
O jornal inglês The Guardian se somou aos principais jornais dos mais diversos países, afirmando que “Trump usa mentiras quanto a relação comercial com o Brasil”, enquanto o NYT condena o uso de “taxas como porrete para intervir em julgamento criminal em outra nação”
Do mundo inteiro vêm manifestações de rechaço à agressão econômica ao Brasil desencadeada pelo presidente norte-americano com sua carta-tarifaço de 50% e chantagem explícita em favor do quase presidiário Jair Bolsonaro e das big techs que realimentam o fascismo.
Stephen McFarland, que foi embaixador na Guatemala durante o governo Obama e que serviu em postos diplomáticos latino-americanos em países como Equador, Peru, El Salvador e Bolívia, disse ao portal Politico que “os brasileiros ficarão incrivelmente ofendidos – será contraproducente em termos do que Trump está tentando fazer no lado comercial com o Brasil”.
“Haverá uma forte reação nacionalista que, ironicamente, impulsionará Lula, porque será difícil para os oponentes de Lula aplaudirem alguém que está tentando humilhar um presidente brasileiro”, acrescentou.
O The New York Times, registrou que “o esforço de Trump para usar as tarifas para intervir em um julgamento criminal em uma nação estrangeira é um exemplo extraordinário de como ele usa as taxas como um porrete de tamanho único – e como elas podem gerar destruição econômica como resultado”.
O jornal observou que os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China, e Trump parece estar exigindo o fim do processo de Bolsonaro, que chamou de “caça às bruxas”, para suspender as exorbitantes tarifas.
O NYT acrescentou que “o senhor Trump também disse incorretamente que os Estados Unidos têm um déficit comercial com o Brasil. Durante anos, os Estados Unidos mantiveram, em geral, um superávit comercial com o Brasil. No ano passado, um superávit de 7,4 bilhões de dólares no relacionamento”.
O jornal britânico The Guardian contestou a mentira de Trump de que existe uma “relação comercial muito injusta arquitetada pelo Brasil” que levou a “déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos”, citando os dados do site do próprio representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer:
“O comércio total de mercadorias dos EUA com o Brasil foi estimado em US$ 92 bilhões em 2024. As exportações de bens dos EUA para o Brasil em 2024 foram de US$ 49,7 bilhões, um aumento de 11,3% (US$ 5,0 bilhões) em relação a 2023. As importações de bens dos EUA do Brasil em 2024 totalizaram US$ 42,3 bilhões, um aumento de 8,3% (US$ 3,2 bilhões) em relação a 2023. O superávit comercial de bens dos EUA com o Brasil foi de US$ 7,4 bilhões em 2024, um aumento de 31,9% (US$ 1,8 bilhão) em relação a 2023”, diz o site.
A revista alemã Der Spiegel estampou que Trump impõe tarifas de 50% ao Brasil por processo contra Bolsonaro, lembrando que ele até agora alegava “razões econômicas para suas tarifas punitivas”. “O caso do Brasil é diferente: a tarifa de 50% é abertamente motivada por razões políticas”. “No caso de Bolsonaro, no entanto, Trump agora parece estar desconsiderando até mesmo argumentos econômicos frágeis e justificando politicamente sua decisão tarifária.”
O jornal chinês em língua inglesa, Global Times, sublinhou que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, respondeu a Trump em uma declaração contundente que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitarão ser tuteladas por ninguém”. E que a imposição de tarifas de 50% dos EUA sobre produtos do Brasil seria respondida com a lei de reciprocidade econômica do país, que permite que acordos comerciais, de investimento e de propriedade intelectual sejam suspensos para países que prejudiquem a competitividade da nação sul-americana.
A mídia também fez referência ao embate entre Trump e Lula durante a cúpula dos BRICS, quando este ameaçou com uma tarifa de 10% para qualquer um que se alinhasse com o bloco da Maioria Global, com o presidente brasileiro respondendo que “não queremos imperadores” e se ele pode taxar, “nós também podemos”.
PASSOU DOS LIMITES, DIZ RFI
Segundo a Radio France Internacional (RFI), Trump “ultrapassou limites” ao “instrumentalizar” as tarifas. Já o Le Monde, em editorial, responsabilizou Trump por manter o comércio internacional em um estado de grande incerteza com sua política que visa impor tarifas proibitivas a países que não desejam assinar acordos favoráveis aos Estados Unidos. Advertiu, ainda, sobre o “limite de sua abordagem: ao destruir a estrutura do multilateralismo e do direito internacional e substituí-la por métodos de extorsão, a palavra dos Estados Unidos é desvalorizada.”
“Os acordos são essencialmente o meu acordo com eles [os países signatários]”, admite Donald Trump, que brande taxas alfandegárias de acordo com seus humores e obsessões, para além de qualquer racionalidade econômica”, como no caso da tarifa de 50% ao Brasil, “país que acusa de ter acusado seu aliado político, o ex-presidente Jair Bolsonaro, de tentativa de golpe.”
O Le Monde também lembrou como, depois de estardalhaço de 2 de abril, Trump recuou, diante do quase colapso do mercado de títulos do Tesouro e, de adiamento em adiamento, começou a ser alvo de memes sobre ser “TACO” [Trump Always Chickens Out: em tradução livre, Trump Sempre se Acovarda].
De acordo com El País (Espanha), a enxurrada de cartas de cartas-ameaça de Trump desta semana traz de volta as formas agressivas e erráticas que definiram os primeiros meses de sua política econômica. “E, no caso do Brasil, também marcaram um antes e um depois no uso de tarifas como uma ferramenta de pressão ideológica sobre aqueles que não pensam como Trump. Alguém que, é justo lembrar, também instigou, como Bolsonaro, sua própria insurreição: o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.”
IMPERIALISMO EXPLÍCITO
O Nobel de Economia de 2008 e colunista do The New York Times, o norte-americano Paul Krugman, chamou de “perversa e megalomaníaca” a medida anunciada por Trump, acrescentando que, em condições democráticas normais nos EUA, deveria ser motivo de impeachment.
“Observe que Trump mal finge que há uma justificativa econômica para essa ação. Trata-se apenas de punir o Brasil por levar Jair Bolsonaro a julgamento”, apontou Krugman, em referência ao fato de que há 15 anos os EUA têm superávit no comércio com o Brasil.
“Bolsonaro, como a maioria dos leitores provavelmente sabe, é o ex-presidente do Brasil, que perdeu a última eleição — mas tentou se manter no poder por meio de um golpe que anulou a eleição. Claro que isso soa familiar”, ironiza, fazendo referência à própria tentativa de Trump de se manter no poder por meio da invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
“Agora, Trump está tentando usar tarifas para ajudar outro aspirante a ditador”, observou o economista em seu substack.
Krugman registra que as exportações do Brasil para os EUA representam menos de 2% do PIB brasileiro. “Trump realmente imagina que pode usar tarifas para intimidar uma nação enorme, que nem sequer depende muito do mercado americano, a abandonar a democracia?”, conclui.
Segundo Jorge Heine, ex-embaixador chileno na China e na África do Sul, a ameaça de Trump “não vai cair bem na região”. “Houve uma tentativa de golpe militar no Brasil apoiada por Bolsonaro”, disse Heine, “e o que os Estados Unidos estão dizendo é que isso deve ficar impune, caso contrário, os EUA imporão essas tarifas muito altas, o que é sem precedentes”.
Michael Reid, escritor e professor visitante da London School of Economics and Political Science, disse nas redes sociais: “Isso é uma vergonha, apenas imperialismo antiquado. Uma tarifa de 50% porque o sistema jurídico do Brasil defendeu a democracia. E, a propósito, os EUA têm um superávit comercial com o Brasil.”
Para a eurodeputada Anna Cavazzini, vice-presidente da Delegação do Brasil no Parlamento Europeu e representante do comitê de relações comerciais entre a UE e os EUA, a tarifa de 50% e suas “justificativas” significam que “as luvas foram retiradas”. Declaração registrada por Jamil Chade, do UOL.
“O presidente Trump está demonstrando que sua política tarifária não se trata de ganhos econômicos, mas de pura coerção a serviço de suas próprias crenças políticas”, disse a parlamentar.
“Essa medida é chocante em sua brutalidade, punindo um país inteiro por obedecer ao estado de direito e processar uma tentativa de golpe fascista”, alertou a deputada. “Além de achar que tem o poder de interromper um processo judicial em um país estrangeiro, Trump também acha que pode fazer com que o Brasil mude seu plano para combater o discurso de ódio e o racismo nas plataformas sociais”, disse.
Ela considerou a reação do presidente Lula “exemplar”, acrescentando esperar que a Comissão Europeia “se inspire nela”. Não podemos abrir mão de nossa soberania ou de nossos valores por um possível alívio tarifário de curto prazo. Devemos resistir a esse flagrante abuso de poder”, completou.