
Milhares de manifestantes contra o racismo e o fascismo se reuniram no domingo (25) em Minneapolis para honrar o quinto aniversário do assassinato de George Floyd e do levante que se espraiou pelos EUA e emocionou o mundo
Além das manifestações de rua, a homenagem a George Floyd, assassinado por uma polícia racista norte-americana, contou com serviços religiosos, shows e vigílias, e também reuniu multidões em repúdio à xenofobia e retrocesso que a volta de Trump à Casa Branca significa para o país.
Houve uma homenagem em Houston, sua cidade natal e onde ele está enterrado. Floyd, disse o líder da luta pelos direitos civis, Reverendo Al Sharpton, representa todos aqueles “que são indefesos contra pessoas que acham que podem colocar o joelho em nossos pescoços”.
Durante o primeiro mandato de Trump, sob o sufocamento da pandemia e do negacionismo em curso, a cena do policial branco asfixiando com o joelho um negro, trazida à luz por uma jovem negra que filmou tudo com seu celular e transmitiu ao mundo, estourou nas redes sociais e arrombou os noticiários, causando uma indignação como já não se via há décadas, desde as lutas de Martin Luther King e de Malcom X, e adiou por quatro anos o segundo mandato do biliardário da exdrúxula Trump Tower.
Um assassinato cometido por mais de nove minutos enquanto os espectadores horrorizados imploravam para que os policiais parassem, com Floyd gritando por sua mãe, implorando que ia morrer e repetindo por mais de 20 vezes aos policiais: “por favor, não consigo respirar”.
Estima-se que 26 milhões de pessoas nos EUA participaram dos protestos e a Guarda Nacional foi acionada em 30 estados. Mais de 10 mil pessoas foram presas nas mobilizações. Trump ameaçou, mas não pôde, abafar os protestos usando a força bruta. O movimento também ficou marcado pela amplitude, unindo sindicatos, igrejas, a juventude, ampliou o movimento Black Lives Matter e reuniu entidades de direitos civis.
PRAÇA GEORGE FLOYD, MINNEAPOLIS
Em Houston, foi realizado um culto em um parque a cerca de 3,2 quilômetros do túmulo de Floyd, com a presença de Al Sharpton, seguido de cinco horas de música, orações, leituras de poesia e lançamento de balões.
Os eventos em homenagem a Floyd começaram na sexta-feira em Minneapolis com shows, um festival de rua e uma “feira de autocuidado”, e culminaram no domingo com um culto religioso, um concerto gospel e uma vigília à luz de velas. Os eventos se concentraram na Praça George Floyd, o cruzamento onde o policial Derek Chauvin asfixiou e matou Floyd.
Sob o segundo mandato de Trump, mesmo as pequenas mudanças no sentido de por freios a uma polícia adestrada para caçar escravos fugidos, perseguir índios e repleta de ex-integrantes de invasões em terras alheias, vêm sendo cerceadas, em meio ao clima de ressurgimento do macartismo e supremacismo wasp (“white anglo saxon protestant”) e caça aos imigrantes.
RETROCESSO
Às vésperas do quinto aniversário do assassinato de Floyd, o Departamento de Justiça reciclado por Trump decidiu cancelar acordos do Departamento de Justiça federal com Minneapolis e Louisville, que exigiam a reforma de seus departamentos de polícia após o assassinato de Floyd e a morte de Breonna Taylor, e já há quem fale em que Trump poderia vir a anistiar Chauvin.
O advogado de direitos civis Benjamin Crump, que representa as famílias de George Floyd e Breoanna Taylor, que foi morta no início daquele ano pela polícia de Louisville, chamou o anúncio do DOJ de “tapa na cara”.
“Ao se afastar dos decretos de consentimento em Minneapolis e Louisville, e encerrar sua investigação sobre o Departamento de Polícia de Memphis enquanto retrata as descobertas de graves violações constitucionais, o DOJ não está apenas revertendo a reforma, está tentando apagar a verdade e contradizer os próprios princípios que a justiça defende”, afirmou.
EXECUTADOS SUMARIAMENTE
É longa a lista dos negros mortos pela polícia ensandecida nos últimos anos, praticamente na impunidade: Tamir Rice, um menino de 12 anos, em Cleveland, Ohio; Eric Garner e Akai Gurley, em Nova Iorque; Michael Brown, em Fergusson, Missouri; Philando Castille, em Falcon Heights, Minnesota; Ezzel Ford em Los Angeles; e a lista não para num país onde os negros são 13% da população, mas 40% dos encarcerados, no país de maior população carcerária do planeta, apesar de só ter 4% da população mundial.
E onde um cidadão negro pode morrer no supermercado, brincando no parque, numa parada num incidente menor de trânsito, ou por ter uma doença mental e a família ter telefonado pedindo ajuda e, ao invés, mandam a polícia.
E onde as “leis” permitem que maus policiais aleguem ter se sentido em “risco” seja lá por que for e supostamente com licença para matar.
Uma história de perseguição e horrores que inspirou um dos maiores escritores norte-americanos, Mark Twain, a contar a fuga de um heroi negro da escravidão e no enfrentamento com o racismo branco navegando nas águas do Mississipi através do Sul escravagista na espetacular obra-prima “Huckleberry Finn”.
Mas, das ruas, saiu o clamor de “diga seus nomes”, para as vítimas não serem invisíveis e para barrar a repetição dos crimes e da impunidade.
O GAROTO EMMET TILL
Em sua mensagem junto ao túmulo de Floyd, o Reverendo Al Sharpton comparou o assassinato de Floyd ao de Emmett Till, um garoto negro de 14 anos que foi sequestrado e linchado no Mississippi em 1955, após ser acusado de assoviar para uma mulher branca. “O que Emmett Till foi em sua época, George Floyd tem sido para este momento da história”, disse Sharpton.
Na década de 1950, o linchamento de Emmett Till chocou o mundo e Vinicius de Moraes lhe dedicou um poema: BLUES PARA EMMETT LOUIS TILL – O negro americano que ousou assoviar para uma mulher branca:
Os assassinos de Emmett
— Poor Mamma Till!
Chegaram sem avisar
— Poor Mamma Till!
Mascando cacos de vidro
— Poor Mamma Till!
Com suas caras de cal.
Os assassinos de Emmett
— Poor Mamma Till!
Entraram sem dizer nada
— Poor Mamma Till!
Com seu hálito de couro
— Poor Mamma Till!
E seus olhos de punhal.
— I hate to see that evenin’sun go down…
Os assassinos de Emmett
— Poor Mamma Till!
Quando o viram ajoelhado
— Poor Mamma Till!
Descarregaram-lhe em cima
— Poor Mamma Till!
O fogo de suas armas.
Enquanto contendo o orgasmo
— Poor Mamma Till!
A mulher faz um guisado
— Poor Mamma Till!
Para esperar o marido
— Poor Mamma Till!
Que a seu mando foi vingá-la.
Oh how I hate to see that evenin’sun go down…
Veja vídeo com o blues a Emmet:
OS FRUTOS ESTRANHOS DA KKK
De mesma raiz é Strange Fruits, de Abel Meeropol, sob o pseudônimo Lewis Allan, imortalizado pela grande Billie Hollíday em 1939, sobre os linchamentos de negros no sul dos EUA sob o apartheid.
Árvores do sul dão uma fruta estranha
Sangue nas folhas e sangue na raiz
Corpos negros balançando na brisa do sul
Fruta estranha pendurada nos choupos
Cena pastoral do sul galante
Os olhos esbugalhados e a boca retorcida
Aroma de magnólias, doce e fresco
Então o cheiro repentino de carne queimada
Aqui está uma fruta para os corvos colherem
Para a chuva acumular, para o vento sugar
Para o sol apodrecer, para as árvores caírem
Aqui está uma colheita estranha e amarga
Veja o vídeo com a música de protesto cantada pela fantástica Billy Holiday:
“NÃO VAMOS DESISTIR”
As possibilidades que se abriram nos EUA com o levante de maio de 2020 – e derrota de Trump – acabaram estioladas pela insistência do governo Biden em optar pelo caminho da guerra.
Guerra contra a Rússia na Ucrânia para expansão da Otan; guerra econômica contra a China em prol dos monopólios financeiros ianques e seu ‘mundo unipolar’; e culminando com a cumplicidade à guerra de extermínio de Israel contra os palestinos de Gaza. A ponto da perseguição aos estudantes que se opunham ao genocídio, ter começado sob seu governo.
Mas como afirmou o advogado de Floyd, Crump, este movimento “está ancorado na verdade irrefutável de que as vidas negras importam e que a justiça não deve depender de quem está no poder.” “Não vamos desistir”.