolsonaro e de sua horda mais próxima é a maior demonstração de que, no fundo, ele sabe que tem, como diz o ditado popular, culpa no cartório, algo que, pela sua personalidade errante – com léguas de distância de um comportamento social normal – jamais admitirá, apesar dos fartos elementos colhidos pela investigação policial, que constam na consistente denúncia da Procuradoria.
O que lhe tira o sono é o fato de que, caso receba a pena máxima por todos os crimes que lhe são imputados, poderá ser apenado em até 40 anos de detenção. Somadas, as penas chegam a 46 anos, mas o tempo máximo de prisão no Brasil é de 40 anos. Antes, o Código de Processo Penal previa 30 anos, mas o próprio Bolsonaro sancionou o aumento do tempo de detenção, após aprovação pelo Congresso Nacional, escrachando a velha máxima de que, também na política, o feitiço vira-se contra o feiticeiro.
Trata-se do preço não só por essa tentativa sórdida de golpear a democracia, mas, também, e principalmente, pelo desprezo infame e recorrente a essa conquista que custou tanto a tantas gerações de brasileiros.
MAC