
A cooperação entre os países do Sul Global na busca por “uma nova ordem mundial mais justa, multipolar e soberana” foi a questão central que norteou os debates, no Rio de Janeiro, do “Fórum de Mídia e Think Tanks do BRICS” promovido pela Agência Xinhua em conjunto com a EBC
O Fórum de Mídia do BRICS ocorreu nesta quarta-feira (16 de julho) no Rio de Janeiro, no momento em que o presidente Trump informava da elevação das tarifas com dezenas de países do Planeta e ameaçava em particular os países do BRICS com retaliações em meio aos debates realizados no Brasil.
Para Trump (a quem o presidente Lula respondeu que “o Brasil não precisa de imperador”), a busca de moedas próprias para o comércio entre os países do Sul Global, a busca de intercâmbio para fortalecer laços rumo a um desenvolvimento soberano causava profundo incômodo e o levava a se lançar em declarações demonstrando que esse movimento rumo à multipolaridade seria inaceitável, e dizendo que seu governo atuará para manter o domínio hegemônico sobre o Planeta.
“APROFUNDAR A COOPERAÇÃO”, CONCLAMOU O PRESIDENTE DA XINHUA E DO FÓRUM
Foi a isso que os participantes do Fórum responderam, de diversas visões, mas de forma unânime, a começar pelo discurso de abertura de Fu Hua, presidente do Fórum e da Agência de Notícias Xinhua, afirmou que “a cooperação do BRICS ampliado tem desempenhado um papel essencial na unificação do Sul Global, promovendo a reforma da governança global e participando ativamente com medidas práticas no apoio ao desenvolvimento de alta qualidade, com base na promoção da paz e justiça”.
“À medida que o fórum entra em sua segunda década, a Xinhua está comprometida em trabalhar com seus parceiros do BRICS para contar as histórias do Sul Global de forma eficaz, promover pesquisas conjuntas sobre temas importantes e aprofundar a cooperação profissional”, acrescentou o presidente da Xinhua.
Em sua declaração por carta, Zhu Qingqiao, embaixador da China no Brasil, expressou a expectativa de que o evento “reforce ainda mais a posição do BRICS como plataforma para a cooperação Sul-Sul e como voz em prol da reforma da governança global”.
“NÃO SEREMOS SUBJUGADOS”
Dezenas de jornalistas e pesquisadores se revezaram no debate que contou com cinco painéis. “Não podemos permitir interferências externas em nossos caminhos de desenvolvimento. Juntos, devemos construir um mundo multipolar”, afirmou Yeidckol Polevnsky Gurwitz, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Ásia-Pacífico do Senado do México.

“Parece que o governo dos Estados Unidos, país com quem o México possuir mil quilômetros de fronteira e que tem 40 milhões de seus filhos aí vivendo, quer impor tarifas exorbitantes não só ao México, mas a todo o mundo”. “Enquanto os Estados Unidos comprometem seu orçamento com mais gastos em armamento, em detrimento da educação e saúde, nós devemos lutar contra todo tipo de discriminação e subordinação, ao contrário, como disse o presidente Xi Jinping, lutar por um conjunto de iniciativas que una o Sul Global por um futuro compartilhado para a humanidade”.
Yeidckol manifestou solidariedade com Cuba cujo bloqueio de décadas vai contra toda a perspectiva inclusiva defendida neste Fórum de unidade do Sul Global.
“NÃO À ARQUITETURA FINANCEIRA INTERNACIONAL INJUSTA E IRRACIONAL”
Referindo-se à guerra tarifária do presidente dos Estados Unidos, Marydé Fernandez Lopez, que lidera o Departamento de Formação Ideológica do Partido Comunista de Cuba, condenou a “atual arquitetura financeira internacional profundamente injusta e irracional”.
Ela destacou que “o desenvolvimento do Sul Global não pode seguir os moldes impostos pelo Norte. Não se trata de um desenvolvimento para inserir-se nos mercados controlados pelas grandes corporações, mas para garantir direitos, soberania, bem-estar coletivo e equilíbrio ecológico”.
Uma das principais frentes desta batalha é a comunicação. “O BRICS e o conjunto do Sul Global devem cooperar para romper o cerco informativo e defender a verdade dos povos. Uma responsabilidade que não é secundária, mas estratégica”, pronunciou Marydé.
“BRICS É RESPOSTA AOS QUE QUEREM FREAR AS MUDANÇAS”
Um dos organizadores do Fórum, Marcos de Oliveira, diretor do Monitor Mercantil destacou que o BRICS é “novo marco do avanço do grupo que fortalece a esperança do Sul Global na busca por um mundo multipolar, mais justo e mais inclusivo.
“O sucesso da Cúpula do BRICS 2025 pode ser medido pelas declarações dos líderes, pelas presenças dos países e pelos objetivos ampliados refletidos nos compromissos assinados, mas também pode ser medido pela reação dos países que insistem em frear as mudanças que ocorrem no mundo. Especialmente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que ameaçou impor tarifas sobre países do BRICS e, no caso específico do Brasil, tenta se intrometer nos assuntos internos e atacar a nossa soberania”, observou.
Marcos condenou “o mundo unipolar aprisionado pela hegemonia financeira. A imensa desigualdade produzida por esse sistema não pode ser mantida. O planeta está mudando. O crescimento a qualquer custo está dando lugar ao desenvolvimento sustentável. As pessoas, todos os habitantes do planeta, têm direito a uma vida digna e a um futuro promissor”.
BRICS REÚNE 39% DO PIB MUNDIAL
O diretor do Monitor Mercantil, citou alguns dados para mostrar a potencialidade do BRICS: juntos, os países do BRICS representam 48,5% da população mundial; 36% do território; 39% do PIB; 24% do comércio global; 76% das reservas mundiais de terras raras; 43,6% da produção de petróleo; 36% da produção de gás; e 78,2% da produção global de carvão.
Leonardo Attuch, diretor do portal Brasil 247, que também participou da organização do evento, também denunciou a “recente decisão dos Estados Unidos, Donald Trump, de sobretaxar todas as exportações do Brasil, logo após o encontro do BRICS”, mostrando a relevância crescente dos países em desenvolvimento e a contraposição hegemonista a este crescimento.
“Por isso mesmo é fundamental que ampliemos nossas vozes”, ressaltou Attuch.
“Não podemos mais permitir que nossas realidades, nossas histórias e nossos desafios sejam interpretados, traduzidos ou distorcidos a partir dos interesses do Norte Global”, arrematou.
“VIVEMOS UMA ERA TRANSFORMADORA“
“Estamos vivendo uma era transformadora – na qual a dinâmica do poder global está mudando e as vozes negligenciadas do Sul Global estão finalmente ganhando clareza, força e reconhecimento”, disse Wong Chun Wai, presidente da Agência Nacional de Notícias da Malásia.
O BRICS oferece uma voz alternativa – uma que defende a multipolaridade, a soberania e a justiça na governança global, observou Wong. “A ascensão do BRICS não é um fenômeno isolado. É parte de um despertar mais amplo do Sul Global, que está se afirmando como uma força central nos assuntos internacionais”.
PLATAFORMA LIVRE DO DÓLAR
Em entrevista ao editor do portal Toda Palavra, Luis Erthal, o representante do Executive Inteligence Review (EIR), Timothy Rush, declarou que “o encontro do Brics mostra o início do fim de um sistema decadente, que vigora há 80 anos desde o fim da Segunda Guerra e só trouxe injustiça”.
“É chegado o momento de seguirmos outro caminho. Está na hora de criarmos uma nova plataforma de investimentos com base em uma moeda livre do dólar”, disse o único jornalista norte-americano presente ao Fórum.
Mikhail Gusman, primeiro vice-diretor-geral da Agência de Notícias TASS da Rússia, observou que os países do BRICS refletem a diversidade das economias emergentes. Diante dos crescentes desafios globais no setor da mídia, Gusman destacou que a “cooperação entre os veículos de comunicação do BRICS tem papel importante na defesa da verdade, da justiça e da paz”.
Lembrando o enfrentamento da União Soviética ao invasor nazista, Mikhail alertou ainda que “a mídia global está enfrentando desafios sem precedentes: um dilúvio de desinformação, revisionismo histórico e interrupções tecnológicas corroendo os próprios fundamentos da verdade”.
PRINCÍPIOS DO MULTILATERALISMO
José Ricardo, diretor executivo da LIDE China, colocou o foco nofato de que o “estabelecimento de tarifas adicionais a países que mantém relação comercial com os USA vai contra os princípios do multilateralismo econômico, sendo necessário focarmos em negociações para acertar a redução de tarifas, cotas e isenções, nessa que é a maior reconfiguração econômica global desde a segunda guerra mundial.
“Essa guerra comercial”, acrescentou, “não é somente uma disputa entre duas potências, mas sim a redefinição das bases do comércio, da diplomacia e da governança global”.
O professor da Universidade Federal da Bahia, Penildon da Silva Filho, enfatizou que “a construção de um mundo multipolar depende decisivamente da influência do Sul Global. Não há possibilidade de estabelecer uma nova governança global, um novo paradigma de desenvolvimento, um papel renovado do Estado ou das Nações Unidas sem uma atuação marcante por parte dos países que compõem essa região”.
“O multilateralismo”, acrescentou o professor, “nosso objetivo final, só poderá ser alcançado por meio da afirmação da força econômica, social, política, cultural e de valores, além da consolidação de uma visão de mundo que reflita as aspirações da humanidade como um todo”.
“Estamos diante de uma batalha cultural que demanda uma reavaliação profunda de como enxergamos o futuro da humanidade. Nela, A ordem internacional só será verdadeiramente democrática quando o Sul Global puder definir sua própria narrativa, suas instituições financeiras e seus paradigmas de desenvolvimento em que o multilateralismo deixe de ser um discurso para se tornar uma realidade operacional“, concluiu o professor da UFBA.
“COOPERAÇÃO DO BRICS: AVANÇANDO O PROGRESSO COLETIVO DO SUL GLOBAL”
Durante o Fórum foram distribuídos dois livros aos participantes. O primeiro deles, um relatório produzido pela agência Xinhua, tratando do processo estabelecido com a implantação do BRICS e denominado “Cooperação do Brics: Avançando o progresso coletivo do Sul Global” e o outro reunindo as mais relevantes experiências do enfrentamento de países da região com o colonialismo intitulado “O Ascenso do Sul Global.
No capítulo 3 do relatório, “‘BRICS Plus’: a convergência das formidáveis forças do Sul Global, se informa que “a cooperação dos países BRICS tem se consolidado como o principal canal para promover a unidade e colaboração do Sul Global. O desenvolvimento do modelo de cooperação ‘BRICS Plus’ tem expandido ainda mais o alcance do mecanismo BRICS atraindo a participação de um maior número de nações em desenvolvimento e combinando a grande força do Sul Global. Hoje este modelo representa um símbolo do ascenso conjunto do Sul Global na nova era”.
O relatório denuncia o hegemonismo ocidental afirmando que “o atual sistema de governança mundial adoece de profundos déficits, com frequentes conflitos geopolíticos e problemas candentes. Os países do Sul Global têm uma limitada voz ou capacidade de influência em matéria de segurança e economia mundiais tornando difícil a materialização efetiva de suas demandas de paz e desenvolvimento”.
A questão chave da industrialização dos países do Sul também é abordada pelo relatório, no item “Empoderamento industrial e apoio à infraestrutura”: “Mediante a transferência de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento conjuntos e vinculação industrial, apoia-se a transição dos países em desenvolvimento em sua transição desde a manufatura tradicional até indústrias de maior valor agregado, elevando sua competitividade econômica e sua capacidade de desenvolvimento sustentável”.