O presidente republicano perdeu o controle da Câmara e governos de 7 estados. Em disputa, 100% das vagas de deputados; 35 das 100 cadeiras do Senado, além de 36 dos 50 governos estaduais
A recontagem na Flórida, bem como o impasse na Geórgia, chamam a atenção para a amplitude da derrota do governo Trump nas eleições intermediárias, em que perdeu a Câmara dos Deputados e sete governadores, após se jogar de cabeça nos comícios e fazer do ataque aos imigrantes, isto é, do racismo e xenofobia, seu principal cabo eleitoral.
Na noite de segunda-feira (12), ainda estavam em aberto duas cadeiras no Senado (Flórida e Arizona), dois governos estaduais (Flórida e Geórgia) e 13 mandatos de deputado. Conforme o analista Nate Silver, os democratas poderiam conquistar bem mais que as 29 cadeiras já anunciadas.
O que Trump ainda conseguiu, no conjunto do que estava em disputa, foi manter a maioria no Senado mas em um quadro em que das 100 cadeiras, somente 35 estiveram em disputa e, destas, os democratas defendiam 26, contra apenas 9 dos republicanos. E dependendo das recontagens, mesmo essa maioria pode vir a encolher.
O comparecimento foi o maior dos últimos cinquenta anos e, conforme os números do New York Times, chegou a 114 milhões de eleitores, muito acima das intermediárias de 2010 (91 milhões) e 2014 (83 milhões). 35 milhões votaram antecipadamente. Estavam em disputa 100% dos mandatos de deputado federal (renovados a cada dois anos), 33 das 100 cadeiras no Senado – mais duas votações extraordinárias de senadores que renunciaram -, e 36 de 50 governos estaduais.
Se houve a “onda azul”, ou não, é uma discussão, mas com 30 milhões a mais de comparecimento às urnas em relação às intermediárias de 2014, essa seria uma boa razão para Trump ter posto de lado a capitalização da situação econômica, tida pela mídia como “boa”, e optado por apavorar seus eleitores via discurso do ódio, contra os imigrantes latinos, a caravana, para garantir sua ida às urnas e pelo menos o Senado. Até milhares de soldados foram deslocados para a fronteira, para ameaçar dar tiro em refugiados e estender arame farpado, para impressionar mais os incautos e racistas.
Os republicanos controlavam o Congresso – Câmara e Senado – e a grande maioria dos legislativos e dos executivos estaduais, o que escorreu entre os dedos. A perda da Câmara, para um lúmpen-bilionário como Trump, com rabo preso por todo lado, significa que não só vai ficar mais difícil de arrumar verba para seu muro, mas também que vai estar sujeito a inquirições e, se bobear, até abrem um processo de impeachment – embora fosse brecado no Senado.
O revés fica ainda mais nítido nos governos estaduais, em que a proporção republicanos/democratas era de 2:1 (33 a 16 + 1 independente) e caiu para quase 1:1 (25 a 22, com duas eleições em aberto).
Nos quatro estados que foram decisivos para a vitória de Trump no colégio eleitoral em 2016, Pensilvânia, Michigan, Wiscosin e Ohio, os democratas ganharam a disputa do senado em quatro e a dos governadores em três. Trump só manteve Ohio. Os outros estados perdidos pelos republicanos foram Kansas, Nevada e Novo México. Os democratas não perderam nenhum governo que já tinham.
Dos estados mais pesados na economia dos EUA, os republicanos mantém o Texas, roem as unhas sobre a Flórida e suspiram de alívio quanto a Ohio. Mesmo no Texas, na disputa do senado Beto O’Rourke ficou apenas 3 pontos percentuais abaixo de Ted Cruz, que buscava a reeleição – o melhor resultado democrata no estado em muito tempo.
A participação das mulheres cresceu enormemente, com mais de 100 congressistas, entre essas duas deputadas muçulmanas – apesar de todo o racismo explícito e perseguição de Trump contra os muçulmanos -, Ilhan Omar e Rashid Tlaib, e a da mais jovem deputada, Alexandria Ocasio-Cortez (veja matéria). Deb Haaland e Sharice Davids se tornaram as primeiras mulheres de origem indígena a se elegerem deputadas federais.
Também a participação dos negros, com os candidatos a governador na Geórgia (Stacey Abrams) e na Flórida (Andrew Gillum), que tiveram uma performance admirável. E referendo devolveu a 1,4 milhão de negros da Flórida a condição de votantes.
“Socialismo”, que no coração do império é quase um palavrão, virou tema de campanha, com Trump tuitando contra e acusando as mobilizações de repúdio a seus desmandos que tomaram as ruas dos EUA nos últimos meses de serem “turbas”. Partidários de Trump exibiam nos comícios cartazes com “Jobs, not mobs” [Empregos, turbas não].
A campanha pelo Medicare para Todos – a extensão da saúde pública que os aposentados já têm há décadas para todos os norte-americanos – alcançou uma amplitude inédita. Também a denúncia da descomunal dívida estudantil, com os EUA sendo o único grande país que não tem ensino superior gratuito.
O que não é exatamente o perfil do partido que se propõe, como capitaneou Hillary, a ser o novo porta-voz de Wall Street e do ‘Partido da Guerra’. O senador e ex-candidato a candidato a presidente, Bernie Sanders, disse que a bancada de 14 novos deputados que se elegeu com compromisso com o Medicare para Todos, a universidade gratuita, o salário mínimo de US$ 15 a hora e a solução para a dívida estudantil é “a turma de calouros mais progressista da história do Congresso”. Mas a bancada de milionários e a da CIA também cresceu.
Na disputa, esteve quase totalmente ausente da discussão a agressiva política externa dos EUA, sobre a qual a principal divergência da direção democrata é a suposta leniência de Trump com a Rússia, enquanto este empurra o país como sonâmbulo para o risco de guerra nuclear ao rasgar o Tratado INF, após ter rompido o acordo com o Irã e o do Clima. Isso, num país que está em guerra no Afeganistão há 17 anos.
Diante da fragilização do seu “tremendo sucesso” – ou será tremenda cara de pau? -, Trump passou a tuitar freneticamente contra a “fraude” nas urnas e a recontagem e analistas já temem que nos grotões onde Trump agora prevalece, vai ter gente que passará a achar que a eleição só é séria, se republicano ganhar. A revista The Economist observou que os democratas venceram nos estados e cidades mais populosos e nos subúrbios afluentes, enquanto os republicanos estão cada vez mais empurrados para os estados rurais e os grotões. As eleições de 2018 foram caras da história dos EUA, com cerca de US$ 5,2 bilhões arrecadados e gastos até o dia do pleito, segundo o Centro de Política Responsiva (CRP).
ANTONIO PIMENTA