
DAVIDSON MAGALHÃES
A eleição do presidente Lula no segundo turno, e com uma frente de apenas 1,80% dos votos, demonstrou não só o grau de polarização e equilíbrio de forças, mas um fortalecimento da extrema direita no Brasil liderada pelo bolsonarismo. A bandeira da frente ampla em defesa da democracia foi fundamental para atrair setores democráticos e de centro, que não marcharam com o Lula no primeiro turno, e viabilizar a vitória do campo democrático e popular.
Terminadas as eleições, ocorreram diversas iniciativas golpistas: ocupação na frente dos quartéis com apoio de setores das forças armadas, tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal em Brasília, o não reconhecimento do resultado eleitoral por parte do Bolsonaro e a articulação de um golpe militar e, finalmente, os acontecimentos do 8 de janeiro de 2025, com a depredação e ocupação das sedes dos três poderes. Fatos que criaram as condições para a formação de um amplo movimento em defesa da democracia e isolamento da extrema direita.
O lema do governo federal, “União e Reconstrução”, sintetizou bem as tarefas da então quadra política: isolar a extrema direita, reconstruir as bases econômicas e sociais para recolocar o desafio do desenvolvimento do país. No entanto, o Brasil e o mundo passaram por grandes transformações.
Depois de cerca de quatro décadas de desindustrialização, de reprimarização, de desmonte da legislação trabalhista e das organizações sindicais, de transformações tecnológicas e inovações sob o controle do capital, com destaque para as big techs, da institucionalização das políticas neoliberais de austeridade fiscal (teto de gastos, independência do Banco Central) e privatizações de setores estratégicos da economia, tudo isto com importantes consequências na estrutura de classes, na luta das ideias, e no grau de autonomia e condições do estado brasileiro de induzir e empreender o desenvolvimento, o Brasil encontra-se restringido pelos paradigmas ditados no Consenso de Washington.
No campo político, o golpe contra a presidenta Dilma em 2016, o frágil e ilegítimo governo Temer e, posteriormente, o inepto governo Bolsonaro, para se preservarem, transferiram poder ao parlamento, diga-se ao centrão, através da gestão do orçamento e das chamadas emendas parlamentares. Em 2015 eram R$ 3,4 bilhões, e em 2025 passaram para R$ 53 bilhões. Antes de 2015 não eram impositivas, mas com Eduardo Cunha aprovaram a obrigatoriedade de execução e, com Bolsonaro, explodiram o valor da impositividade e foram criadas as “emendas pix” (sem destinação específica de projetos), e as emendas de relator (“orçamento secreto”).
Isto fragilizou o executivo e tornou o parlamento brasileiro um armazém entregador de emendas. As grandes questões da nação e do povo saíram da pauta, as tentativas de reintroduzi-las são minoritárias. O chamado presidencialismo de coalizão dá sinais de esgotamento.
No cenário internacional, um capitalismo em crise, cujos principais indicadores são o baixo crescimento econômico, a ampliação da desigualdade de renda e riqueza, a precarização do trabalho, a concentração e centralização do capital, convive com uma transição de ordem mundial, declínio do domínio da aliança ocidental liderada pelos EUA e a ascensão de novos centros de poder, notadamente da China e Rússia, liderando os BRICS.
Neste cenário o governo Trump age através da guerra comercial e tarifária, da agressão militar (Irã, guerra de procuração da OTAN na Ucrânia contra Rússia) e de ameaças à soberania dos povos, para manter a decadente hegemonia do império americano.
É neste contexto que se dá a recente agressão do governo Trump ao Brasil. Impõe tarifas de 50% aos produtos brasileiros e a abertura de investigação comercial contra o país, com base na Seção 301 da Lei do Comércio de 1974, portanto, não são só aumento de tarifas, são sanções. Tudo isto com um ataque direto às instituições brasileiras e em defesa de Bolsonaro, representante inelegível da extrema direita, que responde processo no STF por tentativa de suprimir o estado democrático de direito através de golpe militar.
Esta ofensiva do governo Trump não deve ser subestimada. Ocorre para o Império num contexto de derrota militar no campo de batalha da Ucrânia para a Rússia, enfrentamentos com resultados questionáveis no Irã e uma malsucedida guerra comercial com a China.
Dos principais países dos BRICS, o Brasil, por inúmeras razões já apresentadas, somadas à baixa capacidade de persuasão, pode ser o elo fraco a ser atacado. A desestabilização do governo Lula, um ambiente de crise no país de dimensões continentais e com reservas estratégicas de minerais, e a viabilização de ocupação de espaço pela extrema direita faz parte do plano de tentativa de reversão do declínio estadunidense.
O tempo político do agora, que se iniciou com a derrota do IOF pelo Congresso e a ofensiva política do governo e do campo popular e de esquerda contra a medida, levou o governo Lula a sair das cordas, retomar a iniciativa política e se conectar com as suas bases e seus compromissos históricos.
O ataque à soberania nacional perpetrada pela ação do Trump, articulada pela família Bolsonaro e pela extrema direita, desmascarou a farsa do seu patriotismo perante uma parcela significativa da população. O seu caráter entreguista os indispôs com importantes setores produtivos, inclusive o agronegócio, uma das suas principais bases de classe.
Este último episódio provocou cizânia no campo da extrema-direita e certo isolamento deste segmento em relação ao centrão. O governo Lula tem se firmado na defesa da soberania inegociável da nação e na denúncia da agressão sofrida do governo Trump. Destaca-se a recuperação dos indicadores de aprovação do governo e apoio às ações de defesa dos interesses nacionais.
O atual contexto abre riscos e oportunidades.
Risco de subestimar o inimigo externo, o imperialismo americano, e o inimigo interno, a extrema direita e as elites conservadoras hegemonizadas pelo rentismo. O governo Trump pode escalar a crise com o Brasil e apostar na desestabilização que provoque uma ruptura institucional. Em nossa história não faltam exemplos, inclusive muito recentes.
Por outro lado, as alterações na conjuntura política favoráveis ao governo e ao nosso campo político, ainda não traduzem uma alteração na correlação de forças. Para que isto ocorra é preciso uma consolidação de posições políticas mais consequentes no seio da maioria do povo e uma direção política articulada que dê organicidade e direção à luta.
Definir corretamente o objetivo tático do momento é transformar a crise em grande oportunidade para a alteração da correlação de forças.
Construir uma frente ampla em defesa da soberania brasileira, da sua economia e do seu povo, isolar e derrotar a extrema direita são os grandes desafios do momento, com punição aos golpistas e traidores da pátria. Mobilizar e conscientizar, nas redes e nas ruas, amplas parcelas da população em torno destes objetivos, construir um calendário de ações é fundamental para termos um movimento à altura do atual enfrentamento.
Neste momento, não podemos nos dispersar em batalhas menores, em antecipações eleitoreiras nem exclusivismos ou sectarismos. O centro da batalha é a questão nacional. Do resultado desta peleja se constituirá o novo quadro de correlação de forças. Unir e mobilizar amplos setores é a tarefa do momento.