Os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, em Mariana (MG), denunciaram as violações dos direitos das vítimas e reivindicam a garantia de reparação justa e integral aos danos causados para comunidades e famílias da Bacia do Rio Doce.
Na última segunda-feira (5), quando se completaram três anos do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas Gerais, uma comitiva formada por atingidos, visitou a capital da Inglaterra, Londres, para encontrar parlamentares, ONGs, jornalistas e acionistas da anglo-australiana BHP Billiton, empresa que, junto com a Vale, é proprietária da mineradora Samarco.
O grupo, organizado pela organização Cáritas (da Igreja Católica), foi à Inglaterra falar como os atingidos se sentem em relação ao processo de reparação social e ambiental que vem sendo conduzido desde o rompimento. Para isso os atingidos lançaram uma carta-denúncia em que são listados todos os pontos questionados por eles no processo de reparação.
Dentre eles, a demora no processo judicial, as divergências em relação às indenizações e os processos nos reassentamentos nas comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo são alguns pontos trabalhados no documento.
“Não foi acidente!”, ressalta a carta que reivindica também que “as empresas sejam tratadas como rés e nós como vítimas – e não ambas como partes de um processo de negociação ou uma mesa de diálogo. No Brasil, sobrecarregamos todo sistema público para tentar dar conta de uma demanda absurda causada pelo crime das mineradoras. Nosso país é responsável pela atuação irresponsável das empresas, mas é também vítima delas. É importante que seja entendido que o maior desastre socioambiental do Brasil foi um crime – tipificado e com processo penal em curso”.
Os atingidos exigem que o Rio Doce seja discutido em vistas de “um presente-futuro onde água e terra boa valerão muito mais”. Para os atingidos “a bacia hidrográfica atingida, uma das mais importantes do Brasil, é terra com água – o que vale muito mais do que a Vale. Infelizmente, vivemos num país de instituições colonizadas, um estado cada vez mais controlado por forças privatizantes, adeptas de um neoliberalismo predatório que transforma a consciência ambiental em discurso corporativo [e é revoltante ver como a Fundação atualiza, perversamente, essa apropriação]. Que não sejam medidos esforços e que todos os recursos necessários sejam alocados para a efetiva regeneração de todo território atingido”.
A postura da Fundação Renova – entidade controlada pelas empresas responsáveis pelo rompimento da barragem destinada a organizar todo processo de reparação dos danos causados – foi duramente criticada pelo atingidos. “Nossa reivindicação é pela mudança de postura da Fundação Renova. Que os atingidos cheguem, com qualidade de representação, aos espaços de decisão: CIF e Conselho Curador da Fundação Renova, de acordo com os termos acordados no TAC GOV. Precisamos entender, de vez, que a Fundação Renova não está gerindo dinheiro das empresas, mas nosso! O dinheiro da reparação não é benefício, benevolência, caridade – é multa, é pena, é responsabilidade legal, ela tem que pagar”, aponta a carta-denúncia.
A pouca representatividade dos atingidos em decisões referentes às reparações socioambientais, também é questionada na carta. “Além dessas ausências em espaços estruturantes e deliberativos, mesmo em reuniões de trabalho da Fundação Renova com participação de atingidos, a escuta qualificada e o respeito as suas opiniões e reivindicações não são garantidas: o que têm acontecido são encontros frequentes e inócuos, sem poder decisório, que fazem com que o processo seja ainda mais moroso, desgastante e sofrido para os atingidos”, diz um trecho.
Os atingidos afirmam ainda que decidiram ir até Londres após virem “prazos descumpridos, processos atropelados, direitos negados e tentativas de coação a pessoas atingidas”, ao dialogar com governos federal, estadual e municipal, além do poder Judiciário.
A carta questiona também a morosidade com que a Justiça trata a tragédia em Mariana na esfera criminal, referente às 19 mortes após o rompimento da Barragem de Fundão. Três anos depois, as testemunhas ainda estão sendo ouvidas em um caso que envolve 21 réus.
SAÚDE DOS ATINGIDOS
Exames toxicológicos detectaram a presença de altos níveis de matais pesados, como níquel e arsênio no sangue de moradores do município de Barra Longa, em Minas Gerais, após o rompimento da barragem de Fundão. As informações são de um relatório do Instituto Saúde e Sustentabilidade enviado ao Ministério Público.
Sofya, de três anos, tem problemas de saúde causados pela lama da Samarco. A menina era recém-nascida quando aconteceu o maior desastre ambiental do Brasil e cresceu enfrentando os sintomas da contaminação da lama por metais pesados como arsênio, cobre e chumbo.
Com problemas respiratórios, alergias e marcas na pele, Sofya precisa evitar o contato com a poeira da lama que se concentra até hoje em sua rua. Documentos obtidos pelo UOL mostram níveis altos de arsênio no sangue e na urina de Sofya. “Em um deles, há uma comparação entre os níveis apresentados pela menina em 2017 e em 2018. No ano passado, Sofya apresentava 2,4 microgramas de arsênio por litro de sangue coletado. Já no exame deste ano, este valor subiu para 10,4 microgramas, valor que corresponde a três o máximo utilizado pela referência médica (3,2 microgramas por litro)”, disse, em entrevista ao portal UOL.
Os médicos são taxativos em relação aos problemas de Sofya e seu irmão Davidy de 16 anos. “Portadora de quadro alérgico (cansaço, chieira [no peito], obstrução nasal) –dificuldade respiratória. Quadro clínico desencadeado por inalantes (fatores desencadeantes e irritativos, relacionados à exposição à poeira proveniente dos rejeitos de minérios). Devido ao rompimento da barragem de Mariana, afetando o meio ambiente da cidade de Barra Longa, onde reside o menor”, diz outro documento, um laudo de 2016 assinado pelo médico alergista Antonio Carlos Pires Maciel, do hospital de Ponte Nova.
A Mãe de Sofya, Simone conta que nada mudou nesses três “Nossa vida continua a mesma, está tudo um caos”. “Ainda enfrentamos os mesmos problemas, meus dois filhos estão com problemas de respiração e marcas de alergia na pele, estamos com muita dificuldade de pagar os remédios, ainda mais com meu marido agora desempregado”, disse Simone.
Outra tragédia é a saúde mental dos atingidos. 82,9% das crianças, adolescentes e jovens que presenciaram o desastre estão com sinais de transtorno de estresse pós-traumático. Nos adultos, 12% dos atingidos tiveram esse diagnóstico. Pesadelos recorrentes relacionados ao desastre são relatados por 19,5% dos entrevistados. Um quarto (24,4%) apresenta insônia, 46,3% manifestaram irritabilidade ou crises de raiva.
Os resultados são de um estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que pesquisou sobre a saúde mental das famílias atingidas pelo rompimento da barragem e que foi divulgado em abril deste ano. Foram ouvidas 276 vítimas individualmente, 42% são crianças e adolescentes, entre 10 e 17 anos. Nesse grupo, 91,7% testemunharam o desastre e 8,7% receberam notícias sobre ele.
Entre os jovens, 39,1% possuem sinais de depressão e 26,1% apresentam ou já apresentaram comportamento suicida. Entre os adultos, o risco de suicídio foi identificado em 16,4% dos entrevistados. Em relação à depressão, a taxa de prevalência é dez vezes superior à observada na população geral desse público (3,5%). O risco de tirar a própria vida também está acima da média nacional, estimada em 7,1%.
Na população pesquisada, 18,2% tomam ansiolíticos para dormir e 16,9% utiliza antidepressivos. É o caso do lavrador Marino D´Angelo Junior, morador no subdistrito de Paracatu de Cima, que desde então sofre de transtorno de ansiedade e de depressão.
Clique e leia a Carta de Reivindicações dos atingidos
Em abril de 2016, a Hora do Povo, em parceria com o portal América do Sol, lançou um especial sobre a tragédia de Mariana. Clique na imagem abaixo e veja: