Ministro Vieira de Mello defende a CLT e considera a prática da “pejotização”, hoje em análise no STF, uma “desconstrução histórica”
O recém-empossado presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, em entrevista exclusiva ao portal JOTA, apontou que a expansão do fenômeno da “pejotização” poderá trazer “graves” consequências nas relações de trabalho, com riscos de “ruptura do tecido social”.
O magistrado apontou as consequências mais nocivas para o mundo do trabalho: trabalhadores desassistidos e a seguridade social subfinanciada.
O ministro defendeu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um instrumento “atemporal” de proteção dos direitos do trabalhador, com cláusulas gerais para ter “incidência ao longo do tempo”, lembrando que essa legislação trabalhista, ao longo de mais de 8 décadas de existência (foi instituída pelo presidente Getúlio Vargas ainda em 1943), já passou por centenas de modificações.
“A CLT não fica em desuso. Ela faz parte hoje de uma gama de trabalhadores, 38 milhões, que não podem ficar desassistidos”, sentenciou, na defesa de uma legislação do trabalho que, mesmo que retaliada ao longo do tempo e brutalmente agredida no desgoverno de Michel Temer (2016/2018), através da contrarreforma trabalhista, ainda é considerada um dos sistemas legais mais avançados do mundo ao tratar os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Vieira de Mello também defendeu a regulação pelo Congresso Nacional dos que se chama vulgarmente de “uberização” das relações de trabalho, que considere pontos importantes os limites da jornada de trabalho, a remuneração, e a contribuição previdenciária desses trabalhadores.
O ministro confessou ter ficado “chocado” com o testemunho de motoentregadores de Brasília sobre suas condições laborais, diante da subordinação aos algoritimos manipulados pelas plataformas e a ausência total de mecanismos de proteção em caso de acidentes, o que é muito corriqueiro.
“Não podemos ter uma perspectiva de que você sai de casa e não sabe se vai voltar. É como ir para uma batalha em Gaza”, sentenciou, informando que tem dialogado com o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-DF), relator da comissão especial da Câmara sobre regulação dos aplicativos de transporte e entrega.
Além de rejeitar o enquadramento como trabalho intermitente, o ministro defende uma legislação que comporte regimes diferentes, para que o entregador opte pelo que achar melhor, de acordo com o perfil de trabalho: se para compor renda ou se há longas jornadas para mais de uma plataforma, por exemplo.
“Essa questão tem que ser [solucionada] pela via legislativa. Seria um trabalho digital, uma CLT digital”, afirmou. “Temos que pensar, com relação a novas formas de trabalho, uma CLT digital, com características diferentes na proteção”.
E acrescentou: “O lugar onde eles (os trabalhadores em aplicativos) comem são uns tijolos que eles colocaram. A cadeira que eu fiz a reunião, um deles disse que tiraram do lixo. É isso que se chama de empreendedorismo, de autonomia? É que ninguém vai lá para escutar e saber o que estão vivendo e passando. Na hora de servir a gente entregando as coisas é muito fácil”.
Vieira de Mello foi indicado ao TST pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva ainda em 2006, assumindo, recentemente, o mais alto posto da justiça trabalhista. Desde então, tem destacado a importância da “assimetria” nas relações de trabalho e denunciado “a falsa liberdade de escolha do trabalhador”
PEJOTIZAÇÃO É DESCONSTRUÇÃO HISTÓRICA
O ministro destacou, também, que a pejotização impactará a arrecadação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do Sistema S, com consequências para o financiamento de obras de infraestrutura. O cenário, segundo ele, é de comprometimento de programas como o do Minha Casa, Minha Vida, que favorece pessoas vulneráveis.
“Mas o mais grave é que a Previdência Social não se sustentará”, disse. “Se diz que, [com a pejotização], o empregado vai ser obrigado a recolher a previdência. Mas aí vai ser só ele. Não ter a contribuição dos empregados. Estamos quebrando a simetria e estabelecendo a responsabilidade só de quem trabalha”.
Vieira de Mello Filho disse ver a tendência da pejotização como uma desconstrução histórica da luta social de mais de 80 anos, e que teme pelas consequências na população. Para o magistrado, as garantias constitucionais que asseguram uma “condição mínima civilizatória” estão virando “pó”.
“Não vai sobrar nada. Já estamos assistindo a uma avalanche de contratação pelo PJ”, afirmou. “Se isso virar uma situação legal, eu não discuto a defesa da minha instituição, da Justiça do Trabalho, eu falo de outra coisa, da defesa de pessoas vulneráveis, que não terão proteção do Estado”.
JUSTIÇA DO TRABALHO E STF
Ao avaliar a competência da Justiça do Trabalho para tratar das relações de trabalho e eventuais fraudes em contratação via PJ, denunciou como uma “regressão” atribuir essa análise à Justiça comum.
“Estamos voltando para a locação de serviço do Código Civil de 1916. Voltamos à ausência de reconstrução da simetria, eles [PJs] serão colocados como iguais numa relação contratual, que era o que havia anteriormente. Vou dizer que uma pessoa com uma mala nas costas pedalando uma bicicleta é um empreendedor? Um PJ? Acho que a figura fala por si só e dispensa comentários”, declarou.
Os fenômenos da uberização e da pejotização estão em discussão, atualmente, no Supremo Tribunal Federal (STF), que, na última segunda-feira (6), promoveu audiência pública para tratar do assunto provocado por inúmeras entidades laborais, diante da proliferação dessa prática em vários setores econômicos, especialmente naqueles interessados em driblar os direitos dos trabalhadores e burlar conquistas hisitóricas como o FGTS e a Previdência Social Pública.
Segundo Vieira de Mell. não há conflito entre os dois tribunais.
“Diferentemente do STJ, temos uma competência concorrente com o STF, então temos que analisar questões constitucionais em todas as instâncias, especialmente no TST. E as pessoas estão driblando o sistema recursal trabalhista e entrando com reclamação a partir de sentenças regionais”, considerou.
O magistrado disse encarar a corte que presidente como um “tribunal plural”. Para ele, os julgamentos acirrados são fruto de entendimentos diversos sobre legislação trabalhista. “Não podemos ter estratégias para decidir, ou outros interesses, temos que ter debate público e jurídico sobre temas que estão submetidos à apreciação do tribunal, que não pode ter uma só posição”.
PROJETOS
Entre as principais iniciativas em sua gestão, destacou uma governança judicial que dê mais celeridade a julgamentos de Incidentes de Recursos Repetitivos (IRR) —em que são definidas teses vinculantes para toda Justiça trabalhista.
A estratégia segue um início de trabalho feito pelo seu antecessor no cargo, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que apostava na formação de uma “cultura de precedentes” na Corte.
De acordo com as contas do tribunal, são 107 incidentes pendentes, além de outros mais de 200 casos com reafirmação de jurisprudência. “São processos complexos e estamos tentando estabelecer consenso para resolver a pauta de julgamentos”.
O ministro disse que já existem temas próximos de julgamento. Citou três: sobre contribuição assistencial, comum acordo e honorários. “Estamos já com os votos dos relatores encaminhados. E pedi aos colegas que enviassem a secretaria para que eu possa fazer equilíbrio das matérias. A ideia é investirmos muito no julgamento dos recursos repetitivos”.
Para 2026, o magistrado projeta a divulgação de uma campanha para combater o assédio eleitoral entre trabalhadores. A ideia é complementar um trabalho que já é feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no tema.
O presidente assumiu o TST já tendo em seu colo a polêmica envolvendo a construção de uma sala vip exclusiva no Aeroporto de Brasília para que seus 27 ministros evitassem o encontro com “pessoas mal-intencionadas ou inconvenientes”. A obra, feita em agosto, teve um custo de R$ 85 mil e o aluguel do espaço seria de R$ 30 mil mensalmente ao tribunal.
Em meio às críticas, o contrato foi encerrado pelo TST. “Esse assunto já está encerrado, e não é mais relevante para o tribunal”, declarou. “Todos os colegas deliberaram, por unanimidade, a rescisão do contrato”.
Vieira de Mello foi indicado ao TST pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva ainda em 2006, assumindo, recentemente, o mais alto posto da justiça trabalhista. Desde então, tem destacado a importância da “assimetria” nas relações de trabalho e denunciado “a falsa liberdade de escolha do trabalhador”.
(com informações do Portal JOTA)