Entre eles, Rubens Paiva, Carlos Marighella, Alexandre Vanuchi Leme, Helenira Resende, André Grabois e Ângelo Arroyo
O salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) foi palco, hoje, de mais uma solenidade de entrega das certidões de óbito retificadas de pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar que persistiu no País de 1964 a 1985.
O gesto representou um ato de “perdão” do Estado brasileiro às famílias das vítimas, com o reconhecimento, após comprovação, de que o mesmo Estado foi responsável por essas mortes e desaparecimentos, através dos que se encontravam no poder à época.
Ao todo, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP – entregou a certidão às famílias de 102 pessoas nascidas em São Paulo e que perderam a vida no Estado, vítimas daquele período ditatorial, entre os quais o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva; Carlos Marighella, líder da Aliança Libertadora Nacional (ALN); o jornalista Vladimir Herzog; o estudante Alexandre Vanuchi Leme; Helenira Resende; André Grabois; e o operário Ângelo Arroyo, esses três últimos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
O evento contou com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Conselho Nacional de Justiça e do Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais para que as certidões pudessem ser lavradas e retificadas, com as devidas e corretas informações sobre a motivação da morte ou do desaparecimento daqueles que lutaram contra a ditadura e perderam sua vida.
As famílias dos mortos e desaparecidos receberam, uma a uma, as respectivas certidões retificadas, e tiveram a oportunidade de fazer um breve pronunciamento. A cada nome chamado, os presentes afirmavam: “Presente!”.
O escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Rubens Paiva, desaparecido na ditadura que teve a história retratada no filme vencedor do Oscar “Ainda Estou Aqui”, afirma que a solenidade é uma vitória de uma luta eterna dos que foram assassinados por aqueles que queriam manter um regime de terror. “Desde o primeiro dia da prisão e da morte do meu pai, ou de qualquer parente ou familiar que está presente aqui hoje, a gente está em busca desse reconhecimento. A democracia demorou para ser instalada, demorou para o governo federal assumir a culpa, demorou para a gente saber qual foi a verdade e agora demorou para ter o atestado de óbito com os fatos daquilo que realmente aconteceu”, declarou.
Receberam as certidões as famílias das seguintes vítimas da ditadura:
1.Alex de Paula Xavier Pereira
2.Alexander José Ibsen Voerões
3.Alexandre Vannucchi Leme
4.Ana Maria Nacinovic
5.Ana Rosa Kucinski Silva
6.André Grabois
7.Ângelo Arroyo
8.Antônio Benetazzo
9.Antônio dos Três Reis de Oliveira
10.Antônio Guilherme Ribeiro Ribas
11.Antônio Raymundo de Lucena
12.Antônio Sérgio de Mattos
13.Arno Preis
14.Aurora Maria Nascimento Furtado
15.Carlos Marighella
16.Carlos Nicolau Danielli
17.Catarina Helena Abi-Eçab
18.Dênis Casemiro
19.Devanir José de Carvalho
20.Dorival Ferreira
21.Edgar de Aquino Duarte
22.Eduardo Collen Leite
23.Emmanuel Bezerra dos Santos
24.Feliciano Eugenio Neto
25.Fernando Borges de Paula Ferreira
26.Flavio Carvalho Molina
27.Francisco Emanuel Penteado
28.Francisco José de Oliveira
29.Francisco Seiko Okama
30. Frederico Eduardo Mayr
31.Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão
32.Gelson Reicher
33.Grenaldo de Jesus Silva
34.Helenira Resende de Souza Nazareth
35.Heleny Ferreira Telles Guariba
36.Hiram de Lima Pereira
37.Hirohaki Torigoe
38.Iêda Santos Delgado
39.Issami Nakamura Okano
40.Iuri Xavier Pereira
41.Izis Dias de Oliveira
42.Jaime Petit da Silva
43.João Antônio Santos Abi-Eçab
44.João Carlos Cavalcanti Reis
45.João Domingos da Silva
46.Joaquim Alencar de Seixas
47.Joaquim Câmara Ferreira
48.José Ferreira de Almeida
49.José Guimarães
50.José Idésio Brianezi
51.José Lavecchia
52.José Maria Ferreira de Araújo
53.José Maximino de Andrade Netto
54.José Milton Barbosa
55.José Montenegro de Lima
56.José Roberto Arantes de Almeida
57.José Roman
58.José Wilson Lessa Sabbag
59.Lauriberto José Reyes
60.Lúcio Petit da Silva
61.Luisa Augusta Garlippe
62.Luiz Almeida Araújo
63.Luiz Eduardo da Rocha Merlino
64.Luiz Eurico Tejera Lisbôa
65.Luiz Fogaça Balboni
66.Luiz Hirata
67.Luiz José da Cunha
68.Manoel Fiel Filho
69.Manoel José Mendes Nunes Abreu
70.Manoel José Nurchis
71.Manoel Lisbôa de Moura
72.Márcio Beck Machado
73.Marco Antônio Dias Baptista
74.Marcos Antônio Bráz de Carvalho
75.Marcos Nonato da Fonseca
76.Maria Augusta Thomaz
77.Maria Lúcia Petit da Silva
78.Miguel Sabat Nuet
79.Neide Alves dos Santos
80.Nestor Vera
81.Norberto Nehring
82.Olavo Hanssen
83.Onofre Pinto
84.Paulo Guerra Tavares
85.Paulo Stuart Wright
86.Raimundo Eduardo da Silva
87.Roberto Cietto
88.Roberto Macarini
89.Ronaldo Mouth Queiroz
90.Rubens Beyrodt Paiva
91.Rui Osvaldo Aguiar Pfützenreuter
92.Ruy Carlos Vieira Berbert
93.Santo Dias da Silva
94.Solange Lourenço Gomes
95.Sônia Maria de Moraes Angel Jones
96.Suely Yumiko Kanayama
97.Virgílio Gomes da Silva
98.Vitor Carlos Ramos
99.Vladimir Herzog
100.Walter de Souza Ribeiro
101.Yoshitane Fujimori
RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA
A solenidade contou com a presença e o pronunciamento da ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo; a professora Maria Arlinda Arruda, que representou a Universidade de São Paulo; o diretor da Faculdade de Direito, professor Celso Campilongo; Eugênia Gonzaga, da CEMDP; Bianca Borges, presidente da União Nacional dos Estudantes; e o representante do Diretório Livre Alexandre Vanuchi Leme, Gabriel Borges.
Todos foram unânimes em resgatar a vitória que representou a entrega das certidões de óbito retificadas como parte do resgate da verdade e a reparação da justiça. Muitos também denunciaram as recentes tramas golpistas que conspiraram contra a democracia, encerrando com o bordão: “Ditadura nunca mais!”.
“Hoje é um dia central para a reconstrução da memória de todos e todas aquelas que lutaram pelo que hoje temos como democracia, que tantas vezes foi ameaçada no nosso país, mas sobrevive”, disse Macaé Evaristo.
A ministra destacou que o gesto de retificação “é a garantia de um direito que veio tardiamente, mas que só veio com a luta dos sobreviventes e familiares de vítimas da ditadura no país”.
Ela reconheceu que a democracia brasileira precisa ser aperfeiçoada “para garantir direitos humanos a todos” e que “estamos lutando contra estruturas fortemente arraigadas por séculos de opressão”. Mas, ponderou, “somos um país também feito de luta, de participação popular e que não se cala mais diante dos horrores da guerra, do autoritarismo e das violações de direitos humanos”.
HORROR E NOJO À DITADURA
A presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e procuradora do Ministério Público Federal, Eugênia Augusta Gonzaga, fez um breve histórico sobre a luta dos familiares e movimentos políticos e sociais para que o Estado reconhecesse as mortes causadas por seus agentes naqueles anos. E declarou: “As certidões de óbito que entregamos hoje representam uma tentativa de se fazer o caminho contrário ao do desaparecimento”.
Ela continuou lembrando a célebre frase de Ulisses Guimarães, que disse ter “horror e nojo à ditadura”: “Pois sentimos o mesmo desgosto por termos, ainda, que implorar a órgãos como o Ministério da Defesa para que nos franqueie o acesso aos arquivos e que as condições das mortes e desaparecimentos dessas pessoas sejam integralmente reveladas. Ainda buscamos por isso. Não desistimos”.
Eugênia disse, ainda, que essas certidões não são apenas um documento: “Para muito além de representarem o reconhecimento formal da verdade histórica e da responsabilidade do país pela violência infringida pelo Estado, podem representar um passo fundamental em um longo caminho de cura emocional, de um reencontro com a memória, simbolizando, quem sabe, uma forma de reparação para as vidas, muitas tão jovens, interrompidas pela perseguição política durante a ditadura apenas por lutarem por uma país mais justo”.
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