A China como superpotência verde

Fazenda solar na China (foto: reprodução)


ALEXANDER DERGAY


Só em maio, 100 células solares foram conectadas à rede a cada segundo”

A transição energética já não diz mais respeito ao se, mas ao como. As metas climáticas não podem ser adiadas. Nas últimas duas décadas, a China concentrou deliberadamente seu poder industrial em energias renováveis, estabelecendo padrões globais em solar, eólica, baterias e mobilidade elétrica. Para a Europa, o desafio é claro: como trilhar seu próprio caminho sem cair em dependências perigosas?

Em entrevista ao Berliner Zeitung, a especialista em energia chinesa Belinda Schäpe, do Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA), analisa o boom sem precedentes de energias renováveis na China, as deficiências da política industrial europeia e os riscos crescentes das cadeias de suprimentos globais. Schäpe argumenta que reciclagem e inovação serão chaves estratégicas — e alerta que a Europa só atingirá suas metas climáticas se desenvolver uma estratégia geopolítica coerente.

ENERGIA NUCLEAR NA MATRIZ CHINESA

Schäpe lembra que a China não é apenas uma potência nuclear militar, mas continua a construir reatores civis. Com cerca de 60 gigawatts de capacidade, o país ocupa a terceira posição global, atrás dos Estados Unidos e da França. Nos últimos três anos, mais de dez novos projetos foram aprovados anualmente. Isso pode soar substancial para ouvidos alemães, diz ela, mas em comparação com o restante do sistema elétrico da China, é pouco. O país já conta com cerca de 1.600 gigawatts de capacidade eólica e solar — aproximadamente 25 vezes mais do que sua produção nuclear — e esse setor cresce de forma explosiva.

“Só neste ano”, observa Schäpe, “a China vai acrescentar nove vezes mais energia solar e eólica do que possui em toda a sua capacidade nuclear. A energia nuclear provavelmente permanecerá parte da matriz a longo prazo, mas com uma participação relativamente modesta, de cerca de dez por cento.”

Os Reatores Modulares Pequenos (SMRs) continuam controversos. Críticos os consideram caros demais, inseguros e nada novos; os EUA já experimentavam eles nos anos 1950. Na China, há pesquisa, mas é improvável que desempenhem papel decisivo na descarbonização, em especial por serem mais vulneráveis e difíceis de proteger. Quanto à fusão nuclear, permanece altamente especulativa: “Há cinquenta anos, sempre se promete que estará pronta em quinze anos”, diz Schäpe. Mesmo na China, há pouquíssima informação confiável. “Se algum dia se tornar viável comercialmente, poderá ser transformadora”, admite, “mas simplesmente não temos esse tempo. A crise climática não vai esperar. O que importa são as tecnologias já disponíveis — e isso significa, sobretudo, a energia solar, tornada acessível pela produção em massa chinesa.”

COMO A CHINA SE TORNOU LÍDER

A ascensão verde da China não aconteceu da noite para o dia. Já nos anos 1990 e 2000, o governo declarou as renováveis uma prioridade estratégica, oferecendo às empresas segurança de planejamento. Quando Xi Jinping anunciou as metas climáticas em 2020, já era evidente que a demanda por tecnologia verde dispararia.

O modelo se manteve consistente: Pequim define a direção, as províncias competem para abrigar as melhores empresas e estas travam batalhas de preço e inovação. Esse processo tornou painéis solares e baterias cada vez mais baratos e eficientes. O mesmo ocorreu com os veículos elétricos. Já no início dos anos 2000, os chamados “Veículos de Nova Energia” — de carros elétricos a modelos híbridos e a hidrogênio — foram elevados a prioridade nacional. Em 2023, a China vendeu mais carros elétricos do que o restante do mundo somado.

A EUROPA NA ENCRUZILHADA

Isso significa que a Europa perdeu a corrida? Não necessariamente, argumenta Schäpe. O continente ainda possui ativos formidáveis: universidades de ponta, sólidos centros de pesquisa e indústrias competitivas em áreas como energia eólica, bombas de calor e eficiência energética. Além disso, grande parte da criação de valor em renováveis está nas etapas posteriores à produção — instalação, integração, serviços — em que as empresas europeias têm boas oportunidades.

Mas a credibilidade da Europa está em jogo. É necessária uma política industrial clara e consistente. Schäpe enfatiza que não basta apenas destinar verbas: “Se continuarmos a reabrir o debate sobre nossas metas climáticas — como ocorreu recentemente com a fase de eliminação dos motores a combustão em 2035 — geramos enorme incerteza na indústria.” A China, por sua vez, persegue uma estratégia coerente e intransigente em favor da mobilidade elétrica e continua expandindo seus mercados. “Se acreditarmos que os motores a combustão ainda oferecem mercados futuros, estaremos caminhando de olhos abertos para um beco sem saída”, adverte.

Para Schäpe, política industrial real significa definir diretrizes de longo prazo, direcionar a inovação e — o que é crucial — ouvir as próprias empresas. Startups e empreendedores precisam apontar obstáculos em financiamento, burocracia ou competição, e os formuladores de políticas devem responder. Apenas com esse ciclo de retorno é possível criar uma estratégia forte o bastante para competir com a China e os Estados Unidos.

O DILEMA DAS CADEIAS DE SUPRIMENTO

Um dos temas mais urgentes é a dependência europeia da China para tecnologias críticas. Cerca de 90% dos insumos mundiais essenciais para as renováveis hoje têm pegada chinesa.

Schäpe distingue essa situação da dependência do gás russo. O gás era existencial, explica — não havia como simplesmente desligá-lo. As renováveis são diferentes: uma vez construídas, instalações solares e eólicas continuam a produzir, independentemente de interrupções comerciais. Ainda assim, a expansão futura poderia ser prejudicada. A lição é clara: “Devemos evitar novas dependências. Isso significa cadeias de suprimento diversificadas, capacidade de armazenamento e acordos comerciais confiáveis.”

Em minerais críticos — como lítio, germânio e neodímio — a China consolidou domínio no processamento, mesmo que muitas matérias-primas venham de outros lugares. A Europa precisa urgentemente de capacidade própria de processamento. Isso se conecta diretamente à economia circular. Durante décadas, a Europa enviou seu lixo à China, onde surgiram indústrias de reciclagem hoje estreitamente ligadas às cadeias de suprimentos verdes. A Europa carece dessas estruturas — e deve criá-las. “Se pudermos reutilizar recursos, também melhoraremos dramaticamente a segurança de suprimento”, explica Schäpe.

A União Europeia, portanto, deve tratar a reciclagem como prioridade estratégica, ao lado de novos investimentos. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, destacou isso em seu recente discurso sobre o “Estado da União” — e com razão. A inovação também precisa fazer parte da equação: a China domina as terras raras porque investiu cedo em pesquisa, mas outros materiais ou novas tecnologias de baterias podem muito bem definir o futuro.

TAIWAN, RESILIÊNCIA E O PIOR CENÁRIO

E se as tensões em torno de Taiwan escalarem, talvez com um bloqueio ou restrições às exportações? Schäpe reconhece que é um cenário extremo, mas que a Europa não pode ignorar. A resposta é a mesma para qualquer risco de cadeia de suprimentos: reservas estratégicas, investimento doméstico, parcerias com terceiros países e estratégias de economia circular. “Isso nos torna menos vulneráveis — seja a partir de crises geopolíticas, desastres naturais ou choques econômicos”, diz. Simulações são trabalhosas, mas essenciais se a Europa quiser levar a sério sua segurança energética.

A CHINA LEVA MESMO A SÉRIO O CLIMA?

A imagem da China como país sufocado por carvão e poluição já não corresponde à realidade. Há dez anos, visitantes de Pequim ou Xangai viam uma névoa constante; hoje, a qualidade do ar melhorou dramaticamente, fruto direto de políticas ambientais e climáticas que estão intimamente ligadas.

A China estabeleceu duas grandes metas: atingir o pico de emissões de CO₂ antes de 2030 e ser neutra em carbono até 2060. Há sinais de que o pico pode ocorrer ainda antes. Desde março de 2024, as emissões vêm caindo de forma constante; no primeiro semestre de 2025, caíram 1% apesar do aumento da demanda por energia e do crescimento econômico. Isso é inédito: no passado, as emissões só diminuíam em períodos de recessão. Agora, estão caindo graças ao ritmo recorde da expansão renovável.

A ESCALA DO BOOM RENOVÁVEL

O ritmo é impressionante. Só em maio de 2025, a China conectou mais de 90 gigawatts de energia solar à rede — o equivalente a cerca de 100 células solares por segundo. O país já atingiu sua meta de 2030 de 1.200 gigawatts de capacidade eólica e solar — seis anos antes do previsto. Nos primeiros sete meses de 2025, quase 280 gigawatts de capacidade solar foram instalados — aproximadamente o dobro da capacidade total de eólica e solar da Alemanha somadas.

A CONTRADIÇÃO DO CARVÃO

Ainda assim, o carvão continua no quadro. Ele permanece sendo o combustível fóssil mais importante da China: barato, disponível e a base das economias provinciais durante décadas. Após apagões em 2021 e 2022, Pequim aprovou uma onda de novas usinas a carvão — cerca de dois projetos por semana em 2022 e 2023. Agora em construção, essas usinas trouxeram, no primeiro semestre de 2025, o maior número de novas plantas a carvão em quase uma década.

A contradição é real, admite Schäpe. Mas há nuances. Muitas dessas usinas estão operando abaixo da capacidade, já que a eólica e a solar estão cobrindo grande parte da demanda adicional. Como resultado, a participação do carvão na matriz atingiu uma baixa histórica. O carvão ainda existe, mas cada vez mais à margem.

UM IMPERATIVO ESTRATÉGICO PARA A EUROPA

A mensagem de Schäpe é clara: a China avança em ritmo acelerado, estabelecendo padrões globais em energia renovável e tecnologia verde. A Europa não pode se dar ao luxo da complacência. Para permanecer competitiva e alcançar suas metas climáticas, deve adotar uma política industrial de longo prazo, investir em inovação, desenvolver reciclagem e capacidade de processamento, diversificar cadeias de suprimento e, sobretudo, enviar sinais consistentes.

“As metas climáticas só podem ser cumpridas com uma estratégia geopolítica clara”, conclui Schäpe. “Sem isso, a Europa corre o risco não apenas de fracassar em seus objetivos, mas também de ser deixada para trás na nova ordem energética global.”

Alexander Dergay é editor do Berliner Zeitung, onde este artigo foi originalmente publicado. Antes de ingressar na editoria de Geopolítica, atuou como consultor político e analista de riscos geopolíticos. Formou-se em Estudos Russos em Potsdam, Estudos Globais na London School of Economics e na Universidade de Viena, e Estudos Chineses na Universidade Livre de Berlim, com períodos de estudo em Pequim, Kiev e Moscou. Suas principais áreas de atuação incluem: o espaço pós-soviético, Ásia Oriental, Oriente Médio, energia, e políticas de segurança e energia.

Este artigo nos foi enviado, da Irlanda, pela professora Jenny Farrel, também responsável pela tradução.

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