O presidente condenou o massacre de Pittsburgh mas manteve a apologia da violência ao repetir o refrão do cartel do rifle: se houvesse gente armada no templo o morticínio teria sido impedido
Em pouco mais de 24 horas, o que cheirava a piração ou provocação, com um fã de Trump declarado – que enviava tubos-bomba com suas digitais pelo correio, que não explodiam, a adversários do presidente bilionário – já preso, se transformou em tragédia. Um neonazi assumido invadiu uma sinagoga em Pittsburgh, Pensilvânia, com um fuzil AR-15 e três pistolas Glock no sábado (27) e matou 11 pessoas, quase todos idosos, inclusive três senhoras. Tudo isso a menos de dez dias das eleições intermediárias.
O ex-stripper, entregador de pizza em meio expediente, fisioculturista e morador de uma van que mais parecia um outdoor dos delírios de Trump, Cesar Altieri Sayoc, 56, fazia questão de exibir seu fascínio pelo presidente bilionário e ia aos seus comícios.
Assim que foi preso e apareceu uma foto dele com um boné da campanha presidencial, foi prontamente apelidado de ‘MAGAbomber’ – em referência ao terrorista Unabomber dos anos 1980-90 e ao slogan de Trump ‘Make América Great Again’ [Faça a América Grande de Novo].
O neonazi Robert Bowers, 46, antes de partir para a chacina, anunciou pelas redes sociais: “aperte a mira que eu vou entrar”. Ele tuitara, ainda, acusando uma organização judaica, a Hias, “de trazer invasores que matam nosso pessoal. Eu não posso sentar e ver meu povo ser abatido”. A Hias vinha buscando assentar refugiados sírios e da América Central em Pittsburgh.
Na semana passada, a Hias, criada há 137 anos para ajudar vítimas de pogroms e que agora apoia imigrantes de todas as procedências, havia realizado uma cerimônia em favor dos imigrantes na sinagoga Árvore da Vida. Conforme Bowers, Trump não passa de um ‘globalista’ amigo de judeus, tendo dito, ainda, “que não existe #MAGA com infestação de judeus”.
Assim, o clima de intolerância nos EUA, que não cessa de crescer desde a eleição de 2016, se manifesta em novo patamar, sob o ódio instilado por Trump e sua apologia do racismo, xenofobia, uso indiscriminado de armas e opressão das demais nações. No que é auxiliado pela caça às bruxas a que se dedicam os democratas – e a mídia – a pretexto de coibir a ‘ingerência russa’.
Justiça seja feita, Hillary, com seu desdém pelos “deploráveis” – os que se recusavam a votar nela -, não hesitou em colocar seu tijolinho nesse muro de discórdia.
A convocação raivosa contra imigrantes e muçulmanos nos comícios, a invocação a deter os “estupradores e bandidos mexicanos” e os refugiados muçulmanos pela tevê, a tolerância zero contra imigrantes, separando as famílias, a negativa em condenar os supremacistas brancos mais descontrolados, acabaram dando nisso – um banho de sangue contra crentes judeus em pleno sábado, em um governo cujo presidente tem um genro judeu.
À semelhança – diga-se – do ocorrido no governo do primeiro presidente negro dos EUA, que só cuidava dos bancos e ficou conhecido como o deportador-chefe, enquanto policiais racistas matavam impunemente negros desarmados, fazendo surgir o movimento “Black Lives Matters”.
A “coincidência” de desvarios – ‘Magabomber’ e atirador neonazi – é emblemática da divisão na sociedade americana, desencadeada pela exacerbação da especulação, desindustrialização e concentração de riqueza. Trump, que após a prisão de Sayoc dissera que os democratas estavam tentando tirar “proveito eleitoral” do caso, prontamente condenou o massacre da sinagoga. Mas não conseguiu ocultar sua apologia da violência, ao repetir o surrado lema do cartel do rifle de que, se houvesse gente armada dentro da sinagoga, o morticínio teria sido impedido.
Na segunda-feira, Bowers foi levado para a primeira audiência em tribunal, sendo acusado de 29 crimes, incluindo 11 acusações por uso de arma de fogo para cometer homicídio e 11 acusações de obstrução do exercício de crenças religiosas que resultaram em morte. Há, ainda, 11 acusações estaduais, incluindo tentativa de homicídio e agressão agravada. Ele poderá ser condenado a pena de morte e, conforme fontes oficiais, a promotoria pretende tratar o caso como crime de ódio e não ato de terrorista. Testemunhas confirmaram que, enquanto disparava indiscriminadamente dentro do templo, Bowers berrava que tinha que “matar todos os judeus”. Sayoc compareceu perante um juiz na segunda-feira, recebeu cinco acusações de crimes federais, com pena máxima de 58 anos. Vestia um uniforme laranja, estava algemado nos punhos e nos pés, derramou algumas lágrimas e disse a uma meia-irmã: “eu te amo”.
ANTONIO PIMENTA