Bolsonaro está reavaliando a ideia de atacar a Previdência Social ainda antes de tomar posse – ou seja, ainda no governo Temer.
Na entrevista à TV Record, na segunda-feira (29/10), Bolsonaro havia declarado que “semana que vem estaremos em Brasília e buscaremos junto ao atual governo, de Michel Temer, aprovar alguma coisa do que está em andamento lá, como a reforma da Previdência, se não o todo, parte do que está sendo proposto, o que evitaria problemas para o futuro governo”.
Antes da eleição, Bolsonaro dissera a mesma coisa em uma “rede social” (v. Bolsonaro debocha de eleitor fugindo de debate com atestado).
Na terça-feira, Onyx Lorenzoni, indicado por Bolsonaro para a Casa Civil, disse que era necessário descartar a “reforma” enviada por Temer ao Congresso.
No mesmo dia, Paulo Guedes, que, segundo o próprio Bolsonaro, será “ministro da Economia”, desautorizou seu colega de trupe bolsonarista, declarando à imprensa que “é uma fala de um político falando de economia. É o mesmo que eu falar de política. Não dá certo”.
Guedes é um sujeito especialmente estúpido – mais do que Lorenzoni, o que é um fenômeno.
O fato de que o ataque aos direitos dos aposentados – e também dos trabalhadores da ativa, que um dia vão se aposentar – tem que passar pelo Congresso, ou seja, pelo crivo e votação de políticos, não parece ter ocorrido à sua mente privilegiada.
Muito menos que medidas de política econômica são medidas políticas.
Realmente, sua especialidade não é política econômica, mas dar golpes na praça, quer dizer, no “mercado” (v. Os negócios do corrupto guru econômico de Bolsonaro e “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES).
Guedes continuou insistindo em fazer o ataque à Previdência agora, imediatamente.
Para Bolsonaro, a vantagem, supõe-se, seria não ser torrado pela impopularidade logo no início do governo. Deixaria esse ônus para Temer. Por que cargas d’água Temer aceitaria esse sacrifício por Bolsonaro, é outro problema, mas, considerando os processos que esperam Temer, logo assim que pisar definitivamente fora do Planalto, pode-se imaginar a possível moeda de troca.
Guedes disse que já apoiava a reforma de Temer – a mesma que Bolsonaro, há duas semanas e meia, declarou que “dificilmente vai ser aprovada” (Literalmente: “Eu acredito que a proposta do Temer, como está, se bem que ela mudou dia após dia, dificilmente vai ser aprovada”) – e que não mudaria de ideia, avisando que pretende fazer ainda mais mudanças no próximo ano, com mais cortes de benefícios e a implantação do “regime de capitalização” para os ingressantes no sistema.
O plano foi explicado pelo deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), relator da reforma de Temer. Segundo ele, a proposta é aumentar a idade mínima, dificultar o acesso aos benefícios, e, depois, implementar o regime de capitalização – isto é, privatizar a Previdência e colocá-la sob controle dos bancos.
O modelo, esclareceu Guedes na terça-feira, é aquele do Chile, implantado pela ditadura de Pinochet (v. Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos).
Guedes é um mentiroso. Segundo ele, depois da liquidação da Previdência social, pública, no Chile, o país teve um boom de crescimento.
Pelo contrário, houve uma tremenda recessão – e os proventos miseráveis dos aposentados são uma das maiores travas para o crescimento chileno (v. os estudos da Fundación Sol, p. ex., “En el Chile de hoy las pensiones son miserables y en diez años serán más bajas”).
O desejo de transferir um monte Everest de recursos financeiros para o chamado “mercado”, com os bancos à frente, é o que está nas entranhas da reforma da previdência que Bolsonaro e Guedes querem fazer.
As receitas da Seguridade Social são da ordem de R$ 700 bilhões por ano, algo, por baixo, igual a 50% de todas as receitas de impostos da União.
É isso o que eles querem roubar da população, com o fim da previdência pública.
Não porque falte dinheiro na Previdência, mas exatamente pelo motivo oposto.
Porém, Guedes teve um problema, 24 h depois de suas declarações – e de sua arrogante “desautorização” de Onix Lorenzoni.
O problema é que Bolsonaro percebeu que a aprovação do ataque aos aposentados era duvidosa – e mais do que duvidosa – no atual Congresso, a começar por seu próprio partido, em que o deputado, senador eleito e presidente do PSL de São Paulo, Major Olímpio, anunciou que, se levada à votação, ele será contra a proposta (v. Previdência: “Se votar a PEC 287, não passa, eu mesmo voto contra”, diz Major Olímpio).
Depois de conversar com Bolsonaro, seu vice, Hamílton Mourão, escreveu em seu blog: “Seria ótimo aprovar a reforma da Previdência ainda neste ano, mas não podemos perder antes mesmo de tomar posse, seria um desgaste desnecessário”.
Guedes foi chamado por Bolsonaro à sua casa, na terça-feira mesmo, para levar uma esculhambação (íamos dizer “discutir o assunto”, mas é difícil acreditar que Bolsonaro discuta alguma coisa).
Guedes saiu dizendo que o ataque à Previdência não era tão urgente assim e com elogios a Onix Lorenzoni: “O nosso Onyx, corretamente, não quer que de repente nossa vitória nas urnas se transforme numa confusão no Congresso”).
Tudo isso, que relatamos, aconteceu em algumas horas.
J. AMARO
Matéria relacionada:
Previdência: “Se votar a PEC 287, não passa, eu mesmo voto contra”, diz Major Olímpio
Governo Balaio de Gato ou Casa da Mãe Joana?