Audiência pública na Câmara aponta que a empresa é estratégica para o Brasil e a solução é estatização
Especialistas em defesa e geopolítica, militares, trabalhadores e parlamentares defenderam em audiência pública que a Avibrás é “estratégica” para a soberania nacional e não pode ser vendida para estrangeiros.
O Projeto de Lei 2.957/24, que prevê a estatização da Avibrás, foi debatido na Câmara dos Deputados na quarta-feira (15).
O autor do texto, Guilherme Boulos (PSol-SP), explicou que “a Avibrás é uma indústria histórica essencial da base industrial de defesa do nosso país” e produz tecnologia de ponta.
“Num momento de completa instabilidade geopolítica no mundo, de conflitos militares pipocando, mais do que nunca é essencial que o Brasil preserve a sua soberania nacional”, continuou.
Boulos citou os ataques dos Estados Unidos à soberania nacional como exemplo dos novos tempos.
“Nosso PL é pela estatização. Mas, acima de tudo, é preciso impedir que a Avibrás caia em mãos de capital estrangeiro. Isso não podemos admitir em hipótese alguma, porque é grave para a nossa soberania”.
O deputado destacou que o movimento dos trabalhadores da empresa é fundamental para que a estatização seja uma possibilidade. A Avibrás não paga o salário de seus trabalhadores há 31 meses.
Segundo Boulos, “não é fácil formar um trabalhador qualificado de um dia para o outro. Pode até resgatar a Avibrás, beleza, mas se não tiver mais os trabalhadores que fizeram, para ter a expertise, a capacidade de produção… A Avibrás não é só galpões e máquinas, é a qualificação de décadas de trabalhadores”.
DEBATE
O capitão de fragata da Marinha, Robson Farinazo, que tem sido uma das lideranças do movimento pela estatização da Avibrás, avalia que a empresa é uma “condição estratégica” para nossa soberania.
“Se quisermos preservar a nossa frágil democracia, só existe um caminho: armar o Brasil com Forças Armadas conscientes e voltadas para questões de soberania”, declarou.
Enfatizando a debilidade de nossos sistemas de defesa, explicou que “se um navio estrangeiro encostar a 2 mil quilômetros, entre os portos de Santos e Rio de Janeiro, nós praticamente não temos defesa e nossa exportação será cortada”.
“A Avibrás é a base tecnológica que nós temos para nos prover insumos. O capital humano e tecnológico, a expertise que a Avibrás tem pode nos fornecer qualquer insumo, não só mísseis e foguetes”, acrescentou. “Se entregar um projeto de drone ou de blindado para a Avibrás, eles são capazes de fazer”.
“Esse projeto de estatização da Avibrás é suprapartidário e supraideológico. É pensando nas gerações futuras”, completou.
O analista geopolítico e escritor Rodolfo Queiroz Laterza concorda com o projeto de estatização da empresa e sublinhou que esse “não é discurso de esquerda ou de direita, é uma necessidade”.
Segundo o especialista, países desenvolvidos e em desenvolvimento subsidiam a produção do complexo industrial entendendo que este é fundamental para suas soberanias. Ele citou casos como os Estados Unidos, França, Rússia, Ucrânia, Israel, Irã e Turquia.
E a presença do Estado é importante para que essas empresas de defesa continuem funcionando. “Tem que embutir o custo de pesquisa e desenvolvimento, o custo de atratividade e retenção do capital humano. Em todo o planeta é assim, mas aqui não pode ser porque é abdicar o livre mercado?”.
“O Brasil tem capital humano para isso e tem condições para avançar na sua indústria de defesa, reter e valorizar o conhecimento. O que falta é vontade política”, sinalizou.
Para Rodolfo Laterza, o projeto “replica o que deu certo no mundo, inclusive nos Estados Unidos, que tanto falam como ‘exemplo de liberalismo’, mas tem um verdadeiro intervencionismo estatal em tudo”.
Weller Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, contou que esta é a terceira vez que a empresa passa por uma crise e não paga o salário dos trabalhadore. As outras duas aconteceram na década de 1980 e em 2008.
“A Avibrás precisa novamente de dinheiro do governo federal para retornar. Se é dinheiro do Estado que investe e o patrão que ganha o lucro, nada mais justo ser estatal”, completou.
Os trabalhadores da Avibrás viajaram de ônibus até Brasília para participar da audiência pública.
Sérgio Machado, que trabalha na Avibrás há 35 anos, relatou no evento que os próprios trabalhadores estão garantindo a segurança material da empresa. “Se você chamar os trabalhadores, eles vão voltar, vão vestir a camisa”, disse, mesmo que estejam, hoje, sem salário, sem convênio médico e com dificuldades.
O presidente da Avibrás, Fábio Guimarães Leite, falou que a empresa só continua existindo por conta do esforço dos trabalhadores. Segundo ele, a empresa precisa de um “socorro urgente do governo federal” para continuar viva. Leite ainda disse que os sistemas da empresa ficaram desligados e correm o risco de se deteriorar.
O jornalista Luís Nassif, da GGN, participou da audiência pública e destacou que “a defesa é algo muito importante para ficar só na mão do mercado ou das Forças Armadas. Tem que ter uma governança civil também”.
Já Alexandre Galante, que escreve para o Poder Naval, descreveu que, “depois da Guerra Fria, o Brasil abandonou suas indústrias de defesa” e muitas empresas do setor foram fechadas.
Galante continuou dizendo que “é uma coisa comum no mundo você ter as empresas de defesa com algum controle estatal. Ou é total, ou é majoritária, ou através de regulação de golden share”.
O Brasil, “se quiser manter sua independência e soberania, vai ter que investir na Avibrás. O ideal seria uma participação estatal majoritária ou total”, completou.