PATRICK COCKBURN*
Uma das razões pelas quais a Arábia Saudita e aliados conseguem evitar uma grita pública contra sua intervenção na guerra no Iêmen, é que o número de pessoas mortas é regularmente informado em 10.000 em três anos e meio, número misteriosamente baixo dada a ferocidade do conflito.
Agora, uma contagem realizada por um grupo não partidário que produziu um estudo sobre a guerra, demonstra que 56.000 pessoas morreram no Iêmen desde 2016. O número cresce em mais de 2.000 a cada mês à medida que os combates se intensificam em torno do porto do Mar Vermelho na cidade de Hodeidah. Isso não inclui os que estão morrendo por desnutrição ou doenças como a cólera.
“Estimamos o número de pessoas mortas em 56.000 civis e combatentes entre janiero de 2016 e outrubro de 2018,” diz Andrea Carboni, que pesquisa para Projeto de Dados sobre Localização e Eventos sobre o Conflito Armado no Iêmen (ACLED, sigla em inglês), um grupo independente anteriormente associado à Universidade de Sussex que estuda conflitos e coloca o foco no estabelecimento da quantidade real de baixas. Ele me informou que a previsão é que se chegue a um total entre 70. e 80.000 vítimas, quando completar a pesquisa pois até agora não foram computados os atingidos entre março de 2015 (quando começou a intervenção liderada pelos sauditas) e final daquele ano.
O dado mais comumente citado de 10.000 vem de um levantamento da ONU de 2017, até o início de 2017 e que permanece estático desde então. Estas estatísticas ultrapassadas no tempo extraídas do sistema de saúde danificado pela guerra, permitiu à Arábia Saudita e União dos Emirados Árabes (UEA) – que atacam fortemente bancados pelos Estados Unidos, Inglaterra e França – ignorar ou rebaixar a perda de vidas.
As baixas estão crescendo a cada dia na medida em que forças sauditas tentam cortar da capital Sanaa o porto de Hodeidah – o último porto controlado pelos revolucionários houthis [ que tomaram o poder em grande parte do território iemenita, incluindo a capital].
A organização Oxfam declarou esta semana que um civil está morrendo a cada três horas nos combates e que entre 1º de agosto e 15 de outubro, 575 civilis foram mortos na cidade portuária, incluindo 136 crianças e 63 mulheres. Um ataque aéreo na quart-feira matou 16 civis em mercado de produtos vegetais, em Hodeidah, e outros ataques este mês atingiram 2 ônibus e um posto de controle em mãos de houthis, matando 15 civis, incluindo 4 crianças.
Pouca informação sobre as baixas no Iêmen chega ao mundo exterior ao país porque a Arábia Saudita e UEA tornam o acesso difícil para jornalistas estrangeiros e outras testemunhas imparciais. Em contraste com a guerra na Síria, os governos americano, inglês e francês não têm interesse em destacar a devastação causada no Iêmen – dão cobertura diplomática à intervenção saudita. Mas sua cegueira deliberada diante da morte de tantos iemenitas está começando a atrair mais atenção negative, como subproduto da enxurrada de críticas internacionais à Arábia Saudita, como resultado do assassinato premeditado de Jamal Khashoggi – aogra admitido por funcionários sauditas – em 2 de outubro.
A ausência de números dignos de crédito da dimensão do morticínio no Iêmen tornou mais fácil para as potência estrangeiras fazerem pouco caso de acusações de serem cúmplices em destastre humanitário. Isto, apesar dos ingentes apelos de altos funcionários da ONU ao Conselho de Segurança para evitar uma fome provocada e que agora ameaça 14 milhões de Iemenitas – metade da população.
A crise piorou por causa do cerco a Hodeidah – com a cidade como linha vital para a importação de produtos e a chegada de ajuda – interrompidas desde meados de junho, uma situação que forçou 570.000 pessoas a fugirem de seus lares. O chefe de Assuntos Humanitários da ONU, Mark Lowcock, alertou em 23 de outubro “que os sistemas imunológicos de milhões de pessoas, que lhes permitem viver durante anos, estão agora literalmente entrando em colapso, fazendo destas pessoas – especialmente os velhos – mais passíveis de sucumbirem à desnutrição, cólera e outras doenças”.
Exatamente quantas pessoas morrem por causa de fraqueza advinda da fome é difícil de computar de forma precisa, porque a maior parted as mortes acontece em casa e muitas vezes não são registradas. Isto é particularmente verdadeiro para o Iêmen, onde metade das instalações do limitado sistema de saúde já não funcionam e as pessoas são em geral muito pobres para se deslocarem até aquelas que ainda atendem.
Aperda de vidas devideo aos combates seria mais fácil de registrar e divulgar, e o fato de que isto não acontece no Iêmen é sinal da falta de interesse da comunidade internacional no conflito. Carboni diz que a ACLED conseguiu computar o número de civis e combatentes mortos em lutas terrestres e bombardeios através de levantamentos junto à imprensa iemenita e, em medida menor, de apanhados na mídia internacional. A ACLED tem usado estas fontes, depois de cuidadosa análise de sua credibilidade. Quando determinados números diferem, a organização usa o dado mais baixo e favorece as informações dos que sofreram baixas em relação aos números oferecidos pelos que infligiram as baixas.
Um estudo da professora Martha Mundy – sobre Estratégias da Coalisão de na Guerra do Iêmen: bombardeios aéreos e guerra de alimentos – conclui que a campanha de bombardio saudita mira de forma deliberada a produção de alimentos e unidades de estocagem. Cerca de 220 barcos de pesca foram destruidos na costa imenita no MarVermelho e o volume pescado caiu pela metade.
ACLED começou a contar baixas já com a guerra em andamento, daí por que somente agora está pesquisando a perda de vidas em 2015, com seus dados previstos para divulgação em janeiro ou fevereiro de 2019.
Carboni afirma que a tendência é de que o número de pessoas mortas cresça. O total mensal antes de dezembro de 2017 era menor que 2.000 perdas, mas depois dessa data tem sido sempre maior do que 2.000. Quase todos os que morreram são iemenitas, ainda que os dados incluam 1.000 sudaneses que apóiam os sauditas.
O caso Khashoggi levou a maior foco internacional sobre as calamitora guerra no Iêmen, o papel da Arábia Saudita e do príncipe Mohamed Bin Salman, no conflito. Mas não há sinal de que os EUA, Inglaterra ou França cortem a assistência militar ao reino saudita e a UEA, apesar de que essa ‘coalizão’ falhará na tentativa de obter uma vitória decisiva.
A verdadeira contagem da carnificina demorou muito para emergir, mas pode ajudar a aumentar a pressão de diversos países para parar o morticínio.
* Articulista do jornal The Independent e colaborador do London Review of Books