
Argentinos demonstraram no último domingo que não aceitam o caminho imposto pelo serviçal do FMI nos últimos 21 meses de desgoverno
O crescente arrocho salarial e a escandalosa corrupção que passaram a ser marca do desgoverno de Javier Milei levaram à sua fragorosa derrota por mais de 13,5% dos votos nas eleições legislativas da província (Estado) de Buenos Aires no último domingo (7).
O mesmo presidente que prometia que a Argentina deixaria “ser terreno fértil para a corrupção” – embora já tivesse sido descoberto ofertando vagas nas listas de candidatos por até cem mil dólares – agora era flagrado tentando censurar a imprensa de que veiculasse o assalto da irmã, Karina Milei, através de propinas obtidas com vendas de remédios para deficientes, e de um sócio roubando a estatal Agência Nacional para a Deficiência (Andis). Até uma rádio uruguaia foi ameaçada se veicular as gravações que flagraram o envolvimento criminoso, mas nada impediu que a verdade viesse à tona.
Ao longo dos seus 21 meses de governo ficou comprovado que submissão ao Fundo Monetário Internacional (FMI), arrocho salarial, precarização e corrupção são componentes de um mesmo programa anti-nacional e entreguista que atenta contra a Argentina e seu povo. Para aprovar a Lei de Bases, que lhe concedeu poderes especiais para desmantelar o Estado, foi crucial que um senador e uma senadora alterassem seu voto. Desde 2024, o senador se encontra preso no Paraguai ao ser flagrado com US$ 200.000 em dinheiro vivo, enquanto a senadora foi nomeada embaixadora na UNESCO no mesmo dia para ficar longe das câmeras.
A lista de escândalos não tem fim e vai desde malas contrabandeadas para o país no avião de um empresário ligado ao presidente, com a atenciosa ajuda de autoridades aeroportuárias, até malabarismos com criptomoedas e descarados subornos na compra de medicamentos com fundos da agência de assistência a deficientes. Tudo em meio ao brutal arrocho salarial, ao crescimento do desemprego e ao desmantelamento da Saúde Pública.
Vários institutos de pesquisa colocam o desemprego no topo da lista de preocupações dos argentinos, superando os 55%, enquanto a pobreza e a desigualdade social ocupam o segundo lugar. Segundo o Instituto de Estatísticas e Tendências Sociais e Econômicas, 91% dos domicílios contraíram dívidas em 2024 – e, destes, 58% o fizeram para adquirir alimentos.
O fato é que para seu governo bancar a política de “superávit fiscal”, milhares de funcionários públicos perderam seus empregos – com a redução do quadro estatal em mais de 10% – “professores não conseguem continuar lecionando nas universidades estatais, devido aos baixos salários”, como relata a BBC, “isso sem falar no grave estado de muitas estradas e em outros tipos de infraestrutura afetados pela eliminação quase total dos gastos em obras públicas”. Um relatório recentemente publicado pelo Centro de Economia e Política Argentina (Cepa) indica que a perda do poder aquisitivo das aposentadorias e pensões representa 19,2% dos cortes nos gastos estatais em 2024.
“MILEI É VINGANÇA OLIGÁRQUICA DOS GRUPOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS”
O Instituto de Pensamento e Políticas Públicas (PyPP) e o Instituto de Estudos e Treinamento (IEF) da Argentina lançaram um documento definindo o governo de Javier Milei como “uma nova vingança oligárquica, apoiada por grandes grupos financeiros internacionais e setores locais dominantes, que busca consolidar um regime trabalhista ultraflexível”.
De acordo com estas instituições, sob a retórica do combate a uma hipotética “casta”, nos últimos 20 meses está sendo implementada uma estratégia de reformas estruturais regressivas, que tem atacado o Estado nacional, destruído a indústria local e acelerado a regressão das relações trabalhistas.
Com este objetivo, o governo ultraneoliberal vem impondo “salários mais baixos, condições de emprego mais precárias, menos direitos para trabalhadores cuja relação com os empregadores ainda é regida pela legislação trabalhista, enxugamento e reestruturação do setor público, maior mercantilização de direitos sociais como saúde e educação, e transferência dos custos da impossibilidade de participar do mercado de trabalho para as famílias (pessoas com deficiência, aposentados e pensionistas, etc.)”.
“Todas essas dimensões fazem parte dessa nova fase da ofensiva do capital contra o trabalho, que inclui uma redução generalizada das estruturas e funções do Estado Nacional e, em certa medida, tende a ser obscurecida pelos holofotes da batalha falaciosa contra uma suposta casta política e do uso de insultos e agressões como forma de ação política”, observa o documento. Mas, o fato, alerta o relatório, é que “para além dessa superfície discursiva, o cerne da estratégia – inclusive explicitado no acordo com o FMI – é avançar em reformas estruturais regressivas: uma reforma trabalhista que vise garantir flexibilidade absoluta nas contratações e minimizar os custos trabalhistas; uma reforma da Previdência que busque cortar gastos, restringindo-os a um nível mínimo de assistência e abrindo caminho para a privatização; e uma reforma tributária que vise desfinanciar o Estado e reduzir ainda mais a já escassa carga tributária sobre a renda, e os ganhos das empresas, com o único objetivo de maximizar a taxa de lucro”.
POBREZA E MISÉRIA ENTRE OS ASSALARIADOS
Um dos principais sinais que escancara a gravidade da crise, aponta o documento, é que cresceu a incidência da pobreza entre os trabalhadores empregados. “Os crescentes níveis de precariedade contribuem para que grande parte da classe trabalhadora tenha que vender sua força de trabalho abaixo do seu valor, expresso no preço de uma determinada cesta de bens”. Em outras palavras, assinala o relatório, os trabalhadores “recebem remuneração insuficiente para atingir um patamar de consumo que garanta condições mínimas de reprodução”. “Se tomarmos como referência os valores das cestas básicas oficialmente utilizados para medir a pobreza e a extrema pobreza, verifica-se que, no quarto trimestre de 2024, 28% dos trabalhadores são pobres (vivendo em domicílios que não conseguem arcar com a Cesta Básica Total) e 4% têm renda familiar que não cobre sequer a Cesta Básica, ou seja, estão em situação de miséria” e insegurança alimentar.