
Ele pressiona os países a negociarem entendimentos de comércio com os Estados Unidos nos seus termos e ritmo, ameaçando com a imposição de tarifas unilateralmente aos que não cheguem a um “acordo”
Com o prazo de suspensão de 90 dias de seu tarifaço prestes a acabar, o presidente Donald Trump voltou a ameaçar com até 70% de sobretaxa a 12 países, que não nominou, anunciando já ter assinado as cartas, a serem enviadas na segunda-feira (7), “independentemente de eles aceitarem ou não”.
As chamadas “tarifas recíprocas” foram suspensas até 9 de julho e, segundo a Reuters, Trump fez a declaração aos repórteres no voo do Air Force One para Nova Jersey na sexta-feira (4).
“Cartas são melhores… É muito mais fácil enviar cartas”, disse Trump quando questionado sobre o tarifaço. “Assinei algumas cartas e elas serão enviadas na segunda-feira, cerca de 12. Valores diferentes, níveis diferentes de tarifas.” Na véspera, Trump falara que as “tarifas recíprocas” dos EUA contra outros países chegariam a 60% ou 70%, e a maioria delas entraria em vigor em 1º de agosto.
Na verdade, não se trata de “tarifas recíprocas”, nem de “protecionismo”, mas meramente o exercício do “privilégio exorbitante” agora em nível comercial, apesar de terem sido os EUA que estabeleceram as modalidades de globalização e as normas da Organização Mundial do Comércio. E de sua desindustrialização concomitante não decorrer da má fé de ninguém, mas da opção preferencial dos oligarcas norte-americanos pelo rentismo mais desbragado no lugar da produção, de que o Himalaia de derivativos e o crash de 2008 são signos.
Se há alguma coisa a que tais “tarifas recíprocas” se assemelhem é aos “acordos desiguais” sob o colonialismo em ascensão – só que agora o império está em decadência, evidente até para os adoradores do culto MAGA (Make América Great Again).
Segundo a Bloomberg, Trump disse a repórteres até o dia 9, “todos os países estarão cobertos, e as tarifas podem variar de 60% ou 70% a 10% e 20%”. Até agora, Trump anunciou acordos com o Reino Unido, Vietnã e o Acordo-Quadro com a China. Trump também disse que os países “começarão a pagar tarifas em 1º de agosto, e o dinheiro começará a fluir para os Estados Unidos em 1º de agosto”.
Trump anunciou inicialmente em 2 de abril que imporia altas “tarifas recíprocas” a todos os parceiros comerciais dos EUA. Após desencadear uma queda global da bolsa de valores e, pior ainda, um quase colapso do mercado de títulos do Tesouro, Trump recuou, suspendendo as “tarifas recíprocas” por 90 dias, e mantendo a alíquota tarifária “base” de 10%. Ele pressionou os países a negociarem o comércio com os Estados Unidos e ameaçou impor tarifas diretamente aos países que não chegassem a um acordo.
Sobre os patamares de tarifas ameaçados por Trump, a Bloomberg observou que as tarifas geralmente são pagas pelos importadores ou seus agentes, mas geralmente é a margem de lucro ou o consumidor final que arca com a maior parte do custo.
“DECEPCIONADO“
De acordo com a Reuters, Trump estaria decepcionado após repetidos contratempos nas negociações com importantes parceiros comerciais, incluindo o Japão e a União Europeia. Isso reflete o desafio de se chegar em um prazo tão exíguo a um acordo comercial sobre tudo, desde tarifas a barreiras não tarifárias (como proibições de importações agrícolas). No passado, a maioria dos acordos comerciais levou anos para ser concluída.
Trump e seus principais assessores têm se gabado repetidamente de que dezenas de países estão competindo por negociações comerciais com os Estados Unidos, mas a Bloomberg News mencionou que a mais recente ameaça ocorre em um momento crítico nas negociações entre os Estados Unidos e economias que vão da Indonésia e Coreia do Sul à União Europeia e Suíça, com as questões mais controversas ainda por resolver.
A carta-tarifaço anunciada por Trump é consistente com o padrão habitual dele de declarar ultimatos sempre que há impasse, e com sua pretensão de que os demais países têm que se submeter.
A Bloomberg Economics estima que, se todas as “tarifas recíprocas” forem elevadas ao nível ameaçado em 9 de julho, a tarifa média sobre todas as importações dos EUA subiria de cerca de 3% antes da posse de Trump em janeiro para cerca de 20%. Com óbvias implicações em termos da inflação e do crescimento da economia norte-americana.
Questionado na quarta-feira se haveria mais acordos anunciados, Trump respondeu apenas que “temos vários outros acordos” a caminho.
PERRENGUES
No entanto, muitos dos principais parceiros comerciais dos EUA, incluindo Japão, Coreia do Sul e União Europeia, ainda estão lutando para finalizar acordos antes do prazo. O esperado acordo entre os Estados Unidos e a Índia não se concretizou. Desde o início das negociações entre os Estados Unidos e a Índia, autoridades de ambos os países têm afirmado que a Índia poderia ser “o primeiro país a chegar a um acordo com os Estados Unidos”, mas as negociações logo chegaram a um impasse.
A Índia notificou a Organização Mundial do Comércio (OMC) no dia 4 de maio que planeja impor tarifas retaliatórias aos Estados Unidos, uma vez que as tarifas americanas sobre automóveis e peças atingiram as exportações indianas. No mesmo dia, o Ministro do Comércio da Índia, Piyush Goyal, afirmou que a Índia negociará um acordo comercial com base nos interesses nacionais e não estará vinculada ao chamado prazo dos Estados Unidos.
Recentemente, Trump criticou o Japão por ser “mimado” e não importar arroz americano diante da escassez, além de não querer comprar carros norte-americanos. Ele chegou a ameaçar impor “30%, 35% ou mais ao Japão, por ter uma atitude dura”.
Quanto ao acordo comercial entre EUA e UE, o secretário do Tesouro Scott Bessent insinuou que um acordo poderia ser alcançado após reunião com representantes da Comissão Europeia no dia 3, e que autoridades comerciais americanas “trabalhariam arduamente com autoridades europeias durante o fim de semana”.
No entanto, diplomatas da UE disseram no dia 4 que não conseguiram avançar nas negociações comerciais com os Estados Unidos e que agora podem tentar manter o status quo para evitar aumentos de tarifas.
A TRÉGUA COM A CHINA PROGRIDE, DIZ A REUTERS
Para a Reuters, a “trégua da guerra comercial” entre os EUA e a China está progredindo conforme planejado, com as tensões comerciais bilaterais continuando a diminuir.
Sobre a aplicação das decisões do Acordo-Quadro EUA-China obtido na reunião em Londres, o jornal Global Times apontou que os relatórios recentes indicam que os EUA suspenderam as restrições à exportação da China para três dos principais desenvolvedores de software de automação de design eletrônico do mundo e retomaram as exportações de produtos como etano e motores de aeronaves.
E que, em contrapartida, o Ministério do Comércio da China confirmou que está revisando os pedidos de licenças de exportação para itens controlados elegíveis de acordo com as leis e regulamentos, à medida que os EUA removem uma série de medidas restritivas.
Ainda segundo o GT, a implementação do Marco de Londres ressalta mais uma vez que a essência das relações comerciais China-EUA reside “no benefício mútuo e na cooperação ganha-ganha”. “Em 2024, as vendas do mercado chinês representaram 27% da receita total da Intel, com a Qualcomm obtendo quase metade de sua receita da China. O vasto tamanho do mercado da China e sua demanda industrial em constante atualização oferecem às empresas americanas um espaço quase insubstituível para o crescimento”.
A publicação assinalou que, ao mesmo tempo, “o fluxo suave de produtos tecnológicos americanos desempenha um papel vital no apoio à construção de um sistema industrial moderno na China”. “A cooperação entre os dois países ajuda a estabilizar as expectativas globais e a se proteger contra riscos sistêmicos, enquanto a concorrência descontrolada levaria a um ‘cenário de perde-perde’ com efeitos colaterais que ameaçam a estabilidade econômica global.”
Para as famílias americanas comuns, os dividendos de escala e eficiência incorporados pelo “Made in China” atuam como uma “válvula de segurança de preços”, amortecendo efetivamente as pressões inflacionárias e salvaguardando sua qualidade de vida, acrescentou o GT. Para os consumidores chineses, a “manufatura inteligente nos EUA” e os “serviços dos EUA” são uma importante fonte de crescimento para a demanda de médio a alto padrão e um impulsionador de inovação e vitalidade.
Embora os EUA hajam recentemente deram um passo na direção certa para encontrar a China no meio do caminho, em muitas áreas, como semicondutores, biotecnologia e novas energias, a maioria das medidas restritivas contra a China ainda permanece no lugar, registrou o GT.
“TRÊS LIÇÕES” DE REALIDADE AOS EUA
Essas múltiplas rodadas de “engajamento” entre a China e os EUA nos últimos meses podem ser vistas como uma amostra da qual Washington deve tirar pelo menos três lições, enfatizou o GT.
“Primeiro, a China não é um ‘alvo fácil’ que os EUA podem manipular à vontade; Washington precisa abandonar a noção de lidar com a China por meio de ‘pressão máxima’. Em segundo lugar, a cooperação entre a China e os EUA traz benefícios mútuos, enquanto o confronto prejudica ambos os lados, e o cenário de ‘o vencedor leva tudo’ com o qual alguns nos EUA fantasiam não se tornará realidade.”
“Em terceiro lugar, ‘construir muros’ e ‘dissociar’ artificialmente não tornará a América mais segura e próspera, pois as leis da realidade objetiva não se dobram simplesmente porque são os EUA – elas punirão qualquer um que as desconsidere, igualmente. Lições que – destacou – também devem servir de inspiração para outros países envolvidos em negociações comerciais com os EUA.