
Entre as medidas defendidas pelo governo Milei para atrair “investidores” estrangeiros está a possibilidade de cortar o serviço das residências em atraso, aplicar reajustes trimestrais de tarifas e exigir que os usuários financiem as obras necessárias em suas contas finais
O governo de Javier Milei anunciou nesta sexta-feira (18) o início do processo de privatização da Empresa Argentina de Água e Saneamento (AySA), retirando das mãos do Estado este recurso estratégico que abastece 15 milhões de pessoas.
Na tentativa de mascarar que o objetivo é beneficiar o capital estrangeiro, o comunicado governamental diz que “o capital privado será incorporado por meio da transferência de 90% das ações da empresa, atualmente detidas pelo Estado, por meio de um esquema misto que combinará uma licitação pública nacional e internacional para selecionar um operador estratégico e uma oferta pública inicial para abrir o capital da empresa a outros investidores”.
“Privatizar significa colocar a gestão da água a serviço do lucro. As tarifas devem aumentar, as áreas alugadas serão priorizadas e o quadro de funcionários será reduzido. A água deixa de ser um direito para converter-se em um negócio”, sintetizou o advogado Pablo Serdán, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).
Na avaliação do presidente da Associação de Defesa dos Direitos do Usuário e do Consumidor (Adduc), Osvaldo Bassano, a ação é irresponsável e não leva em conta a primeira – e fracassada – tentativa de privatização ocorrida em 1993, que obrigou o governo a reestatizar a empresa.
“O Grupo Suez francês assumiu a concessão e, pouco depois, em 1994, o governo concedeu-lhe uma autorização de revisão tarifária ‘extraordinária’. Em 1997, o contrato foi renegociado, permitindo a dolarização das tarifas e a implementação de uma revisão tarifária anual”, apontou a reportagem do Página12. Todos esses ajustes, repassados aos usuários, informou o jornal, “permitiram que a empresa alcançasse uma rentabilidade altíssima, que nunca foi revertida em investimentos para melhorar o serviço. As obras nunca chegaram, embora o contrato assinado estipulasse que, ao término do contrato, o acesso à água potável deveria ser garantido para 100% dos domicílios dentro da área de concessão”.
“POLUIÇÃO ERA GERADA PELO AUMENTO DA POLUIÇÃO INDUSTRIAL”
Osvaldo Bassano recorda que “a Águas Argentinas abastecia a capital trazendo água do Rio da Prata – em vez de realizar obras de extração de água do lençol freático – e isso encheu o aquífero Riachuelo a ponto de entupi-lo e contaminá-lo. A presença de nitrato e nitrito na água em vários locais foi um dos fatores que obrigou a concessionária a rescindir o contrato”. Na década de 1990, também houve problemas de pressão da água e repetidas interrupções no serviço, recordou. “Assim, sem investir na tecnologia para tratar efluentes, a poluição era gerada pelo aumento da poluição industrial, não conseguindo atender à demanda durante os meses de verão e a deterioração da qualidade da água fornecida tornou-se mais do que evidente”, denunciou.
Lembrado como mais um dos fracassos das “concessões” de Carlos Menem (1989-1999), o resultado levou à renacionalização da empresa durante o governo Néstor Kirchner, período em que foram realizadas obras fundamentais para garantir a disponibilidade de água potável e tratamento de esgoto para 2,3 milhões de habitantes.
Entre as medidas defendidas pelo governo Milei para atrair “investidores” está a possibilidade de cortar o serviço das residências em atraso, aplicar reajustes trimestrais de tarifas e exigir que os usuários financiem as obras necessárias em suas contas finais. Com essa “combinação de facilidades operacionais”, os entreguistas buscam garantir rapidamente um comprador.
UNIÃO DE USUÁRIOS E CONSUMIDORES CONTESTA MILEI
De acordo com o presidente da União de Usuários e Consumidores, Claudio Boada, Milei “quer se livrar de todo o dinheiro que precisa para manter o serviço – que é essencial – e deixar que o público financie a equação econômico-financeira das empresas”. Atualmente a empresa oferece o benefício de tarifas sociais e comunitárias e mantém um subsídio de 15% para áreas de baixa renda (um segmento que representa 40% de seus clientes).
O fato, sintetiza Bassano, é que “não há possibilidade real de que a privatização deste serviço seja benéfica para os consumidores, pois, acima de tudo, deve ser um bom negócio para o setor privado. Isso levará a tarifas muito mais altas, sem representar uma melhoria em um serviço essencial para a vida das pessoas”. “Uma empresa privada precisa garantir rentabilidade, ainda mais agora do que na década de 1990, quando havia maior liquidez internacional. Hoje, o investimento está estagnado em todo o mundo, e um grande esforço deve ser feito para atrair empresários”, concluiu.