Israel nega-se a libertar Marwan Barghouti, o Nelson Mandela palestino

Marwan Barghouti ao desafiar o tribunal israelense de ocupação (Arquivo)

Barghouti estava na lista fornecida pelo Hamas a Israel para a libertação dos prisioneiros palestinos e teve seu nome excluído por Netanyahu, demonstrando a ojeriza do premiê israelense ao processo de paz com justiça

A recusa, pelo regime fascista de Netanyahu, de libertar Marwan Barghouti, mundialmente conhecido como o Nelson Mandela palestino, apesar da insistência por seu nome dos negociadores do Hamas na troca de presos com Israel deste fim de semana, parte essencial do cessar-fogo e da retirada israelense, é um indicativo da ojeriza de Israel a uma paz duradoura e justa.

Uma negativa que só demonstra o quanto o acordo recém assinado ainda terá de ser superado para que o Estado da Palestina – já reconhecido por 80% dos países membros da ONU e cuja existência é a pré-condição para a paz – se torne realidade.

Barghouti, há 23 anos no cárcere israelense, a maior parte disso em confinamento solitário, é considerado a personalidade palestina capaz de unificar todo o movimento palestino em torno da libertação e construção do Estado da Palestina, desde o Fatah até o Hamas.

Ele entrou aos 15 anos de idade nas fileiras do Fatah, de Yasser Arafat, o coração da Organização de Libertação da Palestina, participou da Primeira Intifada (a chamada Revolução das Pedras, que desembocou no acordo Arafat-Rabin, interrompido com o assassinato do premiê israelense), em 1987, e da Segunda (com os palestinos resistindo de armas na mão contra a imposição de uma ditadura pelo carniceiro de Sabra e Shatila, então primeiro-ministro de Israel, a rasgar os acordos já estabelecidos entre israelenses e palestinos), em 2000. Barghouti se tornou presidente do Fatah na Cisjordânia ocupada, assim como comandou ações do braço armado do Fatah, as Brigadas Tanzim.

Na Segunda Intifada, ele granjeou enorme reconhecimento por seu papel nas marchas até postos de controle israelenses e seus discursos nos funerais e nas manifestações. “Eu, e o movimento Fatah a que pertenço, se opõem veementemente aos ataques a civis dentro de Israel. Me reservo o direito de me proteger, para resistir à ocupação israelense do meu país e de lutar pela minha liberdade. Eu ainda busco a convivência pacífica entre os países iguais e independentes de Israel e da Palestina com base na retirada total dos territórios palestinos ocupados em 1967”, ele disse então.

Segundo a mídia israelense, a recusa à libertação especialmente de Barghouti, agora com 66 anos, chegou a ser expressamente acertada por Netanyahu com seu ministro dos pogroms contra palestinos, Itamar Ben-Gvir.

A não libertação de Barghouti é reveladora de que o regime israelense quer seguir oprimindo e trabalhando para dividir o povo palestino, fator central do conflito com base no extermínio dos palestinos perpetrado ao longo de décadas desde a implantação de Israel em terras assaltadas aos palestinos (que inclui agora a devastação de Gaza, assim como a destruição de mais de 500 aldeias e cidades palestinas em 1948, para a construção de cidades e kibutzim de maioria judaica na inauguração do apartheid israelense).

Cofundador do movimento juvenil do Fatah, Barghouti foi condenado pela ocupação pela primeira vez aos 18 anos e ganhou fluência em hebraico enquanto estava na prisão.

Depois de estudar na Universidade de Birzeit, ele se tornou um dos líderes palestinos na Cisjordânia em meio à Primeira Intifada. Foi preso e deportado para a Jordânia, mas acabou sendo autorizado a retornar, graças aos Acordos de Oslo.

Durante a Segunda Intifada – desencadeada, como se sabe, pela provocação de Ariel Sharon contra a Mesquita de Al Aqsa -, os israelenses tentaram assassinar Barghouti com um ataque com míssil, mas fracassaram.

Ele foi capturado em 2002 em Ramallah por uma unidade militar israelense, em violação à sua imunidade parlamentar e aos próprios acordos de Oslo, e submetido a um julgamento farsa em um tribunal do apartheid, que o condenou a cinco prisões perpétuas, acusando-o de ser o mentor de atentados contra civis israelenses.

Em 2006, em meio ao acirramento das divergências no interior do movimento de libertação da Palestina, Barghouti, ao lado de outros líderes nos cárceres israelenses – do Hamas, FPLP e Jihad Islâmica -, lançou o Documento de Conciliação Nacional dos Prisioneiros, apresentando uma base para a formação de um governo palestino de coalizão.

Em 2013, foi lançada, desde a antiga cela de Mandela em Robben Island, a campanha internacional pela libertação de Marwan Barghouti e todos os prisioneiros palestinos.

Como Barghouti escreveu sobre sua greve de fome no New York Times na época: “Os direitos não são concedidos por um opressor … Somente o fim da ocupação acabará com essa injustiça e marcará o nascimento da paz.”

Após a devastadora “Guerra de Gaza” de Israel em 2014, Barghouti pediu à Autoridade Palestina que encerrasse imediatamente a cooperação de segurança com Israel e propôs uma Terceira Intifada.

Ao longo de duas décadas, Barghouti manteve a cabeça erguida e seguiu defendendo a solução dos dois Estados nas fronteiras de 1967, nos termos da Iniciativa Árabe, que oferecia a Israel a normalização de relações e a paz, em troca da devolução das terras demarcadas pelas fronteiras de 1967, conforme as resoluções da ONU.

Soldados da ocupação israelense passam diante de um mural, em Ramallah, com o líder palestino e a exigência de Libertem Marwan Barghouti escrita em francês, hebraico e árabe (Nasser Shiyoukhi-AP)

Desde outubro de 2023 e da operação “Inundação Al Aqsa” lançada pela Resistência Palestina, Barghouti foi espancado várias vezes pelos guardas prisionais, mantido em confinamento solitário e as visitas da família foram proibidas. Em agosto, um breve vídeo mostrou Ben-Gvir ameaçando Barghouti dentro da infame prisão de Ganot.

Segundo o Middle East Eye, o nome de Barghouti chegou a estar em uma lista aprovada pelo enviado de Trump, Steve Witkoff, mas foi removido por Netanyahu no último minuto. Outros nomes vetados foram Ahmed Saadat, líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina, e Hassan Salama, um alto dirigente do Hamas.

Dos libertados, 154 condenados a longas penas tiveram de ir para o exílio no Egito.

Outro nome que ficou de fora dos 2.000 presos liberados é o do diretor do Hospital Kamal Adwan, Dr. Hussam Abu Safiya, que chegou a estar em uma lista de espera. Ele foi sequestrado após a invasão do hospital em Beit Lahia, sob o pretexto de que o local seria um “centro de comando do Hamas” – na verdade, a última grande instalação de saúde no norte de Gaza em dezembro de 2024.

Para Francesca Albanese, relatora das Nações Unidas sobre direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, a continuação da detenção contínua de Abu Safiya e milhares de presos políticos em prisões israelenses, muitas das quais detidas sem acusações ou como menores, “diz muito sobre a paz que ainda está por vir, para os palestinos”.

Durante seu julgamento, algemado, diante de um tribunal israelense, Marwan Barghouti proclamou não reconhecer uma corte da ocupação e expressou, desde o banco dos réus, em hebraico fluente, falando em direção ao painel de três juízes: “Há um erro aqui. Aquele que deveria estar aqui como réu é o governo de Israel. Vocês não têm o direito de me julgar”.

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