
Em sua coluna semanal no portal progressista norte-americano, Counterpunch, o editor-chefe, Jeffrey St. Clair, relatou alguns episódios sórdidos da caçada ao imigrante sob Trump
Ao denunciar a truculência trumpista contra os imigrantes o editor de Counterpunch, Jeffrey St. Clair relembrou uma observação pertinente do grande escritor Gore Vidal: “Devemos parar de sair por aí tagarelando sobre como somos a maior democracia do mundo, quando nem mesmo somos uma democracia. Somos uma espécie de república militarizada”
Ele começa pelo “cidadão americano e veterano do Exército dos EUA com deficiência George Retes”, que foi parado pelo ICE enquanto dirigia perto do violento ataque a trabalhadores agrícolas de Camarillo na última quinta-feira.
“Os agentes do ICE quebraram as janelas de seu carro e o pulverizaram com spray de pimenta, antes de levá-lo sob custódia. Ele foi mantido em prisão federal por quatro dias, durante os quais sua família e advogado não tiveram como contatá-lo para descobrir onde ele estava ou perguntar sobre sua condição física. Ele foi libertado sem acusações na noite de domingo”.
É isso que Thomas Homan [ex-diretor do ICE] quis dizer quando disse à FoxNews que o ICE “pode parar pessoas com base em sua cor de pele e ‘brevemente’ detê-las sem um mandado ou causa provavel até que o ICE esteja convencido de que são cidadãos americanos?”, questionou St. Clair, abordando o racismo explícito em curso.
O testemunho de Retes: “Claramente não importava que eu fosse um cidadão, ou um veterano, ou que eu identificasse quem eu era. Eles ignoraram tudo o que eu disse, e eles simplesmente quebraram minha janela e me arrastaram para fora. Eu os deixei saber que eu era um veterano e não estava fazendo nada de errado, que estou apenas tentando começar a trabalhar”.
Outro caso relatado é de um azarado turista irlandês de 35 anos nos EUA que, nas últimas semanas do governo Biden havia ultrapassado o prazo de seu visto em três dias, quando foi preso pelo ICE.
“Embora ele tenha concordado com a deportação imediata, ele de alguma forma foi enterrado no sistema ou na falta dele e foi transferido para três instalações diferentes depois que Trump assumiu o cargo. Como os centros de detenção estavam transbordando, o ICE de Trump fez um acordo para alugar leitos de prisão do Bureau of Prisons em Atlanta, para onde ele foi enviado com dezenas de outras almas infelizes sequestradas pela polícia secreta mascarada.”
“Ele definhou lá por mais de três meses em condições que descreveu como desumanas. Os beliches não tinham escadas, as celas estavam cheias de ratos e baratas, as roupas da prisão que ele recebia estavam manchadas de merda e sangue. Os banheiros não davam descarga, ele não recebeu medicamentos e visitas ao médico e comeu ‘lixo nojento’. Quando ele finalmente pegou seu remédio, os guardas da prisão o jogaram no chão em vez de entregá-lo a ele.”
“Fomos tratados menos que humanos.” Depois de finalmente ser libertado em março, ele foi deportado para a Irlanda e proibido de entrar nos EUA (onde veio para visitar sua namorada) por 10 anos.
Outra cena digna das páginas de Kafka: um homem se passando por fiador que tocou a campainha de uma casa em Arlington, Virgínia, perto da meia-noite. “Ele começou a fazer perguntas estranhas e enganosas sobre a mãe dos moradores antes de sacar uma arma e forçar a entrada na casa. O homem mostrou uma carta do ICE, mas não mostrou identificação ou crachá. Ele vasculhou a casa, invadiu um quarto, jogou uma jovem e seu tio Orlando na cama e pediu identidade.”
Ele então algemou Orlando, que morava na construção civil dos EUA há 20 anos, levou-o até seu carro, sedando-o e o levou por várias horas até a abertura do escritório do ICE em Chantilly, Virgínia. Orlando – destaca St. Clair – foi “deportado alguns dias depois para Honduras antes que a família pudesse entrar em contato com um advogado”.
No Tenessee, onde foi aprovada uma lei para incriminar quem abrigar “não-cidadãos”, isto é, imigrantes, St. Clair lembrou que, até a rendição dos confederados em Appomattox, no Tennessee, como na maioria dos estados do sul, era “crime ajudar escravos fugitivos.”
A lei, que entra em vigor em 1º de julho, proíbe qualquer pessoa de fornecer “abrigo” a imigrantes indocumentados. As igrejas são até proibidas de fornecer serviços a não-cidadãos.
Uma mulher disse à CBS News: “Meu marido não tem documentos e, juntos, construímos uma vida no Tennessee. Este projeto de lei me criminaliza apenas por morar com ele.
DESAPARECIMENTO FORÇADO
St. Clair enfatiza que o que está acontecendo na Flórida (e em outros lugares) – onde as pessoas estão sendo discriminadas racialmente em blitz de trânsito e depois enviadas para lugares como Alligator Auschwitz sem qualquer notificação de onde estão ou o porquê – constitui “‘desaparecimento forçado’ e é ilegal sob o direito internacional, que, graças em parte a Joe Biden, os EUA nem fingem mais cumprir (se é que realmente cumpriam)”.
Outro sintoma do absurdo. “Mais e mais advogados do ICE que aparecem em audiências para defender a deportação de não-cidadãos e requerentes de asilo estão se recusando a dar seus nomes e, de acordo com o Intercept, muitos juízes de imigração estão deixando eles escaparem impunes.”
Já integrantes da Gestapo da fronteira de Trump abordando, mascarados, supostos imigrantes e os seqüestrando literalmente, inclusive sem mandado judicial, é coisa do dia a dia atualmente. Sobre isso, o editor destaca que, segundo pesquisa YouGov, 71% dos americanos se opõem ao uso de máscaras por agentes do ICE.
Sobre os voos de rendição de Trump, para o campo de concentração CECOT do ditador Bukele, um novo relatório da 404 Media aumentou o número de pessoas deportadas para El Salvador e presas sem julgamento para 281, 42 a mais do que o relatado originalmente pela CBS News. “Muitas, senão a maioria, dessas pessoas entraram legalmente nos EUA através dos portos oficiais de entrada, identificaram-se com a imigração e solicitaram asilo. Algumas de suas famílias só souberam que seus parentes haviam desembarcado naquela prisão suja de Salvador depois de verem suas fotos de prisioneiros do CECOT online. Eles não receberam notificações do governo Trump. Eles foram, em outras palavras, desaparecidos.”
CRIANÇAS ACORRENTADAS
Outra cena de barbárie, esta transcrita do Los Angeles Daily News: “Cerca de duas dúzias de crianças com as mãos acorrentadas foram filmadas uma única fila sob custódia do ICE. Jorge-Mario Cabrera, da Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes de Los Angeles, disse que seus advogados confirmaram os detalhes postados com o vídeo. Os advogados entraram em contato com as crianças e planejaram representá-las, acrescentando que as crianças não estavam acompanhadas pelos pais.”
Em outro atentado aos direitos, o governo dos EUA “coletou o DNA de aproximadamente 133.000 crianças e adolescentes migrantes e o adicionou a um banco de dados criminal”. Mesmo que essas crianças não tenham cometido nenhum crime, elas provavelmente serão tratadas pela polícia como suspeitas pelo resto de suas vidas, observa St. Clair. “Espero que nenhuma dessas crianças faça qualquer tipo de tatuagem ou provavelmente serão deportadas para o Sudão como criminosos endurecidos.”
ALLIGATOR AUSCHWITZ
St. Clair denuncia, ainda, que nem o estado da Flórida nem o governo Trump estão divulgando os nomes dos detidos trancados em gaiolas no Alligator Auschwitz, mas o Miami Herald obteve e publicou a lista para que as famílias e seus advogados pelo menos saibam onde estão seus entes queridos e clientes.
Os repórteres do Herald também documentaram que 100 dos detidos mantidos nessas condições miseráveis não têm antecedentes criminais, apesar das calúnias feitas contra eles por Trump, Noem e DeSantis, que alegaram que o campo de concentração em Glades era “cruel … psicopatas perturbados”… “Quase 1/3 dos detidos não têm antecedentes criminais e muitos dos que têm antecedentes não cometeram nada mais grave do que infrações de direção e estacionamento.”