Crise provocada por Trump atinge o mundo inteiro. Falta do insumo já prejudica indústria automobilística brasileira. Ministro Geraldo Alckmin está negociando diretamente com governo chinês. Pequim garantiu prioridade ao Brasil
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) informou que está negociando com o governo da China o abastecimento brasileiro de chips para a indústria automobilística. O setor está ameaçado de paralisação por falta do insumo. O chefe da pasta e vice-presidente, Geraldo Alckmin, informou que as conversas com Pequim estão avançando bastante.
INTERVENÇÃO
A intervenção do governo holandês na Nexperia, empresa chinesa de chips que opera na Holanda, acendeu o alerta para as empresas brasileiras. A intervenção foi considerada ilegal pela China e foi feita por pressão do governo Trump, que vem travando uma guerra comercial contra o mundo e, principalmente, contra o país asiático. O governo holandês, de extrema direita, que foi derrotado logo em seguida nas urnas, tentou esconder a pressão feita pelo governo dos EUA para intervir na fábrica e inventou o pretexto de que a empresa representava uma ameaça à segurança nacional para justificar a submissão aos EUA.
Na véspera da decisão de intervir na Nexperia, a administração Trump decidiu alargar às filiais da Wingtech – ou seja, à Nexperia holandesa – a proibição de comércio a que a empresa na China já estava sujeita desde dezembro. Isto levou ao encerramento do mercado norte-americano à Nexperia. “Pura coincidência!”, afirmou o governo de Haia. Mas, para Frans-Paul van der Puttten, fundador da consultoria holandesa China Geopolitics, “poucos acreditam nisso”. ”Não é de todo uma coincidência, não acredito nisso de maneira alguma”, afirmou o analista.
A Nexperia na Holanda foi adquirida pelo conglomerado estatal chinês Wingtech em 2019. A empresa chinesa Wingtech, fabricante de semicondutores, passou a ser a controladora também da fabricante na Holanda, que domina 40% do mercado mundial de chips. Com a intervenção, a empresa da Holanda suspendeu o envio de insumos para a empresa matriz da China.
CHINA PROTESTA
O governo chinês protestou oficialmente contra a medida e afirmou que o governo da Holanda estava infringindo leis internacionais e usando arbitrariamente a definição de segurança nacional. Com a intervenção, a China suspendeu a exportação de semicondutores produzidos na fábrica localizada em seu território. A decisão impactou o fornecimento do produto às empresas de autopeças no Brasil, na Europa e em diversos países do mundo.
A guerra de Trump contra a China e a submissão holandesa já vem de algum tempo. Em 2023, o Parlamento holandês já havia aceitado, sob forte “convite” de Washington, proibir as exportações de máquinas da empresa ASML para a China. As máquinas produzidas pela ASML são necessárias para a produção de chips de última geração. A ASML detém um quase monopólio neste nicho, e os Estados Unidos pressionaram para que o grupo holandês cessasse todas as entregas à China, a fim de impedir Pequim de dispor de chips que permitissem, nomeadamente, desenvolver inteligência artificial.
O governo federal brasileiro abriu diálogo com o governo chinês para tentar retirar o Brasil do embargo das exportações dos chips da Nexperia, evitando que o país seja afetado pela escassez. A iniciativa foi discutida na última terça-feira, (28), em Brasília, durante reunião entre o então presidente interino e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, representantes da Anfavea, do Sindipeças e sindicatos de metalúrgicos. O país possui uma estatal fabricante de chips no Rio grande do Sul, mas ainda não tem fôlego para suprir o mercado nacional de chips.
Segundo Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial do MDIC, se não houver uma solução rápida, a produção nacional poderá ser interrompida “em duas ou três semanas”. A Nexperia é responsável por cerca de 40% dos chips usados pela indústria automotiva brasileira. “O vice-presidente já telefonou para o embaixador chinês no Brasil e para o embaixador brasileiro em Pequim. A proposta é excluir o País desta crise, de caráter geopolítico, que não tem absolutamente nada a ver com o Brasil”, afirmou Moreira.
Representantes da Anfavea, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e da Abipeças (Associação Brasileira da Indústria de Autopeças), pediram ao Planalto para intervir junto ao governo chinês para que o Brasil não seja prejudicado. A demanda foi levada à Embaixada da China. Na ocasião, o vice-presidente brasileiro pediu prioridade no fornecimento de chips para a indústria brasileira.
PRIORIDADE AO BRASIL
Integrantes da indústria automotiva alertaram nas últimas semanas para a possibilidade de paralisação do setor por causa da escassez global de semicondutores – chips usados em sistemas eletrônicos de veículos. De acordo com a associação, as montadoras poderão solicitar exceção ao embargo por meio da Embaixada ou diretamente com o Ministério do Comércio da China.
O governo chinês prometeu prioridade para o Brasil. Em comunicado divulgado pelo Mdic no sábado (31), Alckmin comemorou a decisão do governo chinês: “Trata-se de uma excelente notícia. A cadeia automotiva emprega 1,3 milhão de pessoas e tem impacto direto em outros setores, como siderúrgico, químico, plástico e borracha. Ainda temos de ver como isso se dará na prática, mas hoje demos um passo importante para que indústria automotiva brasileira continue crescendo e gerando empregos de qualidade”.
A atitude do governo holandês, no início de outubro, de tomar a Nexperia, fabricante de semicondutores com capital chinês, está ameaçando também provocar paralisações na produção da indústria de automóveis europeia. A fábrica da Volkswagen em Wolfsburg (Alemanha) reduziu a produção de alguns modelos devido à falta de chips da Nexperia, e a paragem total da produção está prevista até ao final da semana, se nada mudar. De acordo com o instituto alemão Ifo, 10,4% das empresas industriais do país relataram escassez de chips em outubro, três pontos a mais do que em setembro.
EUROPA ATINGIDA
A crise se intensificou quando a Nexperia da China declarou independência administrativa da empresa que sofreu a intervenção na Holanda e passou a vender seus produtos apenas para o mercado interno. O resultado foi imediato: montadoras europeias ficaram sem acesso a uma parte vital do suprimento de semicondutores simples usados em módulos eletrônicos, sensores e sistemas de controle.
Entre as empresas mais afetadas estão Volkswagen, Volvo e Stellantis, que já relatam estoques reduzidos e avaliam paradas parciais nas próximas semanas. A Volkswagen informou que tem chips suficientes para manter as operações por apenas uma semana, enquanto a Bosch alertou que pode suspender temporariamente as operações na Alemanha, o que levaria a afastamentos de funcionários e atrasos em entregas.
SÉRGIO CRUZ
											
								
								








