O secretário de Estado da Flórida, Ken Detzner, determinou, sábado, 10 a recontagem dos votos no Estado, como manda a lei eleitoral.
“Estão tentando ROUBAR duas grandes eleições na Flórida! Estamos acompanhando!”, esbravejou Trump, via tuite, assim que o secretário ordenou a recontagem.
O que acontece, ao contrário do irado tuite, é que Detzner segurou a recontagem o quanto pode tentando garantir uma vitória, agora contestada, para os republicanos Ron DeSantis, govenador e Rick Scott para senador. Eles foram declarados ‘eleitos’ apesar de que a lei é clara a respeito da recontagem obrigatória. Ela determina a recontagem dos votos através dos resultados, a cada máquina, sempre que a diferença final dos votos validados esteja abaixo de 0,5% entre dois concorrentes e manda que haja a recontagem manual sempre que o resultado esteja abaixo da margem de 0,25% (a margem entre os candidatos a governo está em 0,15%).
A disputa na Flórida é com os candidatos democratas Andrew Gillum para governador e Bill Nelson para senador e a pesquisa de boca de urna da rede MSNBC dava vitória por estreita margem a Andrew Gillum.
Portanto, a recontagem não tem nada de roubo e o arroubo, via tuite, de Trump é, na verdade, uma tentativa desesperada de evitar a ampliação da derrota eleitoral que colheu nestas eleições intermediárias, quando perdeu o controle da House (equivalente à Câmara dos Deputados). No complicado (para não dizer confuso) sistema eleitoral norte-americano o resultado final ainda está sendo finalizado. Mas, o mais recente (fonte Washington Post), aponta um resultado de 227 a 198 cadeiras a favor dos democratas, antes das eleições a situação era de vantagem republicana (235 a 193, com 7 cadeiras vagas). Também já conta com uma perda de 7 governadores. Se a recontagem apontar para uma vitória democrata também no importante Estado da Flórida (com peso decisivo nas eleições presidenciais), a perda republicana pode chegar a 8 governos estaduais. Além disso, as eleições da Geórgia, para governador (Estado hoje sob comando republicano) ainda não têm resultado declarado.
O sistema falho das eleições norte-americanas mostra como o sistema é falho e torna justa a decisão de recontar. Na Flórida, e em diversos outros Estados, as máquinas que computam os votos são alimentadas por cartões marcados com uma caneta que é inserida em furo. Acontece que este sistema acaba favorecendo o surgimento de milhares de votos nulos involuntários. Basta para isso que o eleitor marque de forma leve o cartão de forma a ficar não detectável para as máquinas (são os chamados undervotes) ou que o eleitor marque em mais de um furo, mesmo que em um deles a marca esteja claramente mais pronunciada (os chamados overvotes).
Quando os escrutinadores são de Estados dominados por republicanos é costume exacerbar o número de undervotes e overvotes reduzindo a votação em urnas onde os democratas lideram. Ou seja, roubam nas eleições. O que quer dizer que Trump está acusando os outros daquilo que seus partidários já haviam feito na Flórida em 2000 e em Ohio em 2004 para tomar a Casa Branca duas vezes a favor de Bush.
A fraude do ano 2000 na Flórida
No ano 2000, foi na Flórida que ocorreu a fraude que levou George W. Bush à presidência dos Estados Unidos (e que entre suas nefastas medidas estaria a invasão do Iraque, 2003).
Naquele caso, com o governo da Flórida nas mãos dos republicanos, os advogados do candidato democrata, Al Gore, recorreram e conseguiram a recontagem dos votos por ordem da Corte Suprema da Flórida. A diferença entre os candidatos estava caindo vertiginosamente apontando para chances reais de Gore vencer, mas, quando a diferença estava em 154 votos a favor de Bush, a Suprema Corte dos Estados Unidos ordenou que ela fosse suspensa. (Fonte: BBC, matéria de 09 de dezembro de 2000 intitulada Suprema Corte dos EUA suspende recontagem de votos na Flórida).
Como o sistema eleitoral norte-americano, um dos mais retrógrados e antidemocráticos, elege o presidente através de um colégio eleitoral e não através do voto direto, a Flórida manda 25 eleitores para o colégio. A eleição naquele ano dependia do resultado da Flórida e os 25 votos daquele Estado foram para Bush. Gore, à época, não sustentou a posição e concordou com a vitória de Bush, negando-se a recorrer.
Em 2004, registramos as denúncias de Jesse Jackson: “Os votos de Ohio que decidiram as eleições deste ano foram corrompidos por irregularidades e discrepâncias – muitas vezes partidárias – intoleráveis. Essa situação não passa nem pelo teste do mau cheiro”, denunciou Jesse Jackson, ex-senador pelo Partido Democrata e principal líder da luta pelos direitos civis e contra o racismo nos EUA.
E adiante “O ultraje intolerável é o fato de que o secretário de Estado de Ohio, responsável pelas eleições, Kenneth Blackwell – assim como Katherine Harris da Flórida em 2000 – teve um duplo papel: secretário para os procedimentos eleitorais e chefe de campanha de Bush no mesmo Estado”.
“Kenneth Blackwell é a raposa tomando conta do galinheiro. Deve renunciar para que uma completa investigação, contagem e recontagem dos votos possa acontecer. O dono de um time não pode ser ao mesmo tempo o juiz da partida”. (Fonte: matéria do Hora do Povo, edição 2.324, 10 a 14 de dezembro de 2004).
NATHANIEL BRAIA