
Atentado deixa um imigrante morto e mais feridos gravemente. Nenhum policial foi sequer ferido, mas Trump culpa pela violência aqueles que denunciam o seu ataque a imigrantes
Na manhã de quarta-feira (24), um atirador de elite disparou vários tiros contra imigrantes que estavam sendo transferidos no escritório do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) em Dallas, Texas. Segundo as informações, pelo menos um imigrante detido foi morto e outros dois estão gravemente feridos. O atirador, aparentemente, se suicidou. Nenhum agente da patrulha anti-imigração ficou sequer ferido.
Até agora, os nomes dos imigrantes mortos/feridos não foram divulgados pelo Departamento de Segurança Interna (“Homeland”). O Consulado Geral do México em Dallas confirmou ser mexicano um dos gravemente feridos. Trata-se do 16º assassinato de uma pessoa enquanto estava sob custódia da Gestapo de imigração este ano.
A polícia identificou o atirador como sendo Joshua Jahn, de 29 anos, que não tinha um histórico violento, exceto um porte de maconha em 2015, em outro condado do Estado.
Ainda segundo a polícia local, haveria afixado no painel traseiro do passageiro do veículo de Jahn um mapa do território continental dos Estados Unidos, com grandes manchas pretas em grande parte do país, e a legenda: “A precipitação radioativa de detonações nucleares passou por essas áreas mais de 2x desde 1951”.
As fotos indicam que vários tiros foram disparados contra a van que transportava os imigrantes e também contra o próprio prédio. Portanto, não está claro se seriam os imigrantes o alvo, ou os agentes do ICE.
AGENDA FASCISTA DE TRUMP
O que não impediu de, imediatamente, o governo Trump aproveitar para promover sua agenda fascista e atacar a oposição, à semelhança do que aconteceu em relação ao apresentador trumpista Charlie Kirk. Assim, o tiroteio de Dallas está sendo usado para atacar os direitos democráticos de todos.
Menos de duas horas após o início do ataque a tiros, o diretor do FBI, Kash Patel, já clamava que haveria um “motivo ideológico (sic)” por trás dos tiros. Patel é aquele que ganhou fama por não saber onde foi parar a lista de clientes do pedófilo Epstein. Ele postou uma imagem de cinco cartuchos vazios no pavimento, com a frase “ANTI-ICE” escrita em marcador azul, como suposta evidência de tal “motivação”.
De acordo com Jason Jahn, irmão do atirador Joshua, revelou a Reuters, este não estava interessado em política e não expressou opiniões anti-ICE ou anti-imigração. Jason contou que “nunca o ouviu falar sobre o ICE” e ficou chocado com a inscrição nas balas.
Menos de duas semanas atrás, após o assassinato de Charlie Kirk, os republicanos alegaram que uma das balas inscritas pelo atirador indicava uma clara ideologia “antifascista”. Depois se tornou evidente que as inscrições faziam referências, isso sim, a um videogame popular.
Aliás, fazer inscrições nas munições é um costume muito americano, como a cena famosa da então embaixadora dos EUA na ONU e ex-governadora, Nikky Haley, no primeiro mandato de Trump, ao visitar Israel, em que ela inscreve, em uma bomba destinada aos civis palestinos, “acabe com eles”.
De acordo com o New York Times, Jahn tinha um “extenso histórico online”, incluindo duas contas do Reddit em que ele falava sobre “videogames, carros, ‘South Park’ e maconha”. O Times relatou que Jahn morava com seus pais em um subúrbio do extremo norte de Dallas “há alguns meses”.
A Associated Press informou que, em 2017, Jahn trabalhou em uma fazenda legalizada de maconha em Washington como colheitadeiro. O dono da fazenda, Ryan Sanderson, disse à AP: “Ele era um garoto a mil milhas de casa, realmente não parecia ter nenhuma direção, vivendo em seu carro em uma idade tão jovem”. Sanderson não se lembrava de Jahn “ser tão anormal. Ele não parecia brigar com ninguém ou causar problemas. Ele mantinha a cabeça baixa e continuava trabalhando.”
O que não impediu Trump de correr para sua rede Truth Social, para designá-lo como “um extremista de esquerda politicamente motivado”. Em sua conta de mídia social, Trump arengou:
“Isso é desprezível! Os bravos homens e mulheres do ICE estão apenas tentando fazer seu trabalho e remover o ‘PIOR dos PIORES’ criminosos de nosso país, mas estão enfrentando um aumento sem precedentes de ameaças, violência e ataques de esquerdistas radicais enlouquecidos. Essa violência é o resultado dos democratas radicais de esquerda constantemente demonizando a aplicação da lei, pedindo que o ICE seja demolido e comparando os oficiais do ICE a ‘nazistas’. A violência contínua dos terroristas radicais de esquerda, após o assassinato de Charlie Kirk, deve ser interrompida. Os oficiais do ICE e outros bravos membros da aplicação da lei estão sob grave ameaça. Já declaramos a ANTIFA uma organização terrorista e assinarei uma ordem executiva esta semana para desmantelar essas redes de terrorismo doméstico. ESTOU PEDINDO A TODOS OS DEMOCRATAS QUE PAREM COM ESSA RETÓRICA CONTRA O ICE E A APLICAÇÃO DA LEI DA AMÉRICA, AGORA MESMO! A administração Trump está totalmente comprometida em apoiar a aplicação da lei, fronteiras fortes, proteger nossa pátria, deportar criminosos ilegais violentos e erradicar totalmente o terrorismo doméstico de esquerda que está aterrorizando nosso país. Obrigado por sua atenção a este assunto!”
No X, a secretária do DHS (Department of Homeland Security- equivalente a Ministério de Segurança Nacional), Kristi Noem, postou cerca de uma hora após o início do ataque que havia “vários feridos e mortes”, sem esclarecer que nenhum dos feridos era policial. E acrescentou: “embora ainda não saibamos o motivo, sabemos que nossa aplicação da lei do ICE está enfrentando uma violência sem precedentes contra eles. Deve parar.”
Uma subordinada de Noem, Patricia McLaughlin, conclamou os democratas – e citou o governador da Califórnia, Gary Newson, e a deputada de Nova Iorque, AOC – a “suavizar a retórica”, que supostamente estaria “contribuindo diretamente para a violência contra nossa aplicação da lei”.
Por sua vez, o vice de Trump, JD Vance, asseverou que o atirador era um “extremista de esquerda violento” e que teria sido “politicamente motivado a ir atrás da aplicação da lei”. “Eles estavam politicamente motivados a ir atrás de pessoas que estavam impondo nossa fronteira. E eu acho que isso é a coisa mais nojenta.”
Segundo Vance, a oposição que existe em grande parte da sociedade norte-americana contra a brutal caçada aos imigrantes, que não respeita sequer porta do tribunal, local de trabalho, igreja ou creche, é causada pela denúncia da oposição de que tal truculência – “nossa aplicação da lei”, ele diz – é igualzinho “à Gestapo”.
Fazendo de conta que não são os best friends dos Proud Boys e da turma que assaltou o Congresso em 6 de janeiro de 2020, aos gritos de “enforquem Pence”, Vance assevera que a receita para “parar a violência” é a oposição parar de chamar os trumpistas – com seu fascismo, racismo, assalto aos direitos, racismo e xenofobia – de “nazistas”. Curiosamente, em 2016, quando ainda não fazia parte dos “maravilhosos segredos” de Trump, ele chegou a caracterizar o bilionário, pública e privadamente, como “o Hitler da América”.
Agora, cinicamente, Vance cobra “dos meus colegas democratas” que expliquem “por que as pessoas do lado deles do corredor político parecem estar envolvidas nesses ataques politicamente motivados”. Mas é público e notório que, nos EUA, essa violência está intrinsecamente ligada à extrema-direita, como a explosão de um prédio federal, em Oklahoma em 1995 que matou 168 pessoas e feriu mais de 600, no governo de Bill Clinton.
Não é por causa da “retórica” da oposição que existe essa repulsa de milhões de pessoas à xenofobia do governo Trump e à caça aos imigrantes, mas pela truculência da patrulha anti-imigrantes, que não respeita nada, sequestra a rodo, separa famílias e deporta até crianças, e pelo SEU caráter abertamente antidemocrático e racista.
É isso que faz milhões de pessoas nos EUA serem hostis aos patrulheiros que agem mascarados e fortemente armados, ainda mais quando Trump afronta com o envio de seus jagunços e da Guarda Nacional às maiores cidades de forte presença de afro-americanos, como já ocorre em Washington, e a Casa Branca já prepara uma incursão contra Chicago.
Quanto a quem “radicaliza” e quem precisa “suavizar a retórica”, é só conferir a farta publicação, pelo governo Trump e em particular pelos agentes da Segurança Interna, de conteúdo explicitamente fascista glorificando suas operações criminosas e desumanizando os imigrantes, transformados em bodes expiatórios da decadência norte-americana.