
Milei e irmã foram retirados às pressas de carreata na Grande Buenos Aires
O presidente da Argentina, Javier Milei, e sua irmã e secretária-geral da Presidência, Karina, precisaram ser retirados às pressas de uma carreata de campanha na quarta-feira (27) na cidade de Lomas de Zamora, na Grande Buenos Aires, após manifestantes indignados com a corrupção ao estilo motosserra e com os cortes no apoio aos deficientes físicos reagirem com pedras e garrafas de água à declaração dele, aos gritos, da traseira da caminhonete, que “tudo o que ele (Diego Spagnuolo) diz é mentira, vamos levá-lo à justiça e provar que mentiu”.
Segundo o relato do jornal argentino Página 12, a caravana mal percorreu duas quadras quando o caldo entornou, com o presidente e sua comitiva apinhados na caçamba da picape branca fugindo “a toda velocidade para se refugiar na Quinta de Olivos”.
O citado Spagnuolo, a quem são atribuídos os áudios da corrupção que chocam o país, advogado pessoal de Milei e por ele nomeado diretor da Andis, está sob investigação da justiça e proibido de deixar o país.
O deputado José Luis Espert, um dos principais candidatos do La Libertad Avanza nas eleições legislativas de outubro, achou melhor se escafeder por conta própria, o que fez de moto e sem capacete. Segundo um porta-voz do governo argentino, ninguém se feriu.
O governo – acrescentou o Página 12 -, que incita constantemente a violência física e simbólica — aliás, o slogan de Espert é “cadeia ou bala” — e repete frases como “esquerdistas vão fugir” como um mantra, imediatamente reclamou da violência, e pessoas próximas ao presidente chegaram a chamá-la de “tentativa de assassinato”. “Como já é costume, eles também culparam o ‘kirchnerismo’ pelos ultrajes, sem apresentar nenhuma prova.”
Quarta-feira é o dia em que tradicionalmente os aposentados vão às ruas na Argentina protestar contra o arrocho decretado por Milei e a irmã de Milei, Karina, é o pivô do escândalo da corrupção na Andis, a Agência Nacional da Pessoa com Deficiência, com fornecedores pagando até 8% do contrato, conforme os áudios vazados. A parte de Karina seria de 3%.
Dezenas de pessoas com deficiência e suas famílias também se mobilizaram pacificamente, acrescentou o diário argentino. “María, por exemplo, é mãe de uma criança com deficiência e relatou às câmeras de televisão sobre este governo: “Eles estão roubando os mais necessitados e as pessoas com deficiência que menos têm. Não estão fornecendo remédios nem fraldas, e não temos condições nem de pagar a terapia dos nossos filhos.’ Com a voz embargada, ela continuou: O presidente havia dito que esfaquearia qualquer um que colocasse a mão na massa, mas agora está apoiando o que a irmã dele fez’.”
O LLA asseverou que as ruas estavam “tingidas de violeta [a cor do partido da motosserra] em uma demonstração de apoio ao projeto libertário na província de Buenos Aires” e culpou o “kirchnerismo” por “insultar e tentar atacar aqueles que expressavam seu apoio ao fim do empobrecimento do modelo kirchnerista.” Um dirigente libertário inclusive publicou uma foto em que se via uma pedra voando atrás de Milei.
Segundo Raquel, mãe de uma menina com deficiência que estava presente na caravana, os próprios policiais foram os que provocaram a violência, registrou o Página 12. “Do alto do veículo, gritaram ‘preto de merda’ para nós”, declarou ela no rádio, acrescentando: “Gritaram ‘preto de merda’ para a minha mãe só por causa da cor dela.” Ela também esclareceu que isso não se enquadrava no contexto de nenhum partido político: “Ninguém nos mandou”, acrescentou.
Horas antes do início da caravana, o prefeito de Lomas de Zamora, Federico Otermín, escreveu um comunicado no qual observou que Milei nunca havia visitado o município desde que assumiu o cargo. “Nada é mais casto do que aparecer para uma sessão de fotos poucos dias antes das eleições”, enfatizou. Em seguida, reclamou que a caravana “bloqueava a Avenida Yrigoyen (uma das mais movimentadas da Grande Buenos Aires) em um dia de semana e em um horário específico” e pediu que, além dos apelos para condenar a visita do presidente, “a mensagem fosse de paz e respeito à democracia”. Por fim, acrescentou: “Que todos se expressem com calma e sem qualquer forma de violência”.
Após o evento, Otermín disse que condenou “enfaticamente” a violência e esclareceu que a prefeitura já estava preocupada com antecedência, pois houve convocações de mobilização de associações de deficientes e de aposentados na Plaza de Lomas, que “estavam muito indignados”. No entanto, esclareceu que “aquele protesto ocorreu, mas longe de onde ocorreram os distúrbios, porque a comitiva presidencial não chegou à praça onde estava”, explicou.
O escândalo do propinaduto da Andis sob comando da própria irmã de Milei tem tido uma repercussão ainda maior na medida em que em julho, quando o Senado aprovou por iniciativa da oposição, aumentos nas aposentadorias e em pensões para pessoas com deficiência, Milei alegou que a medida “comprometeria o equilíbrio fiscal” e até rompeu com sua vice, Victoria Villarruel, que na institucionalidade argentina é quem preside o Senado.
No início de agosto, Milei vetou os aumentos aprovados, mas a Câmara derrubou o veto sobre os fundos para pessoas com deficiência, embora haja mantido a revogação presidencial em relação às aposentadorias. Questão ainda pendente de decisão final do Senado.
Os áudios da corrupção vazados também mencionam o subsecretário de Gestão Institucional do governo, Eduardo “Lule” Menem, no comando do esquema e entre os investigados há personagens ligados ao ex-presidente Maurício Macri. Na outra ponta, os donos da empresa Suizo Argentina, cujos contratos com a Andis em um ano foram multiplicados de US$ 3 milhões para US$ 80 milhões.
“Estão roubando, você pode fingir que não sabe, mas não joguem esse problema para mim, tenho todos os WhatsApps de Karina”, diz um dos áudios atribuídos a Spagnuolo e divulgados pela imprensa local, caracterizando que o problema foi levado ao próprio Milei, mas “nada” foi “consertado”. Na esteira do escândalo, em cinco semanas a aprovação de Milei já caiu oito pontos percentuais, para 41%