
Um tribunal de Boston barrou na sexta-feira (23) ação do governo Trump para punir a Universidade de Harvard, a mais antiga e tradicional instituição educacional privada dos EUA, com a proibição aos estudantes estrangeiros, que são um quarto do seu corpo discente, expondo-os à imediata deportação, após a instituição ter se negado a entregar ao Homeland (o famigerado Departamento de Segurança Interna) dados dos seus estudantes e registros de protestos no campus no prazo de 72 horas.
É o neomacarthismo e a xenofobia elevados ao paroxismo, sob o esfarrapado pretexto de impedir o “antissemitismo” – como o Homeland chama a repulsa dos estudantes de Harvard ao genocídio em Gaza perpetrado pelos nazistas no poder em Israel com bombas fornecidas pelos EUA-, a suposta continuidade de políticas raciais “inaceitáveis” e até mesmo a histérica acusação, por congressistas republicanos, de infiltração e conivência da universidade com o “Partido Comunista da China”.
Já segundo a chefona do Homeland, Kristi Noem, a proibição serve como um aviso para todas as universidades e instituições acadêmicas em todo o país, acrescentando que “o privilégio” havia sido revogado, devido ao repetido fracasso de Harvard “em cumprir a lei federal”.
“Com o golpe de uma caneta, o governo procurou apagar um quarto do corpo discente de Harvard, estudantes internacionais que contribuem significativamente para a universidade e sua missão”, disse a universidade em sua queixa ao tribunal. “Sem seus estudantes internacionais, Harvard não é Harvard.”
Em uma carta à comunidade de Harvard, o presidente Alan Garber escreveu: “Condenamos esta ação ilegal e injustificada”, acrescentando que “põe em risco o futuro de milhares de estudantes e acadêmicos em Harvard e serve como um aviso para inúmeros outros em faculdades e universidades em todo o país que vieram para a América para prosseguir seus estudos e realizar seus sonhos.”
Anteriormente, o governo Trump já havia cortado US$ 2,2 bilhões de verbas federais para Harvard, sob alegações análogas. Outras universidades, como Columbia, escandalosamente se sujeitarem aos ditames para não perder verbas. Perseguiram estudantes por se manifestarem contra o genocídio em Gaza e chegaram ao ponto de abrir as portas para agentes da imigração sequestrarem dentro do campus estudantes estrangeiros, como visto com Mahmoud Khalil.
Este foi o segundo processo que Harvard abre contra o governo Trump em questão de semanas. A ação judicial repeliu a “violação flagrante” da Constituição norte-americana e do devido processo, classificando como “ilegal e arbitrária” a exclusão dos estudantes estrangeiros.
Também denuncia que o governo Trump está exercendo “clara retaliação por Harvard exercer seus direitos da Primeira Emenda para controlar a governança, o currículo e a ‘ideologia’ da universidade e de seus professores e alunos”.
Na véspera, o Homeland haveria esclarecido que, sob a revogação da certificação do programa Student and Exchange Visitor de Harvard, proibindo que estudantes estrangeiros freqüentassem a universidade, eles teriam de se transferir, ou perderiam seu status legal, em suma, seriam deportados.
Uma situação que causa perplexidade entre os estudantes estrangeiros em Harvard e indignação mundo afora. “Eu deveria me formar em exatamente uma semana e estou definitivamente muito nervosa”, disse uma estudante de graduação de Harvard, canadense, segundo a emissora NPR.
De acordo com a Associated Press, são quase 6.800 estudantes estrangeiros em Harvard, a maioria da pós-graduação, vindos de mais de 100 países.
Na sexta-feira, porta-voz da diplomacia chinesa criticou a proibição, dizendo que a China sempre se opôs à politização da cooperação educacional e salvaguardará os direitos e interesses legítimos de estudantes e acadêmicos chineses no exterior. O maior contingente de estudantes estrangeiros em Harvard é constituído por chineses.
Ela acrescentou que “o que os EUA procuram fazer, sem dúvida, prejudicará sua própria imagem e reputação no mundo. A China protegerá firmemente os direitos e interesses legítimos e legais de estudantes e acadêmicos chineses no exterior”.
Para o The New York Times, a medida do governo Trump terá, como efeito colateral, minar a capacidade de “uma das principais universidades do país de atrair os melhores e mais brilhantes estudantes de todo o mundo” e já há quem veja em curso nos EUA certa evasão de cérebros.
Ao jornal chinês Global Times, um acadêmico chinês nos EUA, sob anonimato, disse que o impacto dessa política de Trump na pesquisa científica é “quase como desmantelar a própria base do ensino superior dos EUA”.
“As universidades americanas costumavam atrair os melhores talentos globais graças ao amplo financiamento e a um ambiente acadêmico internacional, mas essas vantagens têm diminuído constantemente sob a atual administração”, disse o acadêmico, acrescentando que os estudantes internacionais também estão se sentindo cada vez “mais desconfortáveis” à medida que enfrentam uma “crescente incerteza” sobre seu futuro nos EUA.