Irã rechaça retomada de sanções imposta por Washington e Londres

Ministro do Exterior do Irã, Seyed Abbas Araghchi, denuncia que "EUA mina resoluções da ONU" (Min. Rel. Exteriores do Irã)

Em carta ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, o Irã afirmou que a restauração de sanções pelo chamado “mecanismo de retorno rápido” (“snapback”) é “ilegal e processualmente falha e, portanto, nula e sem efeito”.

No documento, o Irã rechaça o que considera “uma demonstração clara de uma chamada ‘ordem baseada em regras’, onde um governante dita [referindo-se aos EUA] e o E3 [composto pela França, Alemanha e Reino Unido] apenas obedece”.

O mecanismo é formalmente parte de um acordo, o JCPOA, instituído pela resolução 2231 do Conselho de Segurança, que foi assinado pelo Irã, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha, e que, em troca do regime mais duro de fiscalização nuclear já implementado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em um país, suspendia as sanções contra o Irã e restaurava o comércio com o país.

No entanto, três anos após ser assinado pelo presidente Obama e ser rigorosamente cumprido por Teerã, o JCPOA foi rasgado por Trump, que retirou os EUA unilateralmente e reimpôs sanções brutais, a ponto de tentar impedir que o Irã exportasse seu petróleo, principal fonte de divisas do país para todas as suas necessidades.

Enquanto o assim chamado E3, na prática, de recuo em recuo se submeteu aos ditames de Washington. Situação diante da qual, reafirmando seu compromisso com o caráter pacífico de seu programa nuclear, o Irã ampliou o enriquecimento de urânio – como é do direito de qualquer país – enquanto mantinha os inspetores da AIEA e seus mecanismos de fiscalização.

Os inspetores só foram afastados temporariamente após bombardeio das instalações nucleares sob custódia da AIEA por Trump e Netanyahu. Isso, apesar de evidências de que, através da AIEA, foram vazadas informações que permitiram o assassinato de cientistas nucleares iranianos por terroristas israelenses.

Como lembrou o ministro das Relações Exteriores do Irã, Seyed Abbas Araghchi, o E3, recusando-se a cumprir suas próprias obrigações, “não conseguiu esgotar o Mecanismo de Resolução de Disputas do JCPOA, minou ativamente a resolução 2231 (2015), que suspendia as restrições ao Irã, ao exigir arranjos além de seu escopo e até justificou ataques militares contra instalações iranianas protegidas pela AIEA” – no caso o bombardeio desencadeado pelos EUA e Israel agora em junho, um crime de guerra sob qualquer ponto de vista.

Foram muitas as tentativas de negociação empreendidas pelo Irã, as mais recentes no vizinho Oman. “O Irã tem uma posição bem conhecida, baseada em princípios claros, e avançamos em um caminho completamente direto. Nossa posição é totalmente transparente. O programa nuclear iraniano se baseia em fortes fundamentos legais e legítimos, e todos os seus aspectos pacíficos sempre estiveram, e continuarão a estar, sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Isso faz parte dos direitos do povo iraniano e não está sujeito a negociação ou compromisso”, disse Araqchi à televisão estatal IRIB em maio.

Ainda segundo ele, Teerã está disposta a negociar restrições à sua atividade nuclear em troca do levantamento das sanções, mas encerrar seu programa de enriquecimento ou entregar seu estoque de urânio enriquecido estão entre as “linhas vermelhas do Irã que não podem ser comprometidas” nas negociações.

“JURIDICAMENTE INFUNDADAS E POLÍTICA E MORALMENTE INJUSTIFICADAS”

“Tentativas de reativar resoluções encerradas não são apenas juridicamente infundadas, mas também política e moralmente injustificadas”, afirmou Araghchi em sua carta.

A menos de dois meses da conclusão do prazo de validade de dez anos do JCPOA no próximo dia 18 de outubro, o E3 acionou a cláusula “snapback”, apesar dos esforços da Rússia e China para estender o acordo, tal como está, por mais três meses, a fim de dar tempo para a diplomacia obter resultados para todas as partes.

Em entrevista na sede da ONU no último sábado, após seu discurso na 80ª Assembleia Geral da ONU, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, atendendo a repórteres, discutiu a questão.

Para Lavrov, o “mecanismo” foi implementado com “o único propósito de ‘segurar pela garganta’ os iranianos, impedindo-os de dar um único passo para a esquerda ou para a direita.”

O chefe da diplomacia russa observou que o Irã concordou com esse mecanismo ‘exótico’ apenas porque “estava confiante de que nunca violaria esse acordo”. “Não imaginavam que o acordo seria rompido não por eles, mas pelos Estados Unidos em 2018. Mas aconteceu. Os Estados Unidos se retiraram desse acordo e declararam que não reconheceriam a resolução. Em vez de exigir o retorno ao cumprimento de suas obrigações, a Europa também começou a recuar em seu compromisso com esses acordos. Essa série contínua de violações é bem conhecida”.

MECANISMO ‘EXÓTICO’

“Portanto, tudo o que os europeus precisam está sendo extraído de uma resolução que os EUA não reconhecem. E o que eles precisam é desse mecanismo ‘exótico’ para restabelecer sanções. O que eles fizeram? É impossível até mesmo explicar em termos humanos. É uma armadilha. Esse paradoxo foi criado como uma armadilha para o Irã. É mais uma confirmação de que o Irã nunca pretendeu, e não pretende, violar os termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear e este ‘acordo’ nuclear.”

“Nós e a República Popular da China fizemos tudo o que podíamos para dar uma chance à diplomacia”, disse Lavrov, com a proposta de estender o acordo nuclear iraniano em sua totalidade, sem adicionar ou subtrair nada, por um determinado período (queríamos três meses), “durante o qual, esperávamos, as negociações pudessem prosseguir”.

O Ocidente frustrou a situação e chantageou a maioria dos membros do Conselho de Segurança da ONU para que apoiassem sua posição destrutiva: o Irã não deve ter dois ou três meses para negociar os termos que considera aceitáveis para uma cooperação futura com a AIEA e os Estados Unidos, denunciou Lavrov.

“O Irã estava e continua pronto para o diálogo, ainda que indiretamente, e não diretamente. O Irã tem se comunicado regularmente com o UE3, mas o resultado dessas conversas confirma apenas uma coisa. Desde o início, o UE3 precisava de algum pretexto para restabelecer as sanções. Portanto, todas as propostas genuínas de compromisso dos nossos colegas iranianos foram rejeitadas. Sempre que havia algum indício de que havia esperança de acordo, novas demandas surgiam na manhã seguinte. Esta é uma operação deliberada que visa iniciar a próxima fase de estrangulamento da República Islâmica do Irã, econômica, financeira e assim por diante. Tudo está sincronizado — tanto a ameaça militar quanto as medidas de estrangulamento econômico.”

NULA, ILEGAL E INEXEQUÍVEL

Lavrov enfatizou que a decisão tomada – “encenada”, ele disse – pelo Conselho de Segurança da ONU, sob pressões de Washington, é “legalmente nula e sem efeito, ilegal e inexequível”. Ele reiterou que, se o Secretário-Geral [Guterres] se submeter a tal “ataque ao sistema multilateral”, criando estruturas para impor as sanções ilegítimas, danos ainda maiores resultarão para sua autoridade.

“A resolução 2231, que foi adotada por consenso e flagrantemente violada pelos EUA, França e Grã-Bretanha, agora foi trazida à tona, e eles alegam que é o Irã, e não eles, quem a está violando”.

“É claro que isso é um ataque não apenas ao sistema multilateral como um todo, mas ao sistema da ONU, às prerrogativas do seu Conselho de Segurança, às regras de decência, que incluem implementar as decisões do Conselho de Segurança da ONU e não alterá-las para atender às próprias agendas egoístas, incluindo aquelas relacionadas à interferência em assuntos internos e ao uso ilegal da força”.

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