
Países dos BRICS se manifestaram sobre a ameaça do presidente norte-americano Donald Trump, via sua rede Truth Social e em meio à realização da cúpula no Rio de Janeiro, de “taxar em 10% extra” a qualquer país que “se alinhar com as políticas antiamericanas do BRICS”, com o anfitrião, o presidente brasileiro Lula, assinalando que “o mundo mudou, não queremos imperador e o BRICS é um outro modelo”. E acrescentou que existe a reciprocidade: “se ele achar que pode taxar, os países têm o direito de taxar também”.
O Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que “o uso de tarifas não serve a ninguém” e declarou que “se opõe ao uso de tarifas como ferramenta para coagir outros países”.
O espectro que assombra Trump, o da desdolarização – e fim, portanto, do “privilégio exorbitante” que permite torrar trilhões nas guerras eternas, pagos como tributo pelo mundo inteiro -, apesar de presente nos debates, não foi motivo de qualquer resolução na cúpula.
A declaração da cúpula do BRICS, de consenso, como é tradição, em nenhum momento se pronunciou diretamente contra os Estados Unidos, mas, sim, se manifestou oportunamente pelo multilateralismo e contra “as tarifas unilaterais sem precedentes”.
Tarifas que “distorcem o comércio e são inconsistentes com as regras da Organização Mundial do Comércio”. E também registrou que os bloqueios comerciais [ou seja, as sanções] “afetam as perspectivas de desenvolvimento econômico global”. Além de condenar o genocídio em Gaza, o ataque não provocado ao Irã e o terror contra alvos civis russos.
A Rússia também respondeu às declarações de Trump. “Vimos, de fato, essas declarações do presidente Trump, mas é muito importante destacar que a singularidade de um grupo como o Brics está no fato de que ele reúne países com abordagens e visões de mundo comuns sobre como cooperar com base em seus próprios interesses”, disse o porta-voz Dmitry Peskov. “Essa cooperação dentro do BRICS nunca foi e nunca será dirigida contra terceiros”, asseverou.
Também o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da África do Sul, Chrispin Phiri, declarou que o BRICS deve ser visto como um movimento em prol de um “multilateralismo reformado, nada mais”. Cujos objetivos, ele acrescentou, “são, principalmente, criar uma ordem global mais equilibrada e inclusiva, que reflita melhor as realidades econômicas e políticas do século 21”.
Phiri assinalou que “como já comunicamos anteriormente, não somos antiamericanos”, e que seu país “vem tentando negociar um acordo comercial com o governo Trump desde maio, quando da visita do presidente Cyril Ramaphosa à Casa Branca”.
Recém ingressa no BRICS na condição de país parceiro, a Malásia enfatizou que mantém uma política externa e econômica independente e está focada na facilitação do comércio, não no alinhamento ideológico.
Em outro trecho da declaração do Rio de Janeiro, os BRICS afirmam: “Condenamos a imposição de medidas coercitivas unilaterais contrárias ao direito internacional e reiteramos que tais medidas, na forma de, entre outras, sanções econômicas unilaterais e sanções secundárias, têm implicações negativas de longo alcance para os direitos humanos, incluindo os direitos ao desenvolvimento, à saúde e à segurança alimentar da população em geral dos estados atingidos, afetando de maneira desproporcional os pobres e as pessoas em situações vulneráveis, aprofundando a exclusão digital e exacerbando os desafios ambientais.”
ORDEM UNIPOLAR ESTÁ FICANDO NO PASSADO
Em seu pronunciamento, por videoconferência, à cúpula do Rio de Janeiro, o presidente russo, Vladimir Putin, acabou por se referir ao que tira o sono de Trump e seu projeto MAGA.
“Todos nós vemos que mudanças fundamentais estão ocorrendo no mundo. A ordem mundial unipolar, que servia aos interesses do chamado ‘bilhão dourado’, está ficando no passado. Está surgindo uma ordem mais justa, multipolar. Tudo indica que o modelo da globalização liberal está se esgotando, enquanto o centro da atividade econômica se desloca para os mercados em desenvolvimento, impulsionando um forte crescimento — inclusive entre os países do BRICS”.
“O BRICS consolidou-se, com razão, como um dos centros-chave da governança global, e a voz sólida de nossos países em defesa dos interesses fundamentais da maioria mundial se faz ouvir cada vez mais claramente na arena internacional”, sublinhou.
Em última instância, ao tornar o dólar em arma, como fez ao se apropriar das reservas da Rússia, uma superpotência nuclear, (como fizera antes com a Líbia e a Venezuela), deixando evidente que ninguém está a salvo, são os próprios EUA que estão tornando a desdolarização possível e crescentemente inadiável – criando as bases objetivas para que isso venha a ocorrer em algum momento.
Por agora, as discussões estão centradas em criar mecanismos que inviabilizem a pirataria financeira. O que se expressou na cúpula na defesa por Putin do aumento do uso de moedas locais no comércio entre os países do BRICS e de um sistema de liquidação e depósito para os países membros, que não tenha que utilizar o dólar como moeda comercial, fortalecendo as economias internas e as protegendo de sanções. Ele salientou, ainda, que 48% do comércio externo da Rússia agora é com os países do BRICS, sendo que 90% disso é nas próprias moedas.
Questão também abordada pelo presidente Lula em outro momento, ao se referir à ascensão do “unilateralismo”. “É por isso que a discussão de vocês sobre a necessidade de uma nova moeda de comércio é extremamente importante. É complicado, eu sei. Tem problemas políticos, eu sei. Mas se a gente não encontrar uma nova fórmula, a gente vai terminar o século 21 igual a gente começou o século 20 e isso não será benéfico para humanidade”,.
TARIFAÇO ATACA DE NOVO
Já Trump, com o fim da trégua às suas autoproclamadas “tarifas recíprocas” nesta quarta-feira (9), está de volta à sua declaração de guerra tarifária ao planeta. De acordo com o próprio presidente, em sua rede Truth Social, cartas estão sendo enviadas com tarifas definidas unilateralmente e à margem do sistema de comércio internacional. Os afetados são: África do Sul (30%), Bósnia e Herzegovina (30%), Camboja (36%), Coreia do Sul (25%), Malásia (25%), Indonésia (32%) e Tailândia (36%). O tarifaço entrará em vigor em 1º de agosto.
As cartas incluem a ameaça de que “se, por qualquer motivo, vocês decidirem aumentar suas tarifas, qualquer valor que escolherem será adicionado aos 25% que cobramos”. Até agora, Trump só fechou acordos com o Reino Unido e o Vietnã e um Acordo-Quadro com a China. Na internet, o biliardário publicou o teor da carta dirigida ao primeiro-ministro do Japão, Ishiba Shigeru.