
Estratégia de “desburocratização” do governo estadual é apontada pela PF como fachada para organização criminosa que fraudava licenças
O resultado das investigações da Operação Rejeito, deflagrada pela Polícia Federal nesta semana, escancara o elo entre o Governo Romeu Zema (NOVO), o bolsonarismo e as mineradoras em Minas Gerais. Deflagrada na quarta-feira (17), a ação investiga uma organização criminosa responsável por fraudes em processos de licenciamento ambiental para a mineração no Estado.
A operação cumpriu 79 mandados de busca e 17 de prisão em Belo Horizonte e em outras cidades de Minas Gerais. As ações ocorreram em locais como a Cidade Administrativa, imóveis de alto padrão e sedes de mineradoras. Entre os detidos estão o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Mário Seabra, empresários, servidores públicos e até um delegado. Conforme as investigações, o grupo criminoso atuava em mais de 40 empresas do setor mineiro, gerando prejuízos que podem chegar a bilhões de reais.
A ofensiva da PF aponta para um esquema de corrupção sistêmica dentro de órgãos públicos ambientais do estado, e a operação já prendeu 15 pessoas até sexta-feira (19), entre elas aliados diretos do deputado federal Nikolas Ferreira (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros nomes da ala bolsonarista da política mineira.
Entre os detidos, está Gilberto Henrique Horta de Carvalho, de 38 anos, apontado como o principal lobista político da organização criminosa que atua na liberação de licenças ambientais mediante o pagamento de propina. Carvalho é aliado declarado de Nikolas Ferreira, tendo recebido apoio público do deputado e de Jair Bolsonaro em sua campanha, em 2023, à presidência do Crea-MG (Conselho Regional de Engenharia, Agronomia e Geociências). Embora tenha sido derrotado, sua candidatura já expressava pautas típicas da agenda bolsonarista, como o combate ao que chamava de “excesso de multas ambientais”.
Carvalho também tem laços estreitos com a base do PL em Belo Horizonte. Foi assessor da ex-coronel Cláudia Romualdo (PL) na chapa com Bruno Engler (PL) à prefeitura de BH, e, até este mês, atuava no gabinete do vereador Uner Augusto (PL). Ele também aparece em fotos e eventos com outros nomes da extrema-direita mineira, como Pablo Almeida (ex-assessor de Nikolas) e Willi, ligado a Engler.
Segundo a PF, ele articulava diretamente com a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad), chefiada por Marília Carvalho, braço direito do Governo Zema. O suspeito é acusado de intermediar favorecimentos ilegais a empresas do setor mineiro, alterando normativas e facilitando concessões de licenciamento ambiental em troca de vantagens financeiras ilícitas. A corporação apura o pagamento de mais de R$ 3 milhões em propinas por cerca de 40 empresas.
Outro preso na ação, Rodrigo Franco, ex-presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), teria inclusive ameaçado entregar comparsas. Segundo o jornal O Estado de Minas, ele disse a um interlocutor: “Se acontecer algo comigo, vou entregar a turma”. Franco também afirmou ser um “pau mandado” e que as ordens “vinham de cima”.
Sua prisão ocorreu no último dia 13, meses depois de ter sido homenageado pelo Governo de Minas com a Medalha de Mérito Ambiental, criada em 2023 para reconhecer contribuições à sustentabilidade. A honraria foi entregue por Marília Melo, durante a Semana do Meio Ambiente. Curiosamente, ele próprio integrou a comissão que escolheu os condecorados. Rodrigo foi exonerado dias antes da prisão, em decisão do governo que classificou a medida como “preventiva” diante de rumores sobre sua conduta.
A defesa de Franco afirmou que ele jamais comentou sobre as investigações em andamento, tampouco assumiu culpa ou citou terceiros. Segundo o advogado Estevão Melo, a reportagem d’O Estado de Minas erra ao sugerir que o cliente teria conhecimento prévio de uma operação sigilosa, o que seria impossível.
Além de Franco, outras quatro pessoas ligadas à Feam e uma quinta, vinculada ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), foram apontadas pela Polícia Federal como suspeitas de participação no esquema.
Também preso, apontado como articulador político e institucional da quadrilha que favorecia as mineradoras, o ex-deputado estadual João Alberto Lages é acusado de usar sua influência para intermediar contratos fraudulentos e de atuar junto à Semad. Com um histórico político que remonta aos governos de Aécio Neves (PSDB) e a passagens por cargos estratégicos na administração pública, ele simboliza a continuidade da velha política agora reeditada pelo bolsonarismo mineiro.
De acordo com as investigações, a organização criminosa criava empresas de fachada, manipulava normas ambientais, redigia atos administrativos falsos e articulava diretamente com políticos para viabilizar os esquemas. “Um sistema articulado de corrupção com ramificações institucionais profundas, envolvendo tanto o poder público quanto o setor empresarial”, descreveu a Polícia Federal.
A operação também expõe a permissividade e o incentivo do governo Romeu Zema a práticas de mineração predatória no Estado. Desde o início de seu mandato, Zema vem defendendo publicamente a “desburocratização” dos processos de licenciamento ambiental, discurso que, na prática, abriu caminho para o enfraquecimento da fiscalização e o avanço de empreendimentos com histórico de danos socioambientais. Em diversas ocasiões, o governador se posicionou contra o que chama de “excesso de regulação ambiental”, alinhando-se aos interesses das mineradoras – setor que tem sido beneficiado sistematicamente por decisões políticas de seu governo.
Em 2023, Zema foi duramente criticado por ambientalistas e organizações civis ao apoiar projetos de mineração em áreas de alto risco ecológico, como o caso da Serra do Curral, em Belo Horizonte, onde o licenciamento foi concedido de forma acelerada, mesmo diante de pareceres técnicos contrários. A conivência do governo estadual com os interesses do setor reforça a percepção de que Minas Gerais virou um território livre para a mineração predatória, à custa da devastação ambiental e da violação de direitos de comunidades afetadas.
A “reforma” promovida pela sua gestão, que transferiu a fiscalização ambiental da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para a Feam, resultou no completo desmonte da função fiscalizatória. Na Semad, a fiscalização era realizada por servidores efetivos, selecionados por concurso público, com amplo domínio sobre o território de Minas Gerais. Eles atuavam com autonomia técnica e com foco no interesse público, sem se subordinar a vontades políticas ou a pressões de setores econômicos.
“Zema está aplicando uma política de morte. As consequências vão aparecer daqui a 10, 20 ou 30 anos, na forma de escassez, miséria e doença”, alerta o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (Sindsema/MG), Wallace Oliveira. “As mineradoras conseguem avançar sobre territórios e comunidades sem a devida fiscalização porque o estado está fragilizado. O governo escolheu esse caminho”, denunciou.
O governo de Romeu Zema não se manifestou sobre as relações da secretária do Meio Ambiente com os principais alvos da operação. O vereador Uner Augusto (PL), por sua vez, afirmou que a contratação de Gilberto Carvalho foi para serviços técnicos e disse estar “surpreso” com sua prisão. Nenhuma figura do PL, incluindo Nikolas Ferreira, se pronunciou até o momento.
A operação joga luz sobre a aliança entre o bolsonarismo e o lobby da mineração, que nos últimos anos tem buscado flexibilizar leis ambientais para favorecer grandes empreendimentos, frequentemente em detrimento de comunidades locais, territórios indígenas e da própria sustentabilidade ambiental.
Minas Gerais, marcada por tragédias recentes como as de Brumadinho e Mariana, volta a ser palco de um esquema onde o lucro de poucos se sobrepõe à segurança e ao meio ambiente de milhões. A ligação direta entre os investigados e nomes de destaque da extrema-direita nacional revela que o discurso contra “a indústria da multa” pode ter sido, na verdade, um verniz ideológico para encobrir interesses escusos e práticas criminosas.