
A venda de armas norte-americanas para reforçar as tropas ucranianas “é um negócio” que já existia antes, e agora a única questão relevante é “quem paga” por elas, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, nesta quarta-feira (16), sobre o esquema anunciado no início da semana na Casa Branca pelo presidente Donald Trump, tendo ao seu lado o secretário-geral da Otan, Mark Rutte.
“Havia entregas antes. Ninguém as impediu. A questão é apenas quem paga por elas. Agora, são alguns europeus que vão pagar”, comentou Peskov.
Na véspera, o vice-presidente do Senado russo, Konstantin Kosachev, disse que “há apenas um beneficiário: o complexo militar-industrial dos EUA”, diante do noticiário de que seriam fornecidos sistemas Patriot ao regime neonazi de Kiev, a serem pagos pelos europeus. Ou, como explicitou um jornal russo, no novo arranjo “a Europa pagará à América pela guerra na Ucrânia”.
Na cúpula da Otan de junho em Haia, a proposta de Trump de elevar o tributo de guerra cobrado dos vassalos europeus para 5% do PIB – que mais que dobrava o patamar anterior – havia sido aprovada quase sem oposição e, como se vê, agora se trata de mover os pauzinhos para fazer a grana entrar.
“Nossa última reunião, há um mês, foi muito bem-sucedida, pois eles concordaram com 5% [de gastos militares], o que representa mais de 1 trilhão de dólares por ano, então eles têm muito dinheiro, e são nações ricas. Eles têm muito dinheiro e querem fazer isso, têm uma forte convicção sobre isso, e nós também temos uma forte convicção sobre isso”, disse Trump.
NA HORA DE COÇAR O BOLSO
Apesar da vassalagem generalizada entre os europeus, na hora de coçar o bolso é que começam as dificuldades, como descreveu o porta-voz do Kremlin.
Ele observou que os franceses se recusaram a pagar por esses suprimentos e que os tchecos também não estão dispostos a pagar. “Portanto, agora também haverá divergências. ‘Quanto devemos pagar?’ ‘Quanto dinheiro?'”, indagou.
Peskov também expôs outro fato incontestável: com os europeus atolados na estagnação, quando não na recessão aberta, para atender ao cartel bélico ianque só esfolando seus próprios cidadãos.
Na Europa, a fantochada segue apostando na histeria antirrussa e pró-guerra, como forma de extorquir seus cidadãos em benefício dos fabricantes de armas do outro lado do Atlântico. Assim, proliferam as lendas urbanas sobre pagar o tributo aos americanos “para não ter de aprender russo”. Ou que é preciso deixar pronto o “kit da invasão russa”, para qualquer emergência. Ou as “previsões” de que a invasão russa começará “em cinco anos”.
Se, em meio ao “impulso militarista absolutamente insano” que prevalece na Europa, esses países destinarem seus orçamentos para armar Kiev, “não sobrará nada para os cidadãos”, constatou Peskov.
“Por enquanto, vemos que os europeus estão demonstrando um impulso militarista absolutamente insano e proclamando sua intenção de gastar somas incalculáveis na compra de armas para prolongar ainda mais a guerra”, afirmou Peskov.
“É claro que, diante de um estado emocional tão intenso, beirando a inépcia, no continente europeu, é muito difícil entender qualquer coisa”, declarou o porta-voz.
Na Casa Branca, na segunda-feira, na mesma cerimônia em que foi anunciado o esquema EUA fornecem e Europa paga, o presidente Trump havia ameaçado a Rússia e aos países que comercializam com a Rússia de impor “100% de tarifa”, se não for alcançado em 50 dias um “acordo de paz”, e reclamando de Putin por insistir em ir “à raiz dos problemas” na Ucrânia. Isto é, a expansão da Otan para leste, o golpe da CIA em Kiev em 2014, a transformação da Ucrânia em uma casamata da Otan, a guerra de Kiev aos cidadãos de ascendência russa e supressão de seus direitos, da língua à religião, a recusa em restaurar o status de neutralidade e o reconhecimento das regiões que optaram pela reunificação à Rússia em plebiscitos.
ULTIMATO TEATRAL
Em paralelo, Londres e Paris enunciaram um plano de enviar 50.000 mil soldados para a Ucrânia assim que houver um cessar-fogo, o que significa que não há proposta de paz, mas de perpetuação da guerra.
O ex-presidente russo e atual vice do Conselho de Segurança, Dmitry Medvedev, considerou o anúncio de Trump um “ultimato teatral” e disse que a Rússia não se impressionou.
“Trump deu um ultimato teatral ao Kremlin. O mundo tremeu, esperando as consequências. A Europa beligerante ficou desapontada. A Rússia não se importou”, postou Medvedev em sua conta no Telegram.
Por sua vez Peskov assinalara que tais decisões são percebidas pelo lado ucraniano não como um sinal de paz, mas como um sinal para continuar o conflito.
JOGO DO EMPURRA
Parece que não é tão grande a vontade de pagar pelas armas dos EUA para Kiev. Assim, o comissário europeu para a Defesa, Andrius Kubilius, disse à Bloomberg que os tratados da União Europeia “não permitem o uso direto do orçamento do bloco para compras de armas dos EUA para a Ucrânia”. E que, portanto, os países europeus terão de recorrer a verbas nacionais.
Como acomodação, ele sugeriu que os países possam ser incentivados a recorrer ao fundo de empréstimo de 150 bilhões de euros para compras conjuntas [de armas], liberando assim verbas nacionais para aquisições com fornecedores dos Estados Unidos.
A proposta de Trump de que países europeus financiem a compra de sistemas de defesa Patriot e outros armamentos para a Ucrânia levou a chefe da diplomacia do bloco, a ex-premiê da Estônia Kaja Kallas, a pedir a Washington que também assuma parte desse custo, segundo o portal norte-americano Politico.
Conhecida apologista do regime de Kiev, Kallas disse receber “com bons olhos o anúncio do presidente Trump de enviar mais armas à Ucrânia, embora gostaríamos de ver os EUA compartilhando esse fardo”.
Declaração feita após a reunião do Conselho de Assuntos Exteriores da UE, realizada em Bruxelas nesta terça-feira (15). “Se você promete fornecer armas, mas diz que outra pessoa pagará por elas, não foi você quem realmente as forneceu, certo?”, questionou Kallas.
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