O grupo de 13 ativistas brasileiros, integrantes da Flotilha Global Sumud, sequestrados por Israel em águas internacionais, chegaram na última quinta-feira (9), no Aeroporto Internacional de Guarulhos, e foram recepcionados por militantes, parlamentares de esquerda e representantes de movimentos populares.
As embarcações em que estavam foram interceptadas por forças israelenses entre 1º e 2 de outubro ao tentar levar ajuda humanitária aos palestinos de Gaza, como alimentos, água, medicamentos, próteses e fórmulas infantis. No total, a flotilha era formada por 44 barcos com cerca de 460 integrantes de mais de 40 países.
Os ativistas que chegaram ao Brasil realizaram uma coletiva de imprensa. Uma das ativistas, a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE) afirmou que o grupo chegou a sofrer ataques já no dia 23 de setembro, antes de serem interceptados. Eles partiram de Barcelona no dia 31 de agosto com destino a Gaza.
“A gente via os drones no espaço aéreo. Eu vi oito explosões. Imagine estar no meio do Mediterrâneo, sem ver terra de nenhum dos lados, em um barco à vela, um veleiro, portanto pequeno. No meu caso eu estava no Grand Blue, nome do meu barco, e de repente começamos a ser bombardeados por drones”, disse a parlamentar.
“Eu sempre digo que é um inimigo covarde, porque ataca à noite e não tem face, vem pelos drones. Foi uma situação terrível, uma sensação de impotência. Você está no meio do mar, sem nenhuma saída, enquanto os drones lançam bombas ao redor dos barcos. Alguns foram atingidos e danificados”, acrescenta.
“Eles também lançaram por meio dos drones um material tóxico e corrosivo, que feriu algumas pessoas e causou dificuldade para respirar. Por causa disso, a flotilha começou a se deslocar pela costa da Grécia para ficar mais próxima das águas gregas e ter alguma proteção. O problema era quando entrávamos em águas internacionais, que Israel pensa serem suas”, continuou.
De acordo com a deputada, após a interceptação, os barcos foram cercados por embarcações militares israelenses e os tripulantes, obrigados a interromper a navegação. Os ativistas foram levados para a prisão israelense de Ketziot, no deserto de Negev, conhecida por ser um local de graves violações de direitos humanos.
Presos, os ativistas relataram ter sofrido diversas violações, entre elas privação de sono, com contagens constantes de presos, além da falta de acesso a alimentos e medicamentos. João Aguiar, também integrante da comitiva, afirmou que o ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, chegou a visitar os ativistas na prisão e os chamou de terroristas. Da prisão, foram levados de camburão para a fronteira com a Jordânia, sob forte presença militar, incluindo soldados armados com metralhadoras.
“Se fizeram isso conosco, mesmo com o mundo inteiro acompanhando o caso da flotilha, imagine o que sofrem, todos os dias, os palestinos que estão presos”, concluiu Luizianne Lins.

CONDIÇÕES DESUMANAS
O ativista Thiago Ávila, que também estava na flotilha, afirmou que as violações foram comunicadas aos advogados: “desde o sequestro em águas internacionais até a mudança coercitiva de rota, a violência no porto de Ashdod, as tentativas de humilhação, a violência física contra várias pessoas, os interrogatórios forçados, a privação de sono, a negação do uso do banheiro, de alimentação e até de água em alguns momentos, além da falta de medicamentos para pessoas com doenças crônicas”.
Ávila destaca, no entanto, que nenhuma dessas violações devem ser comparadas às violências sofridas pelos palestinos que estão sob o genocídio perpetrado por Israel.
“A gente sempre evita colocar o foco em nós, porque sabemos que a história não é sobre a gente. Essa missão só existe porque os palestinos são submetidos a condições que nenhum ser humano deveria enfrentar”, disse.
“A mesma comida que em alguns momentos nos ofereceram na prisão é negada aos palestinos naquele mesmo lugar. A história não é sobre nós. As violações que sofremos serão documentadas e denunciadas às instâncias internacionais competentes, mas é fundamental lembrar que nada disso se compara ao sofrimento diário do povo palestino”, denuncia.
Magno Carvalho Costa integrante da Central Sindical Popular e um dos integrantes da flotilha, onde passou dias sem receber insulina, afirmou que a missão foi bem-sucedida, pois conseguiu fazer com que a marinha de Israel se afastasse da costa de Gaza para deter os ativistas. Com isso, os palestinos puderam pescar e se alimentar.
“Nos trechos próximos à praia, o povo de Gaza voltou a comer. A marinha de Israel, que vinha bloqueando os barcos de pesca e prendendo os pescadores, foi obrigada a interromper o cerco quando nos interceptaram e nos sequestraram. Com isso, os pescadores puderam sair e pescar toneladas de peixe, muito mais do que a carga que conseguimos levar”, relatou. “A armada que veio nos prender, até com submarino, acabou permitindo que os companheiros pescassem e voltassem a se sustentar.”
O Governo brasileiro agradeceu ao governo da Jordânia pela colaboração com o processo de migração da comitiva. De acordo com os organizadores, seis participantes da flotilha, de outros países, ainda permanecem presos por Israel.
CESSAR FOGO
Os ativistas chegaram ao Brasil horas após Israel e Hamas assinarem a primeira fase do plano do presidente estadunidense Donald Trump para o acordo de paz e cessar-fogo em Gaza. Ao longo dos últimos anos, foram fechados dois acordos de cessar-fogo, no fim de 2023 e no início de 2025, mas ambos duraram poucos dias e fracassaram com o acirramento da guerra.
Os integrantes da flotilha, no entanto, já afirmaram que enquanto houver conflito no território palestino, outras missões humanitárias serão realizadas. Mas ainda não há uma data programada para uma próxima viagem.
No final de setembro, diversos países promoveram uma onda de reconhecimento do Estado palestino na direção de esforços para que o conflito acabe. A comunidade internacional tem defendido o caminho dos dois estados coexistirem. Segundo balanços recentes do Ministério da Saúde de Gaza validados pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 67 mil palestinos foram executados e outros 170 mil ficaram feridos desde o dia 7 de outubro de 2023, desde que Israel iniciou o genocídio.