Tiveram que recuar, mas mostraram claramente que seu objetivo era atrapalhar a ação da PF para blindar os chefes de facções
Já se sabe das ligações da cúpula das facções criminosas e das milícias com o bolsonarismo. O traficante de armas do Comando Vermelho, “TH Joias” é ligadíssimo a Cláudio Castro, no Rio, por exemplo. O tesoureiro do mesmo Comando Vermelho, Gabriel Dias de Oliveira, também se reunia com o secretário de Castro. Já o miliciano, Adriano da Nóbrega, assassino profissional, chefe do Escritório do Crime – espécie de central de assassinatos das milícias – é também íntimo de Flávio Bolsonaro e de Jair Bolsonaro. Mãe e ex-mulher do miliciano eram “fantasmas” no gabinete de Flávio, no Rio.
Tudo isso já era conhecido. Mas, agora ficou escancarada uma ligação ainda mais estreita entre as duas cúpulas – a dos bolsonaros e a das facções. O Secretário de Segurança Pública do governo bolsonarista de São Paulo, Guilherme Derrite, se licenciou do cargo para deturpar o projeto antifacção do governo Lula. O presidente mandou o projeto ao Congresso Nacional para endurecer as penas dos chefes das facções. Derrite saiu rapidamente em campo (pasmem) para impedir que a Polícia Federal investigasse os criminosos. Largou a pasta do governo de SP para socorrer os chefes da bandidagem.
Em seu parecer, Derrite colocou uma série de obstáculos à ação da Policia Federal contra o crime organizado. Exatamente no momento em que a PF tem feito operações extremamente exitosas contra o tráfico e as facções, como, por exemplo, a Operação Carbono Oculto, a operação policial contra o PCC, deflagrada em agosto, e que é considerada a maior da história do País contra a infiltração do crime organizado na economia formal. Pela proposta do deputado bolsonarista, a PF teria que pedir autorização nos estados para investigar as facções. Era tudo o que elas queriam. Os chefões respiraram aliviados.
Imediatamente uma onda de protestos se avolumou no país. Percebendo que iria se torrar, Derrite recuou da proposta. Mas ficou claro que seu intento era dificultar a ação da PF contra o crime organizado.
A própria Polícia Federal havia denunciado a sabotagem e considerou que o recuo não foi suficiente. Na nova versão, o secretário de Tarcísio diz que a PF poderá participar das investigações mas apenas em caráter “integrativo, cooperativo” com a polícia estadual, sempre que a matéria for de sua competência constitucional ou legal. Segundo ele, essa participação pode ocorrer por solicitação do Estado ou da própria PF, mediante comunicação às autoridades estaduais.
Juristas consideram o relatório de Guilherme Derrite restringindo a ação da PF como inconstitucional. A ministra de Lula, Gleisi Hoffmann, foi ainda mais categórica. “Isso é um presente para as facções que atuam em todo o país, inclusive no mercado financeiro, e que estão sendo enfrentadas com inteligência”, denunciou. “As mudanças inviabilizam ações coordenadas contra a estrutura financeira das facções, como a Operação Carbono Oculto, e podem tumultuar os inquéritos e ações judiciais em andamento, porque alteram as competências da União e dos Estados, de forma inconstitucional”, prosseguiu e ministra.
“Se o projeto for aprovado como está, investigações da PF podem passar para a Polícia Civil de cada Estado. Nós acabamos de ter a Carbono Oculto, operação mais importante da história contra o crime organizado. Tumultuar essa investigação é muito grave. Advogados dos suspeitos vão contestar o foro e gerar uma confusão jurídica que vai beneficiar o crime organizado”, afirmou o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
Ao mesmo tempo que a cúpula bolsonarista tentou blindar os chefões do crime organizado, com ações como esta de Derrite, os governadores bolsonaristas se articulam para seguir fazendo os teatros e as encenações de ações nas favelas com muitas mortes da raia miúda e nenhum alto comandante das facções presos, como ocorreu na chacina da Penha e do Alemão, no Rio, com 121 mortes e nenhum chefe preso. Os bolsonaristas só fazem demagogia sobre as mortes nos morros, mas mantêm intacto e blindado o comando do crime. O que fica claro é que é só demagogia eleitoral. Eles estão mesmo é mancomunados com alta cúpula do crime.
Além de ter que recuar da proposta de tentar manietar a Polícia Federal, o secretário de Tarcísio teve que recuar também da formalização do conceito de “narcoterrorismo”. Ideia preconizada por Donald Trump para justificar sua intromissão nos assuntos internos dos países da América do Sul. É exatamente isso que ele está fazendo em relação à Venezuela, Colômbia e México. Queria estender os seus tentáculos também sobre o Brasil. Os bolsonaristas, como sempre, se ofereceram para ajudar Trump a se intrometer nos assuntos do Brasil. Juristas e especialistas alertaram que, considerar o CV e o PCC como organizações terroristas abriria espaço para intervenções estrangeiras no Brasil. Derrite também teve que recuar sobre esse tema e os bolsonaristas foram obrigados a aceitar o adiantamento da votação do projeto.
SÉRGIO CRUZ











