
Contra justificativa de Trump, de combate ao crime, de acordo com os próprios números do FBI, os crimes violentos na capital dos EUA caíram para o menor nível em 30 anos
Através de ordem executiva e alegando “emergência” na ordem pública, o presidente Donald Trump interveio na segunda-feira (11) na capital do país, Washington, colocando a força policial sob controle federal e anunciando o envio de 800 integrantes da Guarda Nacional, para supostamente “conter o crime e as drogas” e deportar os sem-teto, com o chefe da Casa Branca ameaçando estender o abuso a outras cidades sob governo democrata, como Nova Iorque, Los Angeles e Chicago.
Diante da notícia, centenas de moradores da capital se postaram diante da Casa Branca com cartazes dizendo: “Não à Guarda Nacional”, “Não à Gestapo em DC” e “Fora Trump”, enquanto a prefeita Muriel Bowser, peremptória, afirmou que “não estamos vivenciando um aumento na criminalidade”.
“Algo está fora de controle, mas vamos controlá-lo muito rapidamente, assim como fizemos com a fronteira sul”, declarou Trump. “Estou anunciando medidas para resgatar a capital do nosso país do crime, do derramamento de sangue, do caos e da miséria. Este é o Dia da Libertação em Washington, D.C. Vamos retomar nossa capital.”
Nas eleições presidenciais de 2024, em Washington, cidade de maioria negra, Trump só teve 6,5% da votação. Em paralelo à intervenção na capital e ainda dentro do dito objetivo de embelezá-la, Trump ordenou a restauração da estátua do fundador da Ku Klux Klan e general confederado Albert Pike, que havia sido removida do pedestal durante o levante contra o assassinato de George Floyd em 2020. Restauração que visaria “embelezar” Washington.
O anúncio da intervenção foi feito com o presidente ladeado pela procuradora-geral Pam Bondi e por seu chefe do Pentágono, o tatuado ex-âncora da Fox Pete Hegseth, que na semana passada repercutiu postagem contra o voto feminino. O novo chefe da Agência de Repressão às Drogas (DEA), Terry Cole, assumiu a intervenção no comando da policial local.
Para o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, a intervenção não passa de uma “manobra política” e uma “tentativa de distração” dos “outros escândalos” do presidente, como os efeitos do tarifaço e o abafamento dos arquivos Epstein.
MENOR NÍVEL EM 30 ANOS
De acordo com os próprios números do FBI, a criminalidade violenta em Washington, em geral, caiu para o menor nível em 30 anos, após um forte aumento em 2023. De fato, a taxa de homicídios caiu 65% em comparação com 2023, e o número de roubos de carros caiu 75% no mesmo período.
Grupos como o Center for American Progress atribuíram o declínio às estratégias locais de aplicação da lei, bem como a “investimentos em prevenção ao crime e recursos como moradia, educação e apoio ao emprego”.
Mas para Trump a capital de maioria negra encontra sob o poder de “criminosos sanguinários, gangues de jovens rebeldes, maníacos e moradores de rua”. Ele também prometeu prender todos os sem-teto que vivem nas ruas e deportá-los “para bem longe” da cidade.
Na coletiva de imprensa na Casa Branca, Trump prometeu impunidade à polícia na ação contra os moradores e manifestantes. “Eles têm permissão para fazer o que bem entenderem.” Ele açulou que “se um criminoso cospe neles, a polícia deve bater neles, e bater com força”.
Ele também prometeu revogar as leis locais que permitem que réus sejam libertados sob fiança enquanto aguardam julgamento, bem como aquelas que tratam infratores menores de idade como menores de idade e não como adultos, como ele quer, sugerindo baixar para 14 anos a idade para condenação.
À guisa de justificativa para a intervenção, a Casa Branca divulgou imagens do ex-assessor do governo Trump, Edward Coristine — conhecido pelo apelido no Twitter, Big Balls —, que foi espancado em uma tentativa de sequestro de carro por duas meninas de 15 anos há algumas semanas. “Vamos nos livrar das favelas”, declarou Trump. “Queremos segurança nas ruas.”
INTERVENÇÃO DESNECESSÁRIA E ILEGAL
Pouco depois do anúncio de Trump, o procurador-geral de Washington, D.C., Brian Schwalb, manifestou seu rechaço. “As ações do governo são sem precedentes, desnecessárias e ilegais”, declarou ele em um post no X.
“Não há emergência de crime no Distrito de Columbia. O crime violento em D.C. atingiu mínimos históricos de 30 anos no ano passado e caiu mais 26% até agora este ano”, ele acrescentou.
“Nenhum presidente fez isso antes”, disse Monica Hopkins, diretora executiva da filial de Washington da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês). “Isso deveria alarmar a todos”, disse ela, “não apenas em Washington.”
A mais antiga entidade norte-americana antirracismo, a Associação Americana para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês), comparou o entusiasmo de Trump em implantar agora a Guarda Nacional em Washington com sua recusa em acioná-la quando seus apoiadores invadiram violentamente o prédio do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021.
“Como um lembrete: o mesmo presidente que proclama que quer retomar nossa capital durante uma baixa taxa de criminalidade histórica de 30 anos não conseguiu encontrar a Guarda Nacional em 6 de janeiro”, escreveu a NAACP.
RACISMO NOJENTO
O líder dos direitos civis, Reverendo Al Sharpton, classificou a medida de Trump de “afronta final à justiça e aos direitos civis”.
“Donald Trump foi inspirado a tomar essa ação nojenta, perigosa e depreciativa apenas por interesse próprio”, disse Sharpton em um comunicado. “Vamos chamar a inspiração para este ataque a uma cidade de maioria negra pelo que é: outra tentativa de distrair sua base irritada e frustrada com o tratamento de seu governo dos arquivos de Epstein.”
Nas eleições presidenciais de 2024, em Washington, uma cidade de 700 mil habitantes, de maioria negra, Trump só teve 6,5% dos votos.
O portal Politico registrou que, apesar de todo o alarde a respeito, a captura emergencial do comando da polícia de Washington por Trump está limitada pela Home Rule Act de 1973, que define prazo de 30 dias, após os quais ele tem de buscar autorização do Congresso.
A prefeita Bowser, que vinha buscando a melhor convivência possível com o mandato Trump 2.0, a ponto de fechar nas imediações da Casa Branca a Praça Black Lives Matter, instituída durante o levante contra o assassinato de Floyd, aproveitou a arbitrariedade para estimular o debate pela conquista da condição plena de Estado para o distrito federal de Washington.
“Sabemos que o acesso à nossa democracia é tênue”, disse Bowser. “É por isso que vocês me ouviram, e muitos outros cidadãos de Washington antes de mim, defender a plena condição de Estado para o Distrito de Colúmbia.”