Pesquisadores criticam ataque de Tarcísio à carreira científica aprovado pela Alesp

Foto: Divulgação/APqC

Governo Tarcísio vence votação com número mínimo após mudança de votos; pesquisadores veem projeto como “desmonte silencioso” que ameaça a independência da ciência paulista

Apesar da resistência de entidades da sociedade civil, associações científicas e pesquisadores, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou, nesta terça-feira (14), o Projeto de Lei Complementar 9/2025, que altera a carreira dos pesquisadores científicos no Estado. A proposta do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) recebeu o número mínimo necessário para aprovação: 48 votos favoráveis. Dois deputados da base governista, Thiago Auricchio (PL) e Sebastião Santos (Republicanos), mudaram seus votos de “não” para “sim” e garantiram a aprovação.

O texto altera regras que, segundo pesquisadores e especialistas contrários à medida, colocam em risco a continuidade, a qualidade e a independência da pesquisa científica pública em São Paulo. As mudanças afetam diretamente os 914 pesquisadores que atuam em 16 institutos estaduais, entre eles o Instituto Butantan, o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Biológico e o Instituto de Pesca.

A principal crítica ao projeto recai sobre o fim do Regime de Tempo Integral (RTI), substituído pelo chamado Regime de Dedicação Exclusiva (DE), com jornada semanal de 40 horas. Atualmente, o RTI garante dedicação plena à atividade científica, com proibição de outros vínculos remunerados e remuneração adicional. O novo modelo, segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), “engessa” o trabalho dos cientistas e compromete a flexibilidade necessária para a produção científica de qualidade.

Outro ponto questionado é o esvaziamento da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI), hoje composta majoritariamente por cientistas, e que perderá a atribuição de avaliar o desempenho dos pesquisadores. Para entidades como a APqC e a Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), a retirada desse papel abre brechas para interferências políticas nos processos de avaliação técnica.

“Quem vai perder com isso é a sociedade”, afirmou Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC, durante audiência pública realizada na Alesp no último dia 7. Segundo ela, a proposta fragiliza a estrutura da carreira científica ao modificar tanto o regime de trabalho quanto o sistema de progressão. A pesquisadora teme que a nova lei leve a um esvaziamento dos quadros e torne a carreira menos atrativa para jovens pesquisadores.

Esses institutos contam com uma carreira específica para pesquisador científico que permite o desenvolvimento de uma pesquisa pública voltada para o interesse social, para a elaboração de pesquisa de políticas públicas que atendam as necessidades da sociedade, como a criação de uma vacina, segurança alimentar, criação de unidade de conservação, mapeamento de áreas de risco. Tudo isso é feito pelos institutos”, enfatizou a cientista. 

Seguindo essa linha, o pesquisador Luis Marques, do Instituto de Pesca, criticou o novo regime proposto, classificando-o como uma insegurança jurídica sem garantias. “O que se apresenta como modernização é, na verdade, um desmonte silencioso de uma carreira de Estado”. A RTI, defende Marques “não é um privilégio, é um instrumento de proteção da pesquisa pública que assegura continuidade, independência e qualidade.”

Outro cientista, Renato Barbosa, membro da Comissão do RTI, também demonstrou preocupação com as mudanças propostas: “A nossa atividade não se resume a um trabalho das 8h às 17h, com 40 horas semanais. Todos os cientistas sabem disso”, ressaltou. A sustentabilidade técnica, política e até mesmo financeira será comprometida se abrirmos mão do Regime de Tempo Integral”, alertou Barbosa.

A mudança no modelo de progressão profissional também gerou resistência. Hoje, a carreira é dividida em seis níveis; o novo texto amplia para 18 etapas. De acordo com a APqC, isso pode tornar o avanço na carreira mais lento e burocrático, afastando novos talentos e desestimulando os atuais servidores. “A proposta mexe em pontos muito importantes que alteram a coluna dessa carreira”, criticou Helena Lutgens.

Mais de 30 entidades científicas, ambientais e da sociedade civil se manifestaram contra o projeto, apontando o risco de descontinuidade de pesquisas de interesse público, como o desenvolvimento de vacinas, a conservação ambiental e a segurança alimentar.

O secretário-adjunto de Agricultura e Abastecimento do Estado, Orlando Melo, defendeu a proposta durante audiência, destacando a redução no tempo de progressão para os novos pesquisadores. “Vamos reduzir em cerca de 10 anos o tempo para ascensão dos ingressantes da nova carreira, semelhante ao que acontece com as universidades hoje. É uma inovação que conseguimos”, afirmou.

APQC RECORRERÁ À JUSTIÇA

Ainda assim, entidades como a APqC continuam alertando para o que classificam como uma tentativa de reformular a carreira científica sem diálogo amplo e sem garantias reais de fortalecimento da pesquisa pública. O texto aprovado também prevê a integração da nova comissão de avaliação aos órgãos de gestão de pessoas do governo, o que, para os críticos, pode comprometer a autonomia técnica da carreira.

“O projeto representa um desmonte no sistema de ciência e tecnologia do Estado, e nós tentamos sensibilizar os deputados sobre esta desestruturação, mas os argumentos foram ignorados”, afirma Dra. Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC. “Diante da aprovação, iremos entrar com uma ação na Justiça, porque as pesquisas públicas estão ameaçadas e a sociedade será duramente afetada”. 

Com a aprovação na Alesp, o Projeto de Lei Complementar 9/2025 segue para sanção do governador Tarcísio de Freitas. Pesquisadores contrários à proposta avaliam a possibilidade de judicialização, caso entendam que há inconstitucionalidade ou violação de direitos adquiridos.

O placar de 48 a 1 se deu porque os deputados de partidos de oposição, como PT e PSOL, optaram por não registrar seus votos durante a deliberação. Trata-se de uma estratégia prevista no regimento da Alesp, utilizada para tentar impedir que o governo atingisse o quórum necessário antes da hora. A medida é adotada para dificultar o avanço de propostas consideradas prejudiciais, sem inviabilizar o processo legislativo como um todo.

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