O presidente da Câmara dos deputados dos EUA, o republicano Mike Johnson, advertiu que o “fechamento” parcial do governo por falta de aprovação do orçamento, o “shutdown” no jargão de Washington, está “caminhando em direção a uma das mais longas paralisações da história americana”.
O “fechamento” foi declarado em 1º de outubro, quando começa o ano fiscal de acordo com a lei dos EUA, devido à falta de acordo sobre o orçamento entre a maioria republicana e a minoria democrata. E já completou 15 dias sem perspectiva de solução.
O que implica que várias áreas do governo e servidores públicos não têm verba para funcionamento, o que atinge desde as visitas à Estátua da Liberdade aos salários dos servidores públicos e até dos controladores de voo, o que vem provocando atrasos nos aeroportos.
Cerca de 250 mil servidores ficaram sem receber esta semana. Na próxima, cerca de 2 milhões podem ficar sem pagamento.
O shutdown é uma jabuticaba norte-americana – ao contrário do que é norma no resto do mundo. No Brasil, por exemplo, caso não haja aprovação do orçamento apresentado até a data limite, passa a valer, para cada mês, 1/12 do orçamento do ano anterior.
O “fechamento” atinge 27% do orçamento, os chamados itens discricionários. A novidade em relação a outros “fechamentos” do governo dos EUA é que Trump busca fazer dele instrumento, como o Departamento de Gestão Eficiente foi antes, para podar a máquina pública em favor dos bilionários e especuladores e para demitir milhares de funcionários federais.
Desde 1990, foram oito os “shutdown”. O recorde anterior de duração ocorreu no primeiro mandato de Trump, que insistia em impor aos democratas a destinação de verba federal para erguer seu muro da vergonha na fronteira com o México: 36 dias.
O impasse agora se deve a que, após os republicanos passarem o trator sobre os democratas na aprovação da “Lei Grande e Bonita” de Trump (BBB, na sigla em inglês), que cortou impostos para os ricaços e destinou mais dinheiro para armas e deportações – ao mesmo tempo que tirou US$ 1 trilhão [em dez anos] da Saúde, entre a ampliação do Medicaid e os subsídios do Obamacare.
“Aprovação” perpetrada usando uma pedalada legislativa a título de “reconciliação” entre o texto votado na Câmara e no Senado, e com o vice JD Vance, que sob a institucionalidade estadunidense preside o Senado, dando o voto de minerva.
A pedalada evitou que a lei BBB fosse barrada pela exigência, no Senado, de 60 votos (em 100) para que qualquer projeto avance.
Agora a minoria democrata exige que sejam restauradas as verbas para a Saúde, para que 14 milhões de norte-americanos não fiquem alijados dos planos de saúde no país da mais cara assistência médica do planeta.
A partir de janeiro aqueles que perderam o subsídio vão deixar de estar cobertos. Para os que ainda estiverem, espera-se um aumento na mensalidade muito salgado, em média de 75%.
No Medicaid, camadas da população que passaram a ter direito à assistência médica durante a pandemia, apesar de estarem um pouco acima da renda limite, voltarão a ficar sem médico.
REPRESÁLIAS
Em represália ao “shutdown” do qual é o grande responsável, no primeiro dia em vigor Trump cancelou US$ 8 bilhões em financiamento ao clima de 16 estados azuis [governados pelos democratas] e congelou US$ 18 bilhões para dois grandes projetos de construção na cidade de Nova Iorque.
Pelo Truth Social, Trump se gabou de que mal podia acreditar que “os democratas radicais de esquerda me deram essa oportunidade sem precedentes”. E anunciou uma reunião com seu chefe do Escritório de Administração e Orçamento, Russ Vought, “para determinar qual das muitas agências democratas, a maioria das quais são um cambalacho político, ele recomenda que seja cortada, e se esses cortes serão ou não temporários ou permanentes”.
“Podemos fazer coisas durante a paralisação que são irreversíveis, que são ruins para eles e irreversíveis para eles, como cortar um grande número de pessoas, cortar coisas de que eles gostam, cortar programas de que eles gostam”, acrescentou o ditador do Salão Oval.
Depois, em uma entrevista, Vought disse que 10.000 servidores podem ser demitidos. Mais do que o dobro do que vinha sendo discutido nos tribunais.
DEMISSÕES ILEGAIS
A juíza distrital dos EUA Susan Illston bloqueou temporariamente as demissões em massa, atendendo a liminares da Federação Americana de Funcionários do Governo e a Federação Americana de Funcionários Estaduais e Municipais, que argumentaram que as demissões eram ilegais. A decisão interrompe os cortes de empregos em mais de 30 agências federais enquanto o litígio continua.
Para sua decisão, pesou a evidente “motivação política para as demissões”, a ponto de Trump gargantear que ia cortar “agências democratas”. “Você não pode fazer isso em uma nação de leis. E temos leis aqui, e as coisas que estão sendo articuladas aqui não estão dentro da lei”, disse ela.
O governo parece ter “aproveitado o lapso nos gastos do governo e no funcionamento do governo para assumir que todas as apostas estão canceladas, que as leis não se aplicam mais a eles e que eles podem impor as estruturas que quiserem”, disse ainda Illston.
De acordo com The Wall Street Journal, os maiores cortes atingiriam o Departamento do Tesouro, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, o Departamento de Educação e o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano.
“A decisão do governo de demitir milhares de funcionários federais que já estão sem pagamento durante a paralisação do governo não é apenas cruel, mas ilegal”, afirmou Everett Kelley, presidente da Federação Americana de Funcionários do Governo.
“Estes são servidores públicos dedicados que mantêm nossa nação funcionando – protegendo a saúde pública, apoiando a educação, garantindo moradia justa e impulsionando o crescimento econômico”, enfatizou, saudando a decisão da justiça.
CHANTAGEM
Para manter a pressão sobre a oposição, a Câmara aprovou um projeto de lei de financiamento que manteria o governo aberto até 21 de novembro. Ao qual os democratas do Senado se opõem, exigindo que primeiro sejam estendidos os subsídios do Obamacare, que viabilizam para milhões terem um plano de saúde, e que expiram no final do ano.
Este mês as pessoas receberão avisos sobre o aumento de seus prêmios por causa da expiração dos subsídios, a menos que o Congresso tome medidas.
Na quarta-feira (15), os senadores derrubaram pela nona vez esse projeto de lei da Câmara de gastos provisórios “limpos” [de verbas para a Saúde], que não obteve os 60 votos necessários para que avançasse.
Chantageando a oposição, Mike Johnson ameaçou não convocar a Câmara para votar a lei de autorização de US$ 852 bilhões para o Pentágono, que o Senado examinará nesta quinta-feira. O que só faria, ele disse, se a oposição concordasse primeiro em encerrar o shutdown. Como, no império ianque, as verbas para o Pentágono e a guerra quase sagradas, avalie-se a pressão pretendida sobre os senadores democratas.