
Em meio ao escândalo de corrupção envolvendo sua irmã na compra de remédios para deficientes, o presidente argentino Javier Milei disse publicamente que o kirchnerismo “está chateado porque estamos roubando seus bens roubados”, declaração feita durante a apresentação de candidatos de seu partido La Libertad Avanza às eleições legislativas de 26 de outubro.
Segundo os áudios atribuídos ao ex-diretor da Agência Nacional para a Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, que vieram a público, empresas fornecedoras, como a Suizo Argentina, pagaram até 8% do valor dos contratos em propinas, em benefício da própria irmã de Milei e sua Secretária da Presidência, Karina, e de outros comparsas, o que desencadeou uma crise que atinge em cheio a Casa Rosada.
“Estão roubando, você pode fingir que não sabe, mas não joguem esse problema para mim, tenho todos os WhatsApps de Karina”, relata um dos áudios que circulou na imprensa argentina e que foi atribuído a Spagnuolo. Em outro áudio, ele é categórico: “estão fraudando a minha agência“, e faz outra alusão à Karina – que teria recebido pagamentos de propina -, além de dizer que teria conversado com o presidente Javier Milei. “Eles não consertaram nada”, diz o áudio.
Entre 2024 e 2025, os contratos da empresa com o Estado saltaram de US$ 3 milhões para US$ 80 milhões. O esquema teria movimentado cerca de US$ 800 mil mensais (aproximadamente R$ 4,3 milhões), com a parte de Karina sendo entre 3% e 4% do valor arrecadado.
O subsecretário de gestão institucional do governo Milei, Eduardo “Lule” Menem, considerado o braço direito de Karina, é apontado como operador central da falcatrua.
Também estão sendo investigados o ex-funcionário da Andis, Daniel Garbellini, e os donos da Suizo Argentina, os irmãos Jonathan e Emmanuel Kovalivker. Este foi detido ao tentar sair de um condomínio de luxo com US$ 266 mil em espécie e cerca de 7 milhões de pesos argentinos. Os Kovalivker são tidos, ainda, como muito ligados ao ex-presidente Mauricio Macri.
Nos áudios, Spagnuolo diz ter informado presencialmente ao presidente sobre a corrupção envolvendo seus colaboradores mais próximos. Antes de assumir a Andis, ele atuara como advogado particular de Milei. Segundo levantamento do jornal La Nación, dados oficiais revelam que, entre janeiro de 2024 e maio de 2025, Spanuolo visitou a Casa Rosada 48 vezes e esteve na residência oficial de Olivos em outras 39 ocasiões — frequência equivalente à de ministros e assessores de alto escalão.
“O PEIXE MORREU PELA BOCA”
O caso coloca em xeque o discurso anticorrupção do governo Milei, que usava a Andis como exemplo de suposta “ineficiência” estatal ao anunciar cortes de gastos e auditorias. Spagnuolo pediu demissão na sexta-feira (22) após a denúncia ter vindo a público. Ele e outros citados foram proibidos pela justiça de deixar o país.
No comício, nem Milei nem sua irmã deram qualquer explicação sobre o escândalo, somente a observação do presidente fascista de que o kirchnerismo “está chateado porque estamos roubando seus bens roubados”. Uma confissão tão sutil quanto sua motosserra, com o jornal argentino Página 12 registrando que “o peixe morreu pela boca”.
Afora isso, Milei voltou a voltou a acusar a oposição de tentar frear as políticas de ajuste fiscal adotadas pela Casa Rosada, acrescentando que o “Congresso está sequestrado pelo kirchnerismo”. Declaração que passa recibo pela derrota sofrida por seu governo, com o Congresso derrubando seu veto a um projeto de aumento de recursos para pessoas com deficiência.
TENTATIVA DE OBSTRUÇÃO DE PROVAS
De acordo com a justiça argentina, o celular de Spagnuolo, que foi apreendido, não contém registros de mensagens com Milei ou sua irmã, Karina Milei, secretária-geral da Presidência. Mas investigadores afirmam que os diálogos foram apagados manualmente na semana passada, o que reforça as suspeitas de tentativa de obstrução de provas.
Conforme os investigadores, o apagamento não foi um simples “reset” do aparelho, mas uma eliminação seletiva de mensagens, preservando parte da atividade do dispositivo. Detalhe que sugere que Spagnuolo pode ter tentado apagar apenas as conversas mais sensíveis, sobretudo com Milei e a irmã, quando o escândalo explodiu.
Os investigadores estão otimistas quanto à recuperação do conteúdo deletado. A oposição planeja convocar integrantes do governo para prestar esclarecimentos ao parlamento.
Ainda segundo o La Nación, “apesar da falta de experiência na área social, Spagnuolo recebeu a missão de comandar um orçamento bilionário destinado a pensões e benefícios para pessoas com deficiência”, em uma gestão marcada por cortes drásticos e decisões contestadas. “Em janeiro deste ano, por exemplo, uma resolução assinada por ele usou termos como ‘idiota’ e ‘imbecil’ para classificar graus de deficiência intelectual, provocando protestos.”
“VOCÊ NÃO FEZ NADA”
Nas redes sociais, a ex-presidente Cristina Kirchner assinalou que “os 3% de propina que sua irmã recebe em medicamentos para pessoas com deficiência, que seu amigo e colaborador Lule Menem está exigindo, são infinitamente piores e muuuuuito graves, sério, em termos de responsabilidade criminal”.
“As gravações de áudio do seu amigo Spagnuolo provam que ele o alertou sobre as propinas e… irmão… VOCÊ NÃO FEZ NADA!”, acusou a ex-chefe de Estado.
“Imagine depois que TODOS OS ARGENTINOS OUVIREM seu amigo e advogado pessoal Diego Spagnuolo (que você nomeou chefe da Agência Nacional de Deficiência) contar como ele veio vê-lo para informá-lo pessoalmente sobre as façanhas do ‘CHEFE’ e sua gangue, cobrando indenização por medicamentos, nada menos, na enfermaria pública para deficientes onde você levou a motosserra… Não há nada mais escandaloso e vergonhoso”, fulminou Cristina.
Nessas gravações de áudio, Spagnuolo também menciona que “nomearam” Daniel Garbellini como diretor, esclareceu Cristina, ‘um criminoso que esteve no governo Macri’, segundo suas próprias palavras. “Como sempre digo… Tudo está conectado”, concluiu.