Macaqueando Donald Trump, Bolsonaro, mesmo antes de assumir o cargo, fez exigências absurdas, atacou os médicos cubanos e levou o governo de Cuba à decisão de sair do programa social Mais Médicos, criado em 2013 com o propósito emergencial de atender regiões carentes sem cobertura médica. O resultado disso será um grave risco à saúde da população.
O Ministério da Saúde Pública de Cuba citou “referências diretas, depreciativas e ameaçadoras”, feitas por Jair Bolsonaro à presença dos médicos cubanos no Brasil, ao anunciar na quarta-feira (14) o rompimento do acordo, que garante o envio de médicos do país caribenho para atuar no Sistema Único de Saúde.
É mais um incidente internacional na trajetória do futuro governo. A sectária e ideológica política externa do presidente eleito já causou ruídos com a China, Noruega e Mercosul. O mais grave até agora, ao declarar a um jornal de Israel a transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, fez com que o governo do Egito cancelasse uma visita oficial que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, faria ao país.
Com relação ao Mais Médicos, ainda em campanha, no mês de agosto, o então candidato do PSL declarou que “expulsaria” os médicos cubanos do Brasil com base no exame de revalidação de diploma de profissionais formados no exterior, o Revalida. A promessa também estava em seu plano de governo.
Tais referências, diga-se de passagem, são infundadas, uma vez que a excelência da medicina cubana goza de reconhecimento internacional. O próprio Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira) aprovou 459 médicos de nacionalidade cubana desde 2011 – a segunda nacionalidade com o maior número de aprovados no exame.
Além disso, no caso do programa federal, todos os estrangeiros participantes têm autorização de atuar no Brasil mesmo sem ter se submetido ao exame. Esta autorização foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro do ano passado.
Segundo o comunicado das autoridades cubanas, o motivo do rompimento se deve às declarações do presidente eleito “fazendo referências diretas, depreciativas e ameaçadoras à presença de nossos médicos”, além de “declarar e reiterar que modificará termos e condições do Programa Mais Médicos, com desrespeito à Organização Pan-Americana da Saúde [Opas]e ao conveniado por ela com Cuba, ao pôr em dúvida a preparação de nossos médicos e condicionar sua permanência no programa a revalidação do título e [ter] como única via a contratação individual”.
“As mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis que não cumprem com as garantias acordadas desde o início do programa, as quais foram ratificadas no ano 2016 com a renegociação do Termo de Cooperação entre a Organização Pan-Americana da Saúde e o Ministério da Saúde da República de Cuba”, diz o texto.
A saída dos cubanos vai comprometer quase metade de todos os profissionais que atuam no Mais Médicos. Segundo dados do Ministério da Saúde, eles preenchem 8.332 das 18.240 vagas do programa, o equivalente a mais de 45% do total de médicos.
Para o especialista em saúde Marco Akerman, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), a saída dos médicos cubanos provocada por Bolsonaro vai “prejudicar a população brasileira”.
“Serão milhares de médicos que vão sair, e os governos municipais não vão ter condições de repor”, alertou, em entrevista à GloboNews. Segundo o especialista, a situação criada pelo futuro governo resultará em um “vazio assistencial no Brasil”, pois os médicos cubanos, em alguns municípios, são os únicos que existem nas unidades básicas de saúde.
A medida pode ocasionar 24 milhões de pessoas desassistidas por dois ou três meses, segundo afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira.
Um exemplo disso é o município de Chã Preta, a 101 quilômetros de Maceió (AL), onde três dos quatro médicos do Programa de Saúde da Família são cubanos. “Se eles deixarem [o programa], a cidade fica sem médicos, só fica com um brasileiro”, relata a secretária municipal de Saúde, Rosilene Pedrosa.
O município é uma típica cidade do interior do Nordeste, que sem arrecadação própria e renda per capita anual em torno de R$ 9.140,03 terá dificuldades de contratar médicos para atender a população pobre.
Vale lembrar que o Mais Médicos, criado por medida provisória na gestão Dilma Rousseff, é mais um programa que deveria ter caráter emergencial – mas acabou se tornando permanente como tantas outras ações dos governos petistas.
A contratação dos cubanos foi definida por um termo assinado em 23 de abril de 2013 com a Opas, braço da OMS (Organização Mundial da Saúde). A entidade, por sua vez, fez um segundo acordo com o governo cubano. O valor destinado pelo governo brasileiro é de R$ 11.520 por profissional. A Opas repassa aos contratados cerca de R$ 3.000. A diferença fica com o governo de Cuba.
Bolsonaro disse que pode “suprir esse programa com esses médicos brasileiros”. Contudo, não mostrou como nem quando e nenhum plano para evitar o caos nos municípios atendidos pelo programa. Disse que outros médicos estrangeiros podem ocupar espaço no programa. Mas também é só especulação, sem definir claramente como isso possa acontecer.
WALTER FÉLIX