A Reforma da Previdência que o presidente do Chile, Salvador Piñera, está querendo implementar na porrada será tão eficaz quanto é popular. Do ponto de vista dos números, não enfrenta – nem de longe – os imensos problemas trazidos pela capitalização/desnacionalização praticada pela ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).
Apontada como “modelo” pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a privatização da Previdência Social chilena fez com que, atualmente, 90,75% das aposentadorias sejam inferiores a 154.304 pesos mensais (233 dólares), mal chegando à metade do salário mínimo vigente no país. Em termos de queda do poder aquisitivo, a questão é tão grave, alertam aposentados e pensionistas, que “os benefícios que ganham hoje representam entre um terço e 50% do que recebiam enquanto trabalhadores na sua vida laboral”.
Dispensam comentários as multitudinárias marchas de protesto e a necessidade de mobilizar os tristemente célebres “carabineros” (polícia estatal) para reprimir, jogando bombas de gás lacrimogêneo e o caminhão cisterna, conhecido por “guanaco”, com seus poderosos jatos de água com ácido sobre manifestantes, parte deles idosos.
A mais recente mobilização convocada pela Coordenadora de Trabalhadores Não + AFP (Administradoras de Fundo de Pensão) realizada na avenida Alameda, a principal da capital, Santiago, foi dispersada em minutos, com lesões e prisões de dezenas de pessoas, várias delas idosas.
O porta-voz da NO+AFP, Luis Mesina, denunciou uma campanha desinformativa recém desencadeada, “especialmente dos meios de televisão aberta junto ao jornal El Mercurio, que tenta fazer parecer o Chile como o oitavo país em um ranking que ninguém conhece a metodologia que o construiu”. “Porém se a gente notou a forma como pretendem nos posicionar numa escala em que ficamos melhor que os suíços, que os neozelandeses, isso parece um insulto, uma ofensa, particularmente às pessoas comuns que estão sobrevivendo com pensões abaixo dos cem mil pesos”, declarou. Mesmo com 62 anos, Mesina foi violentamente agredido, preso e levado à delegacia de polícia. O mesmo ocorreu com a equipe da TeleSUL, a jornalista Paola Dragnic e o câmara Hugo Silva, que transmitiam ao vivo.
Conforme o dirigente do Sindicato dos Professores, Mario Aguilar, “da mesma forma que todos os trabalhadores chilenos, projetamos receber pensões muito baixas. Todos os que estamos próximos à idade de nos aposentar vislumbramos péssimos benefícios porque este sistema é um verdadeiro roubo e uma fraude”.
Na avaliação do presidente Regional Metropolitano do Magistério, Carlos Díaz Marchant, “é hora de terminar de uma vez com as AFP”. Para isso, enfatizou, os professores e trabalhadores da educação irão engrossar cada vez mais os protestos.
Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil) e Grupo Sura (Colômbia), que administram fundos de 10 milhões de filiados. No total, são mais de US$ 170 bilhões aplicados no mercado de capitais especulativos, nas bolsas de Londres e Frankfurt, para serem repassados sob a forma de empréstimos usurários aos próprios trabalhadores. Foi este esquemão que ruiu.
Mesmo diante de toda a pressão popular, no domingo o presidente Sebastián Piñera anunciou uma ‘reforma’ que não muda substancialmente nada em um sistema de pensões miseráveis.
Disse que enviará ao Congresso um projeto de reforma da Previdência que propõe um aporte mensal de 4% das empresas, que até agora não pagavam nenhuma contribuição, De acordo com Piñera, dos 2,8 milhões de aposentados e pensionistas do país, 1,5 milhões têm mensalidades tão baixas que necessitam ajuda do Estado para sobreviver. Pelos cálculos do governo, o aporte empresarial significará um aumento de 40% nos benefícios dos trabalhadores. Mas, conforme o próprio presidente, será necessário adiar a aposentadoria por cinco anos e utilizar metade dos recursos economizados como “poupança” a fim de sustentar outros benefícios. A outra metade poderá ser retirada livremente pelo trabalhador, uma vez chegado o momento de sua aposentadoria. Ou seja, depois de enriquecer as transnacionais, o prejuízo é devidamente socializado.
Sendo assim, alerta Luis Mesina, o projeto Piñera não responde às necessidades dos chilenos. “Para os próximos anos a projeção é que mais de 60% de quem se aposente obterá uma pensão inferior ao salário mínimo e 40% estará por debaixo da linha da pobreza”, denunciou.
A deputada Maite Orsini (Frente Ampla) questiona: “Quem está celebrando o comunicado de Piñera em cadeia nacioal? As AFP, que encontram no governo seu maior defensor. A reforma anunciada hoje nos condena por dácadas a seguir em um sistem que qualquer aposentado sabe que não funciona. Uma vergonha”.
O deputado Giorgio Jackson, também da Frente, esclarece que “diante de um sistema de pensões deslegitimado o governo anuncia ‘grandiloquentes mudanças’ que só consolidam o sistema que já mostrou que só seguirá condenando a nosso velhinhos e velinhas ao abandono, à doença e fome”.
Por fim, a deputada Gael Yeomans, destacou: “Os chilenos exigem Não + AFP e o governo reponde com mais AFP”.