O bolsonarista Guilherme Derrite recuou em sua tentativa de esvaziar a Polícia Federal e de abrir espaço para o intervencionismo externo, mas a última versão de seu relatório ainda contém obstáculos à plena atuação do órgão contra as facções criminosas e com “potencial de caos jurídico”, segundo interlocutores do Ministério da Justiça.
O plenário da Câmara dos Deputados adiou a discussão e votação do Projeto de Lei que trata de medidas de combate às facções que comandam o crime organizado no país. A previsão é de que os deputados deliberem sobre a matéria na próxima semana.
O deputado Guilherme Derrite (Progressistas-SP), após licenciar-se da Secretaria de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas em São Paulo para assumir a relatoria do projeto, fato amplamente contestado, embora ratificado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), reescreveu o texto pelo menos três vezes. Derrite, no final da sessão desta quarta-feira (12), sugeriu que o projeto seja discutido e votado a partir da terça-feira da semana vindoura.
Os recuos foram provocados pela repercussão extremamente negativa do relatório inicial do parlamentar bolsonarista, especialmente quanto ao esvaziamento das prerrogativas da Polícia Federal (PF), a organização mais importante do país no combate ao crime organizado.
Outra questão que suscitou muita polêmica foi a tentativa de Derrite de qualificar essas facções como “terroristas”, algo que serviria para estimular intervenções externas no país, no momento em que o governo fascista de Donald Trump, dos EUA, promove uma ameaça militar no Caribe, principalmente contra a soberania da Venezuela, sob o falacioso pretexto de combater os chamados “narcoterroristas”.
Em coletiva de imprensa, Derrite tentou minimizar as críticas ao seu relatório, insinuando tratar-se de propagação de narrativas falsas, mas o fato é que o bolsonarista incluiu um dispositivo no texto original em que a participação da Polícia Federal nas investigações envolvendo as ações das facções criminosas dependeria do aval das polícias estaduais, o que contraria, de forma gritante, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública encaminhada pelo governo Lula ao Congresso Nacional.
A posição continha uma flagrante sintonia com a posição dos governadores bolsonaristas contrária à referida PEC. Na prática, caso vingasse o texto proposto inicialmente por Derrite, haveria o esvaziamento no combate a essas facções, algo que interessa à extrema-direita conivente com elas, apesar do discurso altissonante em sentido contrário.
A tentativa de subtrair poderes da Polícia Federal, ao invés de seu empoderamento, é tudo que a oposição bolsonarista pretende, como quis Bolsonaro quando estava no poder, diante da ação autônoma da instituição no combate a ilícitos como as “rachadinhas”, prática muito comum dos integrantes do clã.
Diante das pressões, Derrite retirou a menção sobre as mudanças na lei anti-terrorismo, mantendo a organização jurídica de competência das polícias judiciárias. Embora não tenha citado diretamente, o texto também deve excluir a tipificação de crimes praticados por organizações criminosas equiparados aos de terrorismo. Esse também era um dos pontos criticados pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A explicação acontece após um dia inteiro de conversas e articulações na Câmara dos Deputados e com interlocutores do governo, como os ministros Ricardo Lewandowski, da Justiça, e Gleisi Hoffmann, da articulação política, assim como com o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.
Com a retirada da menção da lei antiterrorismo e das restrições à PF, iniciou-se uma negociação em torno de um parecer final que será submetido ao plenário da Câmara na próxima semana.
DERRITE INSISTE COM MANOBRAS CONTRA A PF
No entanto, lideranças do governo ainda identificam problemas na quarta versão apresentada por Derrite ao PL Antifacção.
Segundo o líder do deputado Lindbergh Farias, líder do PT na Câmara, essa nova versão aprofunda a desorganização normativa e mantém vícios estruturais graves, especialmente ao retirar recursos da Polícia Federal por meio do art. 10, §§8º e 10°, enfraquecendo o órgão de coordenação nacional e contrariando o espírito da PEC da Segurança Pública”.
“Em vez de fortalecer a PF, o texto promove uma fragmentação orçamentária em relação aos fundos que compromete a eficiência no enfrentamento às organizações criminosas de atuação interestadual. O substitutivo também desmonta a política de descapitalização das facções ao eliminar as medidas cautelares especiais previstas no projeto original, substituindo-as por instrumentos já existentes e criando a ficção de uma “ação civil autônoma”, que só acrescenta morosidade, insegurança jurídica e pulverização dos procedimentos de recuperação de bens. Com isso, a proposta perde sua espinha dorsal: a capacidade de bloquear rapidamente recursos ilícitos e atingir o coração financeiro das facções criminosa”, escrever o parlamentar no X.
E acrescentou: “Para completar, o relator insiste em inventar categorias sem fundamento jurídico, como a tal “organização ultra violenta”, numa tentativa de apagar a terminologia rigorosa de “facção criminosa” introduzida no texto original do governo federal. Esse tipo de improvisação conceitual enfraquece a política criminal, confunde operadores do direito e mascara o objetivo real: desfigurar a proposta técnica e consistente do Executivo, substituindo-a por um amontoado de conceitos vazios e dispositivos contraditórios”.
Antes dele, em plenário, o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), reconheceu avanços nos recuos do relator até o momento, mas, na mesma linha de raciocínio de Lindbergh, afirmou que resta, ainda, resolver questões essenciais para que a Polícia Federal esteja em condições de exercer com eficiência o combate às facções criminosas.
A posição de Lindbergh e Guimarães foi também corroborada por integrantes do Ministério da Justiça. Segundo eles, mesmo com os recuos de Derrite, a última versão tem um “potencial de caos jurídico” – tudo que os criminosos pretendem.
BOLSONARISTAS INSISTEM EM FACILITAR A VIDA DOS CRIMINOSOS
Apesar dos recuos de Derrite, diversos bolsonaristas ocuparam a tribuna da Câmara dos Deputados para defender o texto inicial que o secretário licenciado de Tarcísio de Freitas fez, principalmente quanto à categorização das facções criminosas como terroristas, no que foram retrucados por inúmeros outros parlamentares que lembraram que o Brasil já dispõe de uma lei antiterrorista já bastante rigorosa, que trata da tipificação de outros crimes.
O deputado Pedro Lupion (Republicanos-PR), por exemplo, integrante da bancada ruralista, ao tentar incluir no texto um artigo “anti-MST” no projeto antifacção, através de uma emenda apresentada nesta terça (11) pela qual o movimento deveria ser caracterizado como terrorista e, como tal, ser penalizado com várias restrições, em uma afronta à própria Constituição.
A falta de originalidade da proposta foi considerada uma provocação, algo típico de quem busca aliviar o combate às facções criminosas que comandam o crime organizado do país, que precisam ser debeladas com uma ação inteligente coordenada das polícias federais, estaduais e locais, conforme prevê a PEC da Segurança Pública, e não com bravatas desse tipo.











