
Entidades representativas dos trabalhadores reagiram contra a proposta apresentada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) de contratar os funcionários com pagamento por hora, sem salário e jornadas fixas, ou seja, a ampliação da chamada jornada intermitente.
O presidente da Abras, João Galassi, defendeu a medida durante um evento do setor em São Paulo, afirmando que esse tipo de contratação traria “mais liberdade de escolha” ao trabalhador. “O que é melhor para os nossos colaboradores é a liberdade de poder escolher sua jornada de trabalho. Isso só será possível se tiver a liberdade de ser contratado por hora”, afirmou Galassi. Ele justificou a proposta apontando a dificuldade para preencher as cerca de 357 mil vagas disponíveis no setor em todo o país.
A proposta, no entanto, foi duramente rebatida por entidades sindicais. Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs), Julimar Roberto de Oliveira Nonato, a iniciativa da Abras representa mais precarização e não resolve os reais problemas enfrentados pelos trabalhadores do setor.
“As pessoas não querem trabalhar nos finais de semana e feriados, estão cansadas de serem exploradas. Os jovens, principalmente, preferem empregos em outras áreas, como na indústria, às vezes até com salários menores, mas que garantem folgas nos finais de semana”, afirmou Julimar.
Ele também destacou que o setor de supermercados, mesmo sendo um dos que mais lucraram durante e após a pandemia, se recusam a oferecer melhores condições de trabalho. “Eles querem aumentar a exploração, não os direitos. Na nossa visão, o ideal seria uma jornada de 36 horas semanais, com quatro turnos de seis horas e uma escala mais justa, como quatro por três, além de melhores salários”, complementou.
Um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revelou que 76% dos vínculos intermitentes registrados em 2023 resultaram em remuneração mensal inferior ao salário mínimo ou sequer tiveram pagamento. A média salarial foi de apenas R$ 762, o equivalente a 58% do salário mínimo daquele ano. Entre mulheres e jovens, o valor médio foi ainda mais baixo, de R$ 661.
Apesar da alegada dificuldade de contratar, o setor segue lucrativo. Segundo o “Ranking da Abras 2025”, feito em parceria com a NielsenIQ, as redes de supermercados no Brasil faturaram R$ 1,067 trilhão em 2024, representando 9,12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. O número de lojas também cresceu, passando de 414.663 em 2023 para 424.120 em 2024, um aumento de 2,3%.
Para os trabalhadores, o debate não é sobre “liberdade”, como defende a Abras, mas sim sobre dignidade, remuneração justa e melhores condições de trabalho em um dos setores mais rentáveis da economia brasileira.