Demissão decorreu do pedido de desculpas do presidente da BBC sobre divulgação de documentário que evidencia participação de Trump na tentativa de golpe em janeiro de 2021, produzido por jornalistas da rede britânica
Ao ceder à ameaça de processo por Trump no valor de US$ 1 bilhão, por supostamente em um programa ter manipulado suas convocatórias a assaltar no 6 de janeiro de 2021 o Congresso norte-americano – o que induziria o público a vê-lo como golpista – a rede teve como consequência que a direção do principal megafone do carcomido imperialismo britânico, a BBC, renunciou no domingo (9).
“Quero comunicar que decidi deixar a BBC após 20 anos”, anunciou o diretor-geral, Tim Davie, em carta enviada aos funcionários. “Trata-se de uma decisão totalmente pessoal, e continuo muito grato ao presidente e ao conselho de administração pelo apoio inabalável e unânime durante todo o meu mandato, inclusive nos últimos dias”. Também a diretora-executiva de notícias, Deborah Turness, renunciou.
Os advogados de Trump disseram que a BBC deve retirar seu documentário, exibido em 2024, até 14 de novembro ou enfrentará um processo de “nada menos” que US$1 bilhão, de acordo com uma carta enviada no domingo. O documentário é parte do programa Panorama, carro-chefe da BBC.
Insistindo na narrativa de que Trump nada teve a ver com a tentativa de golpe em 2021 na invasão do Capitólio, seus advogados acusam o documentário de ter juntado dois trechos separados de um dos discursos do então presidente, “criando a impressão de que ele estava incitando o motim de 6 de janeiro de 2021, o que os advogados disseram ser falso e difamatório”. O programa foi transmitido pouco antes das eleições de novembro de 2024.
Na segunda-feira (10), a BBC admitiu ter cometido um “erro de julgamento” na edição do programa, com o presidente Samir Shah pedindo desculpas, mas rejeitando as alegações de “parcialidade sistêmica” nas reportagens. Ele disse que a BBC estava considerando como responder à ameaça legal.
“A BBC gostaria de se desculpar por esse erro de julgamento”, disse ele em uma carta aos parlamentares britânicos.
SOB A LEI DA FLÓRIDA
Segundo a Reuters, a carta dos advogados de Trump cita como base para o processo a violação da lei de difamação da Flórida, por ter omitido deliberadamente fatos e os justaposto de forma enganosa para criar uma falsa impressão do que Trump disse.
A agência de notícias britânica observa que, normalmente, é difícil para figuras públicas como Trump vencerem processos por difamação de acordo com a legislação dos EUA, pois precisam provar que os réus sabiam ou deveriam saber que as informações eram falsas, mas as publicaram mesmo assim.
Apesar das juras de Shamir Shah sobre a “imparcialidade” da BBC, trata-se não de que não seja do costume da BBC mentir – e mente numa escala industrial, como quando ceva os neonazis ucranianos e açula a guerra na Europa, ou passa pano para o regime genocida israelense -, mas que, no caso, o mundo inteiro presenciou por streaming, chocado, aquele 6 de janeiro golpista.
E não será uma renúncia ou duas que irá alterar os fatos ou sumir com a tentativa de golpe (então fracassada) de Trump.
Ficou amplamente documentado como Trump se negou a reconhecer a derrota nas eleições de novembro de 2020, passou a conspirar abertamente, inclusive com gangues fascistas como os Proud Boys e os Oath Keepers, para virar a mesa, se dizendo vítima de uma fraude e que era ele o vencedor.
Pressionou correligionários para fraudarem atas, interferiu com advogados e jagunços para gerar tumulto e até convocou um comício “Salve a América” a Washington exatamente para o dia da certificação, pelo Congresso dos EUA, da vitória da oposição, ao mesmo tempo em que abertamente pressionava o vice Mike Pence a aderir ao golpe.
Não foi a BBC que forjou aquele coro ensandecido de “Enforquem Pence” percorrendo os corredores do Capitólio.
Em resumo, aproveitando-se de seu retorno à Casa Branca, Trump estendeu à Inglaterra o que já vinha fazendo dentro dos EUA, onde, chantagem após chantagem, melhora o orçamento da famiglia com acordos de reparação. Caso da CBS e da ABC. E, de quebra, insiste no golpismo.
A alegação de Trump é que foi a “edição tendenciosa” da BBC que induz a plateia a vê-lo com golpista, ao apresentar a marcha das hordas que ele chamara a Washington após sua famosa convocação “lutar como no inferno” e prometendo “acompanhá-los” até o Capitólio.
Quando, supostamente, houve um hiato de 54 minutos entre o momento em que a tropa de choque dos trumpistas deu início à investida rumo ao Congresso, e a própria declaração de Trump ao grosso dos arruaceiros.
E com a BBC deixando de reproduzir pequeno trecho em que, da boca pra fora, ele disfarçava a exortação a “lutar como no inferno”, com um marchem “pacifica e patrioticamente”.
Como dizia aquela música infantil, com a cabeça diz que sim e com o rabinho diz que não; os doutos conselhos da assessoria jurídica.
Quanto à parte do discurso em que ele diz que “iremos saudar os senadores e os deputados”, é tão cínica quanto o resto – inclusive as horas que demorou entre o início da invasão do Capitólio e a ordem à Guarda Nacional para atuar.
Aliás, no calor da contenda, quem acompanhou de perto pode se lembrar que os próprios auxiliares de Trump suaram para enfiá-lo a contragosto numa limousine evitando que marchasse até o Capitólio – é só rever os relatos dos jornais do dia.
A pressão de Trump foi facilitada pela ajuda do jornal inglês arquirreacionário The Telegraph, revelando um relatório interno da BBC sobre o suposto deslize na edição do programa que foi ao ar em 2024.
Daqui a pouco, algum sabichão vai inclusive jurar de pés juntos que o maluquinho de chifres no Capitólio foi uma alucinação coletiva – assim como os deputados e senadores escondidos para fugir da turba.
NENHUM MAGA DEIXADO PRA TRÁS
Em paralelo à renúncia dos diretores da BBC, Trump anistiou alguns dos mais notórios golpistas a seu soldo no 6 de janeiro, como Rudy Giuliani, Sidney Powell, John Eastman e o ex-chefe de gabinete Mark Meadows – este, testemunha do telefonema do presidente ao secretário de Estado republicano da Geórgia, Brad Raffensperger, solicitando “me arruma aí 11.000 votos” para roubar a eleição. A ação entre amigos teve a denominação de “Nenhum MAGA deixado para trás”.
Trump festejou a vitória sobre a BBC. “Altos funcionários da BBC, incluindo Tim Davie, o chefe, renunciaram/foram demitidos após serem flagrados manipulando meu excelente (perfeito!) discurso de 6 de janeiro”, ele escreveu em sua conta no Truth Social.
Ultimamente, Trump não anda tendo tanta coisa para comemorar, dado o alcance da vitória da oposição democrata nas eleições fora de época em Nova Iorque (prefeito Mamdani), Nova Jersey (governadora Mikie Sherrill), Virgínia (governadora Abigail Spanberger) e no referendo da Califórnia (antifraude do redistritamento republicano), e o fechamento do governo federal em vigor.
Preocupado, Trump acena com “US$ 2.000” de “dividendos do tarifaço” a cada cidadão, para ver se esquecem do seu efeito bumerangue. O período de julho a agosto registrou o maior salto mensal nos preços dos alimentos em três anos. E os preços médios dos alimentos em setembro foram cerca de 2,7% mais altos do que no ano anterior. Já o café teve alta de 18,9% e a carne bovina, de 14,7%.
É A ECONOMIA, ESTÚPIDO
Enquanto isso, uma pesquisa da CNN/SSRS descobriu que 61% dos americanos acreditam que as políticas de Trump pioraram as condições econômicas no país. Uma pesquisa da CBS News revelou da mesma forma que 51% dos americanos acham que as políticas de Trump os estão piorando financeiramente.
E entre os eleitores independentes, que decidem em grande medida as eleições, pesquisas separadas da ABC News/The Washington Post e da Marquette Law School descobriram que quase 80% dos eleitores independentes puros desaprovam a maneira como Trump lida com a economia.
Expressão disso, uma pesquisa da Universidade de Michigan descobriu que a confiança do consumidor nas condições atuais caiu para 52,3% em novembro, a mais baixa desde 1951. O sentimento geral do consumidor também caiu para uma baixa de três anos de 50,3%, despencando 30% em relação ao mesmo período do ano passado.
Conforme pesquisa Washington Post/ABC News/Ipsos, o governo de Trump é aprovado por 41% e desaprovado por 59%. E, na gestão da economia, 37% contra 62% de reprovação.
Diante do que o assim chamado guru do primeiro mandato de Trump, Steve Bannon, analisando o resultado da eleição e matutando sobre o andar da carruagem, aconselhou os republicanos a “assaltarem as instituições [do governo], ou todos nós vamos ser presos após 2028”.
E sugeriu ainda a Trump “investigar” e cassar a cidadania do assumido imigrante e prefeito, Zohran Mamdami.











