
Peskov, porta-voz do Kremlin, afirma com “alto grau de certeza” que dinheiro dos contribuintes dos EUA e Europa a Kiev “foi, em grande parte, roubado”
“Se falarmos em russo de forma simples e sucinta, é óbvio que uma parte significativa do dinheiro que a Ucrânia recebeu no último período foi roubado. Há muita corrupção no país, ou seja, o dinheiro dos contribuintes americanos e europeus foi em grande parte roubado na Ucrânia. Isso pode ser afirmado com alto grau de certeza”, afirmou o secretário de imprensa da Presidência da Rússia, Dmitry Peskov.
O comentário se deveu a que o presidente Volodymyr Zelensky sancionou o projeto de lei aprovado na Rada Suprema (parlamento ucraniano), que estabelece a completa subordinação da Procuradoria Especializada em Combate à Corrupção (SAPO) ao procurador-geral indicado por ele, outorgando-lhe o direito de supervisionar as investigações do Escritório Nacional Anticorrupção (NABU, na sigla local), exigir que qualquer caso lhe seja encaminhado e também o poder de dar-lhe instruções. Além disso, todos os acordos de culpa e suspeitas deverão ser acordados com o indicado por Zelensky. Ou seja, abole a independência das duas agências anticorrupção.
Essas medidas já provocaram ampla reação pública na sociedade ucraniana, pois, como denunciam as manifestações por todo o país, as tornariam “puramente decorativas”.
A isso Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores russo, afirma que, mesmo antes dessa repressão às agências já não havia um real combate à corrupção: “Já está claro o que está acontecendo lá. Não há nenhuma luta real, nem mesmo quase semelhante, que se aproxime de uma luta real contra a corrupção, nenhum processo semelhante já aconteceu ou está acontecendo na Ucrânia.”
Certas estruturas foram criadas na Ucrânia sob pressão dos Estados Unidos, para dar uma aparência de controle a um descontrole vexaminoso, “que deveriam controlar o combate à corrupção ou desempenhar algum tipo de função anticorrupção ou controle sobre processos anticorrupção”, disse Zakharova, acrescentando que essas instituições “não têm nada a ver com o combate à corrupção”. “Essas são maneiras de o Ocidente dizer controlar os fluxos de dinheiro que eles enviam”.
Comentando sobre os protestos em que milhares de pessoas foram às ruas em Kiev, Lviv, Dnipro, e outras cidades, condenando o atropelo às leis vigentes, Dmitry Peskov observou que os apoiadores de Zelensky — principalmente os EUA — têm todos os motivos para se preocupar com o destino de seu dinheiro, cerca de US$ 300 bilhões em ajuda, devido ao alto nível de corrupção no país.
UE SE VÊ OBRIGADA A EXPRESSAR ‘PREOCUPAÇÃO’ COM A CORRUPÇÃO DA UCRÂNIA
A União Europeia há muito tempo expressa “preocupação” com os escandalosos níveis de corrupção na Ucrânia, condicionando a possível adesão de Kiev ao bloco, entre outras coisas, ao inteiramente improvável sucesso das reformas anticorrupção.
Vale notar que os comentários de Peskov vêm depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, lembrou que, embora o governo de seu antecessor, Joe Biden, tenha doado bilhões a Kiev para serem usados contra a Rússia, ele tem “a sensação de que eles não gastaram cada dólar em equipamentos”. “Queremos descobrir sobre esse [dinheiro] algum dia, eu acho, certo?”, acrescentou rizível Trump.
O NABU e a SAPO foram criados na Ucrânia em 2015. O Escritório tinha, no papel, um status especial para identificar, investigar e solucionar crimes de corrupção, e o Ministério Público (uma divisão do Gabinete do Procurador-Geral) apresentava os casos preparados pelo NABU no tribunal.
Mas mesmo sob essa inapetência para investigar vieram à tona uma série de escândalos de corrupção de alto nível envolvendo compras militares nos últimos meses. Em janeiro de 2024, o Serviço de Segurança da Ucrânia descobriu um esquema de apropriação indébita de US$ 40 milhões envolvendo contratos falsos de armas e, em abril, uma fraude no fornecimento de alimentos no valor de quase US$ 18 milhões foi exposta dentro do Ministério da Defesa.
A ONG Centro de Ação Anticorrupção argumentou que a nova lei tornaria essas agências ainda mais irrelevantes, pois o procurador-geral poderia “interromper as investigações contra todos envolvidos”, claro, desde que fossem “os amigos do presidente”.
Após os protestos, Zelensky declarou, na quinta-feira, que “era importante ouvir os ucranianos” e disse, sem apresentar detalhes, que faria mudanças na lei de abafa para “garantir a independência das agências anticorrupção”.