
Após fala intrometida na sabatina no Senado norte-americano, que incluiu ataques a Cristina Kirchner, o indicado a embaixador na Argentina, Peter Lamelas, é rejeitado por parlamentares, sindicalistas e lideranças populares
“É evidente que Trump, assim como Milei e o FMI, está incomodado com a democracia argentina”, afirmou a ex-presidente Cristina Kirchner. “Volte para casa, Lamelas!”, sentenciou o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof.
O indicado de Trump para assumir a Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, Peter Lamelas, foi amplamente repudiado ao se intrometer em assuntos internos como a prisão da ex-presidente, Cristina Kirchner, ou interferir em questões judiciais ou na relação comercial com os chineses durante uma audiência no Senado dos EUA, conforme relatou a AP na quinta-feira (24).
Sem a menor compostura diplomática, Lamelas alegou que a ex-presidente argentina deveria enfrentar a Justiça em casos nos quais nunca foi condenada e prometeu usar seu cargo como um baluarte contra a China.
“É evidente que Trump, assim como Milei e o Fundo Monetário Internacional (FMI), está incomodado com a democracia argentina”, declarou Cristina Kirchner, denunciando que com a indicação deste “novo procurador plenipotenciário”, Milei demonstra que “quem realmente governa na Argentina de Milei são as Forças do Norte”.
“Nem Monroe ousou ir tão longe”, enfatizou a ex-presidente, assinalando que o amigo do presidente Trump e grande colaborador da campanha republicana não tem nenhuma experiência diplomática. Para Cristina, as declarações de Lamelas parecem uma repetição da Doutrina Monroe, cuja famosa frase – “A América para os americanos” – serviu de base ideológica para justificar as intervenções dos EUA na região ao longo dos séculos XIX e XX, com golpes de Estado e uma política imperialista e neocolonial na região ao sul dos Estados Unidos que a considerava “seu quintal”.
Sintetizando o repúdio generalizado expresso nas declarações, o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, sentenciou: “Volte para casa, Lamelas”. Kicillof apontou que um enviado diplomático não poderia se comportar “como se fosse o tutor das políticas soberanas do país que o recebe” e que suas declarações “evocam os períodos mais sombrios da interferência dos EUA na vida democrática de nossa região”. Kicillof reiterou a “submissão do governo a essas práticas neocoloniais” e alertou: “nem pensem em vir a La Plata: aqui ninguém vai recebê-los”.
Diante da gravidade da ação, parlamentares do principal partido oposicionista, o peronista União pela Pátria (Exp.), apresentaram um projeto de lei para declarar Lamelas persona non grata. “Suas declarações deploráveis e inaceitáveis constituem em flagrante violação da soberania argentina”, enfatizaram.
Inúmeras organizações de direitos humanos assinalaram que a indicação de Lamelas é uma provocação, acompanhada de declarações que “buscam colocar as províncias do nosso país de joelhos”.
Embora a audiência com Lamelas no Senado dos EUA tenha ocorrido na terça-feira (22), os senadores votarão sobre sua nomeação posteriormente.
EUA DESRESPEITAM JUSTIÇA E PERSEGUEM CRISTINA
De acordo com a AP, Lamelas disse que apoiaria Javier Milei para garantir que Cristina Kirchner – que cumpre pena de seis anos em prisão domiciliar por acusações de corrupção – receba “a justiça que merece” em casos não relacionados à sua sentença atual. Na audiência, o trumpista também fez alegações tendenciosas de que os governos provinciais argentinos “poderiam negociar com forças externas, como os chineses ou outros, para entrar e realizar projetos naquela província específica, o que também pode levar à corrupção por parte dos chineses”.
Respondendo às bravatas de Lamelas, a Embaixada da China na Argentina publicou um comunicado assegurando que as declarações do político americano estão “repletas de preconceito ideológico e mentalidade de soma zero da Guerra Fria, evocando uma sensação inquietante de retorno da ‘Doutrina Monroe’”. Para os chineses, é uma “retórica que contradiz e enfraquece veementemente os ‘valores democráticos’ que os EUA afirmam defender”.
A Argentina não deve ser transformada em uma “arena” para rivalidade entre grandes potências, mas sim em um “campo de demonstração” para a cooperação internacional para o desenvolvimento, visando reforma, progresso e revitalização, de acordo com o comunicado, defende a Embaixada chinesa. E complementa: “Aconselhamos o indivíduo em questão a se abster de projetar sua lógica hegemônica na China”.
“QUEREM NOSSO PAÍS DE JOELHOS”
No Congresso, deputados e senadores apresentaram iniciativas para impedir Milei de conceder a aprovação do embaixador a Donald Trump, enquanto organizações de direitos humanos condenaram as declarações que “buscam colocar as províncias do nosso país de joelhos”.
“O império está fora de controle”, denunciou o Centro de Veteranos das Ilhas Malvinas em La Plata. Na mesma linha, organizações de direitos humanos – Mães da Linha Fundadora da Praça de Maio, Familiares de Desaparecidos e Detidos por Motivos Políticos e Assembleia Permanente de Direitos Humanos – lançaram um comunicado conjunto alertando sobre a gravidade institucional das declarações do embaixador designado. “A pátria deixará de ser colônia ou a bandeira tremulará sobre suas ruínas”, enfatizaram, repudiando as “pretensões do funcionário de subjugar as províncias do nosso país”.
Completamente submisso a Trump, o governo permanece calado e comanda o cerco de silêncio dos governos alinhados à Casa Rosada.