
Senador compara fatos e personagens incomparáveis, ao tentar fazer uma conexão entre as restrições impostas pela Justiça a Lula, no passado, e a Bolsonaro, hoje
O ex-juiz da operação Lava Jato e senador Sergio Moro veio a público para comparar a prisão de Lula, em 2018, às medidas cautelares determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes a Jair Bolsonaro na última sexta-feira (18), pelas quais o hoje réu no Supremo Tribunal Federal (STF) pela trama golpista urdida durante seu mandato na Presidência da República está proibido de acessar redes sociais, falar com os filhos Eduardo e Carlos, sendo obrigado a utilizar tornozeleira eletrônica, em razão do risco de fuga.
“Lula nunca sofreu restrições em sua liberdade de se comunicar ou de se manifestar publicamente antes do seu julgamento. É um precedente perigoso fazer isso com o ex-presidente Bolsonaro ou contra qualquer acusado”, escreveu Moro em suas redes sociais. Então juiz da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, foi ele quem determinou a prisão de Lula no âmbito da Lava Jato.
A bem da verdade, vamos aos fatos.
Lula, à época, não havia liderado (ou articulado) qualquer complô golpista contra a democracia e as instituições republicanas e, diante da decisão judicial, confirmada por instâncias superiores, embora tenha denunciado aquilo que considerou uma grande injustiça, não resistiu à prisão e, durante esse período, lutou para tentar provar sua inocência, até que o STF, depois de flagrante conluio do juiz Moro com membros do órgão acusador, o Ministério Público, anulou o processo.
Lula não utilizou o aparato de Estado e seus tentáculos para contaminar as eleições gerais ou, depois, na derrota, não enredou pelo caminho golpista. Ao contrário, Bolsonaro não poupou ações para arrastar a cúpula das Forças Armadas para seu intento, consentindo que seu entorno miliciano tramasse, até mesmo, o assassinato de altas autoridades da República.
Lula não se refugiou em qualquer embaixada, muito menos na de um país hoje governado por forças fascistas, como é o caso da Hungria, onde Bolsonaro passou duas noites, apenas quatro dias após ter sido alvo de operação sobre o golpe de Estado, com medo de ser preso, quando veio com a balela de que ali se hospedara “para conversar com autoridades húngaras”.
E o mais grave:
Lula não enviou qualquer preposto a uma nação estrangeira para conspirar contra o Brasil e seus interesses econômicos, comerciais e, consequentemente, sociais, como o fez Bolsonaro, ao escalar e financiar o filho 03 para tramar, aberta e vergonhosamente, contra o país junto ao governo Trump, de extrema-direita.
Lula não apoiou qualquer medida de nação estrangeira contra o Brasil, como o faz, agora, Bolsonaro e seus seguidores no episódio do sobretarifaço dos EUA contra empresas nacionais que exportam para o mercado norte-americano, comprometendo amplos setores produtivos, do agro à indústria, e milhares de empregos.
Lula não se valeu de ameaças e chantagens forâneas contra a justiça brasileira para livrar-se da condenação ou da prisão, como age agora Bolsonaro, de forma covarde, pensando apenas em salvar a própria pele e, sendo possível, veja bem, sendo possível, anistiar os golpistas do 8 de janeiro.
Resta a pergunta:
Ignorância ou má-fé a busca de semelhanças em situações políticas e personagens inteiramente distintos, no tempo e no espaço?
Pouco crível que um senador da República ignore tamanho fosso na comparação feita publicamente entre situações históricas escancaradamente díspares.
As declarações do senador levam, inexoravelmente, à conclusão de que o atual mandato do ex-ministro da Justiça – enxotado do cargo por Bolsonaro quando o mandatário de então não teve o menor pudor de interferir no comando da Polícia Federal, órgão àquela época subordinado a Moro – continuará sendo movido pela obsessão medíocre de flertar com o bolsonarismo e fazer oposição cega ao atual governo.
Uma lástima para o Senado da República, mas, por outro lado, um alívio para os estudantes da área o sujeito não estar numa sala de aula ensinando ou, no caso, falsificando a história.
MARCO CAMPANELLA