O prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga (Republicanos), foi afastado por 180 dias do cargo por decisão judicial tomada nesta quinta-feira (6). A medida é parte da Operação Copia e Cola, da Polícia Federal, que apura suspeitas de irregularidades na contratação emergencial da Organização Social (OS) Aceni, encarregada da gestão de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no município. Segundo a PF, os alvos da investigação podem responder por “corrupção ativa e passiva, peculato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro, contratação ilegal e organização criminosa”.
Neste cenário de turbulência, chama a atenção o Decreto 30.503/25, promulgado por Manga dias antes de ser afastado. O texto autoriza a internação involuntária de pessoas dependentes de drogas e está em vigor desde 24 de outubro. Além de declarar “situação excepcional e emergencial”, o decreto permite que forças de segurança realizem internações forçadas, firmem convênios emergenciais com clínicas particulares e transfiram recursos orçamentários — uma prerrogativa concedida ao secretário de Segurança Urbana, Beto Maia, nomeado como interventor especial.
A justificativa apresentada pelo prefeito menciona “o aumento de casos de dependência química em todo o Brasil e sua repercussão em Sorocaba”. A relação de Manga com o tema não é nova: sua cunhada, Simone Rodrigues Frate de Souza, é pastora e dirige o Centro de Atenção ao Dependente Químico (CADQ), ligado à reabilitação cristã. O CADQ já foi alvo de operação policial e chegou a ter dinheiro apreendido na residência de familiares do prefeito, mas continua ativo nas redes sociais.
O decreto foi alvo de críticas na Câmara Municipal. A vereadora Fernanda Garcia (PT) contesta a medida e cobra transparência. “A falta de informações, inclusive, motivou meu requerimento para questionar a Prefeitura de Sorocaba sobre essa medida que reacende um alerta na cidade, que já foi um polo manicomial. Entre as poucas definições do decreto está a nomeação do secretário de Segurança Urbana, Beto Maia, como interventor especial.” Em sua avaliação, não há dados que comprovem aumento no uso de drogas na cidade e o decreto serviria como ferramenta de “higienização”, removendo pessoas em situação de rua com fins políticos. “A justificativa, sem qualquer fonte do Decreto de Manga, é o suposto aumento de casos de dependência química. Porém, a minha visão é de que além de ser uma medida eleitoreira, visa a ‘higienização’ da cidade, removendo a população em situação de rua associada ao uso de drogas, e, possivelmente, favorecendo o enriquecimento de aliados políticos de sua base evangélica”, disse.
O Ministério Público também se manifestou. Segundo o órgão, o decreto seria ilegal, pois autoriza que a internação seja definida por um secretário, e não por médicos, como determina a lei. Há também a previsão de uso de comunidades terapêuticas, apesar de a legislação aceitar apenas internações hospitalares. A promotora Cristina Palma abriu um procedimento administrativo e destacou que, nesses casos, é obrigatório o aval de familiares ou profissionais de saúde ou assistência social.
A figura de Beto Maia é central nessa crise. Responsável por implementar o regime excepcional, ele enfrenta acusações de agressão a um homem em situação de rua durante uma ação da Prefeitura em 2024, além de ter sido afastado do cargo de controlador-geral em 2022 por irregularidades. Sua trajetória inclui ainda o comando da clínica Supera Terapias, voltada ao tratamento de dependentes químicos. Entidades como o Desinstitute e o Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas) reagiram prontamente e protocolaram um requerimento exigindo o fim do que chamam de “decreto do sequestro”.
Para entidades e especialistas, o decreto escancara a precariedade da saúde mental no município. “Dos oito Caps (Centro de Atenção Psicossocial) que a gente tem na cidade, só um é municipal, o restante todo é terceirizado, então a rotatividade de profissionais é muito alta, muito grande, o que prejudica muito a criação de vínculos com as pessoas que fazem uso desses serviços”, afirmou a advogada Thaís Lopes Rodrigues, do Desinstitute e integrante do Flamas. Ela também aponta a inexistência de Centros de Convivência, o atendimento limitado do Consultório na Rua e a precariedade das Unidades de Acolhimento (UAs). Até mesmo o Caps-AD 3 municipal já chegou a funcionar “no porão de uma UBS, sofrendo com inundações e infestações de insetos”.
Parte das Organizações Sociais (OSs) contratadas pelo município também está sob suspeita. O Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão em Saúde (Insaúde), que administra um dos Caps, é investigado por desvio de verbas na saúde em São Gonçalo (RJ). Já a OS Aceni, envolvida na gestão da UPA sob investigação da PF, foi ignorada pela Prefeitura quando procurada para esclarecimentos.
Em meio às investigações policiais, ao desgaste político e à repercussão negativa do decreto, Rodrigo Manga adotou tom de vítima em suas redes sociais. “Acredite se quiser, me afastaram do cargo de prefeito. Eu aqui em Brasília, ontem eu fui em frente ao Palácio da Justiça, falei que tem que colocar o Exército na rua, rodei o Congresso, os deputados me receberam super bem, falando: ‘Manga, cuidado, está aparecendo muito, estão tentando aí’. O que a gente ouve de bastidores é que os caras tentam tirar do jogo qualquer um que ameace a candidatura deles e você tem sido uma ameaça, tanto na questão do Senado, como em outros cargos. Gente, não deu outra”, disse, sugerindo perseguição política.
Enquanto o afastamento completa seu primeiro dia, Sorocaba segue com uma rede de saúde mental fragilizada e sob controle de organizações questionadas, enquanto se aguarda o desfecho das investigações sobre contratos públicos, desvio de verbas e a condução de uma política de internação involuntária que reacendeu os piores fantasmas da cidade.











